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Rico Vasconcelos

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Dia e o Mês do Orgulho LGBT também devem ser de luta por acesso à saúde

Getty Images/iStockphoto
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Colunista de VivaBem

30/06/2023 04h00

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No dia 28 de junho de 1969, um pequeno grupo de gays, lésbicas e mulheres trans frequentadores de um bar chamado Stonewall Inn, na cidade de Nova York, nos Estados Unidos, decidiu enfrentar de forma violenta a polícia e as leis vigentes na época, que puniam indivíduos com sexualidades diversas, para interromper uma sequência de décadas de marginalização.

Nos dias e semanas seguintes, o grupo e a briga cresceram, dando origem ao que se reconhece hoje como o movimento de luta pelos direitos das pessoas LGBT+. O dia da Rebelião de Stonewall se tornou, em todo o mundo, o dia em que se celebra o Orgulho LGBT+. Posteriormente, todo o mês de junho se transformou no Mês do Orgulho.

Além de toda a festa e celebração que já se tornaram tradicionais desse mês, o momento é também de reflexão sobre aquilo que ainda existe de pendência para se garantir a cidadania plena desses indivíduos e que, por isso, deve estar na pauta das reivindicações.

Além de temas como o direito a emprego, respeito, segurança, educação e representatividade na esfera pública, todos eles elementos com frequência privados de pessoas LGBTs simplesmente por serem homo, bi ou transexuais, o acesso à saúde também costuma estar entre as demandas do movimento ao redor do mundo.

Homo e transfobia atuam como barreira de acesso à saúde de forma tão potente que são inúmeras e evidentes as disparidades dos agravos de saúde entre LGBTs quando comparados com a população geral.

Segundo Pisci Bruja (@piscibruja), transpóloga [uma antropolóloga travesti que estuda as corporeidades e tecnologias transvestigêneres] e educadora na FMUSP e no Instituto de Infectologia Emílio Ribas, "a epidemia de Aids serve como uma lente capaz de ampliar e sofisticar a análise em relação à forma como a sociedade funciona, colocando em evidência as violências estruturais e institucionais que impedem o acesso ao cuidado para uma parcela da população."

E assim como o HIV, são mais altas as prevalências de tabagismo, depressão, suicídio, transtornos alimentares, abuso de álcool e outras substâncias psicoativas nesses grupos.

Sabendo que o número de pessoas LGBT+ vítimas desses desfechos negativos de saúde é até maior do que o de violência por homo e transfobia, tão importante quanto lutarmos por um país em que essas pessoas possam viver sem medo de serem agredidas é brigar pelo acesso à saúde integral, de qualidade e levando em conta as especificidades que esses contextos de vida demandam.

Um bom exemplo de ação de saúde pública alinhada com esses princípios foi o início da recomendação, no mês do Orgulho de 2018, da vacinação para hepatite A para homens gays e mulheres trans praticantes de sexo anal e oro-anal em São Paulo.

Essa foi uma das respostas do poder público ao surto da doença por transmissão sexual que acometeu essas populações entre 2016 e 2018, chegando a provocar mortes de adultos jovens por hepatite fulminante.

Essa foi a primeira vez na história do Brasil em que a sexualidade de uma pessoa foi levada em conta na indicação de uma imunização. Com a medida, um pequeno número de doses do imunizante foi usado de maneira estratégica, controlando rapidamente o surto.

Passados alguns anos, infelizmente as doses da vacina de hepatite A deixaram de ser repostas e desde 2022 o estoque se esgotou em São Paulo, levando à interrupção da vacinação. Agora no mês do orgulho de 2023, ao invés de se reestabelecer o estoque de doses, medida esperada para se evitar o ressurgimento do surto de hepatite A, foi anunciada a inesperada suspensão da vacinação para LGBTs.

Se nada for feito, dentro de alguns anos os casos de hepatite A, assim como os de HIV, estarão de novo em ascensão entre os gays e trans.

A Rebelião de Stonewall nos ensinou que os direitos não caem do céu. Não são obtidos ou mantidos sem que antes haja organização, mobilização e embate. O direito à saúde integral deve estar entre as maiores prioridades da pauta LGBT durante o mês de junho e em todo o resto do ano.

O acesso à vacinação para hepatite A e mpox, à PrEP, testagem e tratamento de HIV/ISTs e a um atendimento não discriminatório são apenas o primeiro passo para que pessoas LGBTs possam existir.

E somente vivos poderemos lutar por cidadania.