5 coisas para não dizer a uma pessoa com obesidade que quer emagrecer
Acredita-se que a cura da obesidade é o emagrecimento, e o resultado só é positivo quando a perda de peso é grande. Nessa toada, conselhos que tentam ajudar uma pessoa a emagrecer podem ter o efeito contrário.
São comentários com boa intenção, mas que carregam preconceito e tendem a afastá-la do autocuidado e de ter uma vida saudável.
"O preconceito vai se manifestar em todas as estruturas sociais e também ao longo da vida das pessoas gordas", diz a nutricionista Pabyle Flauzino, doutoranda em saúde coletiva na UECE (Universidade Estadual do Ceará) e produtora de conteúdo.
Recentemente, a jornalista Bianca Bosso, 26, sentiu-se mal quando ouviu de um professor da academia que só conseguiria resultados se treinasse cinco vezes por semana.
Ela estava saindo de uma vida sedentária com o compromisso pessoal de treinar três vezes semanalmente. "A fala do treinador me desmotivou bastante", diz.
Para Fábio Dominski, doutor em ciência do movimento humano e professor na Udesc (Universidade do Estado de Santa Catarina), o campo da educação física não está preparado para lidar com planos que realmente incentivem as pessoas.
O que acontece é a área tentando acolher, mas sem estratégia intencional consolidada, não baseada em evidência. Não é um discurso preparado para isso e temos feito o inverso do que as evidências mostram. Fábio Dominski, professor e pesquisador na Udesc
A corretora de seguros Lucyanna Palacios, 34, lembra que teve dificuldade para conseguir emprego na adolescência quando estava com sobrepeso.
"Na época eu não tinha percebido, mas depois que emagreci foi muito mais fácil", lembra.
Em outra ocasião, ela caiu e machucou o joelho, mas antes que pudesse falar ao médico o que havia ocorrido, ele sugeriu que ela emagrecesse.
Outro profissional propôs o mesmo quando ela relatou apneia do sono, mas a disfunção era causada por um problema no maxilar. Em 2015, ela fez cirurgia bariátrica, emagreceu e ouviu que estava escolhendo o caminho mais fácil.
Impactos do preconceito
Segundo um consenso internacional para acabar com o estigma relacionado ao peso, quem faz bariátrica corre o risco de um preconceito mais forte. As pessoas são chamadas de preguiçosas e menos responsáveis pela perda de peso.
A declaração, publicada na revista Nature Medicine em 2020, fala das consequências do estigma ligado ao peso:
- Isolamento social
- Transtornos mentais
- Aumento do nível de estresse
- Risco cardiometabólico a longo prazo
- Maior ingestão calórica e consequente aumento de peso
- Resistência à prática de exercícios físicos
- Aumento da mortalidade
- Menor probabilidade de receber convite para entrevista profissional
"Com os comentários pejorativos, a pessoa cria um autoconceito prejudicado, começa a acreditar que não consegue emagrecer, que não vai desempenhar um bom trabalho, que não vai conseguir ter relacionamentos", observa Juliana Santos Lemos, psicóloga especialista em psicopatologia, comportamento alimentar e obesidade.
Revendo conceitos
Quando se fala de obesidade, comer menos e fazer exercícios físicos não basta, porque a doença é resultado de múltiplos fatores, e alguns deles não é possível controlar.
Fatores de risco para obesidade:
- Genética. Há genes que aumentam a probabilidade de se desenvolver obesidade.
- Sedentarismo. Pessoas em vulnerabilidade social têm menos oportunidades para fazer exercícios físicos.
- Ambiente obesogênico. De modo geral, há acesso facilitado a alimentos mais calóricos e não saudáveis.
- Histórico pessoal. Obesidade na infância tende a persistir na vida adulta, e eventos adversos, como abusos e violência, aumentam o risco.
- Gravidez. Nessa fase, o aumento de peso é normal e necessário, mas pode ser o início de um problema se não houver como voltar ao peso pré-gestação.
- Menopausa. Alterações hormonais levam ao acúmulo de gordura em regiões específicas do corpo, como na cintura.
- Uso de medicamentos. Algumas drogas usadas no tratamento de outras doenças provocam ganho de peso.
A dona de casa Stephanie Andrade, 32, engordou depois da segunda gestação, o que para outras pessoas era motivo de comentários.
"Era uma coisa que me magoava muito, porque não foi na gravidez que engordei. Eu perdi peso rápido por causa da amamentação, mas depois ganhei pela depressão pós-parto", conta.
Ela também se chateava com os tons de piada, quando a chamavam de "gordinha". Hoje, ela está em processo de emagrecimento, faz exercícios físicos e tem acompanhamento psicológico.
"A pessoa não precisa chegar e falar do peso do outro, é uma coisa que nunca deveria ser falado e magoa quem está do outro lado."
Por isso, há afirmações que são repetidas quase como mantras por profissionais da saúde que tratam pessoas com obesidade:
- Obesidade é uma doença crônica, não uma questão apenas estética.
- Obesidade não tem relação com falta de vontade ou desleixo.
- Obesidade ainda não tem cura, mas tem tratamento.
