Opinião

Amazônia tem uma área do tamanho da Espanha de florestas sem destinação

Quando éramos crianças, sempre havia um dia na escola em que aprendíamos sobre a importância das florestas. Muitas vezes, esse dia era hoje, 21 de março, Dia Internacional das Florestas.

Mas, enquanto nossas crianças celebram as florestas, a realidade fora das salas de aula é de apreensão, com queimadas e desmatamentos. Por isso, a Amazônia de Pé e o Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) lançam neste dia o primeiro boletim trimestral do Observatório de Florestas Públicas, criado para democratizar as informações de algo que pertence a toda a população brasileira. As FPND (Florestas Públicas Não Destinadas) são áreas que em sua maioria pertencem ao poder público, seja ele federal ou estadual, mas que ainda não foram atribuídas a uma categoria específica de proteção, como UCs (unidades de conservação) ou terras indígenas e quilombolas.

A falta de destinação oficial torna essas áreas vulneráveis a atividades ilegais, representando uma ameaça à conservação da floresta amazônica. O boletim mostra que, na Amazônia, essas florestas cobrem aproximadamente 56,5 milhões de hectares, o que equivale ao tamanho da Espanha, segundo a base de dados de 2020.

Os dados confirmam esse cenário alarmante: a área queimada em Florestas Públicas Não Destinadas aumentou 64% no último ano, saltando de 1,5 milhão para 2,4 milhões de hectares. Isso equivale a quase 15 cidades de São Paulo consumidas pelo fogo em apenas um ano - um rastro de destruição que segue avançando sem freios.

E, apesar de o governo federal anunciar cerca de 15 milhões de hectares de terras públicas federais na Amazônia para estudo de destinação, a maior parte coberta por estas florestas, os dados analisados pelo boletim mostram o caráter urgente desta destinação, uma vez que 86% da área desmatada em FPND em 2024 era de domínio federal.

As Florestas Públicas Não Destinadas da Amazônia guardam um verdadeiro tesouro invisível: 5 bilhões de toneladas de carbono, com 77% desse estoque concentrado no estado do Amazonas, como mostra o boletim. Esse carbono, preso na biomassa e no solo, funciona como um escudo natural contra o aquecimento global. Mas quando essas florestas são destruídas, o que antes protegia o planeta se transforma em uma bomba climática, liberando CO2 em quantidades colossais e acelerando a crise climática.

Os dados oficiais de desmatamento mostram que as Florestas Públicas Não Destinadas na Amazônia estão sendo destruídas. Uma análise baseada em informações do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) até 2022 indica que o solo indígena é a categoria fundiária mais conservada da Amazônia. As florestas destinadas, sob cuidado de povos indígenas, quilombolas, pequenos produtores extrativistas, e as UCs são sinônimo de terra preservada.

Destinar as florestas públicas para quem, historicamente, provou que sabe como cuidar delas, é uma das políticas ambientais mais urgentes para o fim do desmatamento e combate efetivo às mudanças climáticas. A destinação é um grande passo para promover a garantia de direitos territoriais dos amazônidas e fortalecer o manejo sustentável da floresta. Destinar as florestas públicas para quem sabe protegê-las não é só uma decisão técnica - é um compromisso histórico com quem mantém a Amazônia de pé e com a vida de todos nós.

Observar as florestas é proteger aquilo que na escola celebramos como algo distante do dia a dia. Porque tudo está conectado. Proteger a Amazônia é proteger as nossas vidas e a maior contribuição que o Brasil pode fazer para o combate à crise climática, para que as crianças de hoje, futuros adultos amanhã, possam ter orgulho das suas crianças celebrando este Dia Internacional das Florestas.

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*Daniela Orofino é socióloga e Diretora da Amazônia de Pé.

Kaianaku Kamaiurá, coordenadora de incidência da Amazônia de Pé, liderança indígena do Povo Kamaiurá, mãe, artesã, professora e pesquisadora. Graduada em Licenciatura Intercultural e mestre em Direitos Humanos pela UFG (Universidade Federal de Goiás).

Rebecca Maranhão, pesquisadora e coordenadora de projetos sobre destinação de FPND no Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia). Mestre em geografia pela Universidade de Brasília e PhD em geografia e ciências Geoespaciais pela Kansas State University.

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