5 frases para não dizer
1) "Você precisa emagrecer"
Dependendo do contexto, é uma fala que expressa cuidado, mas pode gerar gatilhos. Bianca viveu outro estigma quando iniciou na academia.
"Ele [o profissional de educação física] marcou na ficha que meu objetivo era emagrecer sem ao menos me perguntar. Isso me deixou envergonhada e triste, já que meu objetivo não era somente esse", diz.
Sem consentimento, não sugira emagrecimento de forma alguma, porque não sabemos o que a pessoa está fazendo. Vai que ela já está em tratamento há seis meses? Pabyle Flauzino, nutricionista
No processo de emagrecimento, o peso corporal não é o único parâmetro. Mais do que o número na balança ou a aparência física, importa olhar para a qualidade dos resultados: sono melhor, mais disposição ao longo do dia, caminhar por mais tempo, inserir mais uma fruta na alimentação.
O IMC (índice de massa corporal) considerado normal não precisa ser a meta. Em alguns casos, nem seria viável. Estudos indicam que uma perda de 3% a 5% do peso já é clinicamente significativa para reduzir riscos cardiovasculares.
Por isso, o movimento de aceitação corporal joga luz na recuperação da autoestima. "É tentar retirar a imagem corporal de um corpo magro e começar a pensar que o corpo possível, talvez, seja um corpo gordo", diz Flauzino.
2) "Você estava tão bem antes"
Comparações não ajudam como estímulo, nem em relação a outras pessoas nem a ela mesma. Como dito, a mudança de peso é multifatorial e seria irreal, de modo geral, comparar a aparência de um corpo aos 20 anos de idade com o mesmo corpo de 40.
3) "Você emagreceu, está tão linda"
Elogiar a perda de peso com foco na beleza pode prejudicar a autoestima e a autoimagem da pessoa. "Autoestima baixa é fator de risco para ansiedade, depressão e outros transtornos mentais", diz Flauzino.
4) "Você pode tentar [dica não solicitada] para emagrecer"
Sugerir alternativas é ignorar que a pessoa já pode estar em tratamento ou ter tentado mais de uma opção. Além disso, o emagrecimento pode não ser o foco da pessoa no momento devido a outras questões da vida.
5) "Você precisa se exercitar"
O peso como motivação para emagrecer com exercícios físicos é uma estratégia ruim, porque impacta na aderência a longo prazo e no prazer de fazer a atividade.
"O exercício é comportamento opcional, a pessoa faz se quiser. O #tápago mostra o exercício como uma dívida, algo que a pessoa não quer fazer, mas se sente na obrigação", comenta Dominski.
Pesquisador do Laboratório de Psicologia do Esporte e do Exercício, ele encontrou na literatura científica que o prazer é determinante para que uma pessoa comece e se mantenha no exercício físico.
O prazer não será sentido sempre nem em todos as atividades, mas segundo o viés psicológico chamado regra pico-fim, uma experiência é mais lembrada no seu ponto máximo e ao final dela. "Seria interessante ser mais prazeroso nesses momentos", ele diz.
O professor também aponta que a maioria das pessoas vai ter mais prazer em sessões moderadas de atividade, então frases como "no pain, no gain" (sem dor, sem ganho) ou "morri, mas passo bem" jogam contra o incentivo à prática.
Outros motivadores ruins são:
- Sentir obrigação ou pressão para se exercitar
- Não ter autonomia de escolha da prática física
- Ter apenas recompensas externas
Como ajudar efetivamente
A psicóloga Juliana Santos Lemos diz que o mais importante é focar na qualidade de vida, não no emagrecimento. Também, entender as possíveis limitações da pessoa com obesidade, como saúde mental e condição física.
Quem se compromete a ser rede de apoio tem de estar preparado para oferecer ajuda somente quando solicitada. Além disso, ao longo do tratamento, algumas atitudes são positivas:
- Evitar alimentos hiperpalatáveis, ricos em sal, açúcar e gordura --e não há necessidade de falar que ela "não pode comer".
- Instaurar esperança.
- Validar e comemorar os esforços e conquistas, sem focar no peso ou na beleza.
- Promover oportunidades para práticas saudáveis, como convidar para uma caminhada.
- Oferecer escuta e acolhimento, sem julgamentos.
- Use da persuasão, que é diferente de promover uma pressão negativa.
Um estudo investigou se as percepções de jovens adultos sobre as atitudes de seus parceiros românticos estavam relacionadas aos seus motivos para se exercitar. Os pesquisadores analisaram estratégias de pressão e persuasão.
Estratégias de persuasão:
- Dar lembretes
- Criar situações que promovam saúde
- Fazer atividades juntos
Estratégias de pressão:
- Perturbar a pessoa, ser insistente
- Criticar
- Forçar mudanças de saúde
Os resultados indicaram que a persuasão foi associada à maior frequência de exercício e gasto de energia. As pessoas se sentiram mais felizes e apoiadas também. Já a pressão foi relacionada a menos exercícios e alto estresse no relacionamento.
Estratégias negativas podem desencadear comportamentos reativos, como ignorar o conselho ou esconder atividades não saudáveis, provocando justamente o efeito contrário da intenção.
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