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Lei de Incentivo aprova R$ 13 mi a clube presidido por advogado de Michelle

Daniel Bialski, presidente da Hebraica - Divulgação
Daniel Bialski, presidente da Hebraica Imagem: Divulgação

02/10/2020 04h02

Advogado da primeira-dama Michelle Bolsonaro em diversos processos, Daniel Bialski conseguiu que o clube do qual é presidente, a Hebraica paulistana, capte R$ 11 milhões em recursos públicos incentivados para construir um campo de futebol para seus associados. Além disso, o clube teve aprovados mais dois projetos na Lei de Incentivo ao Esporte que somam cerca de R$ 2 milhões. No fim de semana passado, o clube da comunidade judaica de São Paulo causou polêmica ao postar vídeos de Michelle e do marido, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), sobre o Dia do Perdão. Governo e clube negam que haja conflito de interesses e defendem a legalidade do processo (veja notas no fim do texto).

A ligação entre Bialski e Michelle voltou à tona quando o blog da Thaís Oyama, do UOL, lembrou que o advogado já defendeu traficantes e policiais condenados por corrupção. Ele representa Michelle na investigação solicitada pela primeira-dama junto à Polícia Civil de São Paulo por mensagens de caráter pessoal postadas contra ela nas redes sociais. A contratação do criminalista foi citada em março pela colunista da Folha Mônica Bergamo.

Bialski é presidente da Hebraica, clube localizado no bairro de Pinheiros, em São Paulo, desde 2017. Durante sua gestão, os primeiros projetos esportivos aprovados pelo governo federal para o clube aconteceram após a divulgação de que ele trabalhava para a primeira-dama. Recentemente, em 12 de agosto, a Comissão Técnica da Lei de Incentivo ao Esporte (LIE) aprovou que a Hebraica capte R$ 11,3 milhões no projeto "Campo de Futebol Hebraica". O clube havia pedido R$ 21 milhões, mas o restante foi glosado pela área técnica.

O projeto teve como relator Diego Ferreira Tonietti, chefe de gabinete e braço-direito do secretário Especial do Esporte, Marcelo Magalhães. Marcelo é uma indicação do senador Flávio Bolsonaro (PRB-RJ), de quem foi padrinho de casamento.

Campinho de futebol da Hebraica-SP - Divulgação/Soccer Grass - Divulgação/Soccer Grass
Como é o campo de futebol da Hebraica atualmente
Imagem: Divulgação/Soccer Grass

Dinheiro incentivado

O valor de R$ 11,3 milhões é muito superior à média dos projetos apresentados à LIE. Na mesma deliberação de 28 de agosto publicada no Diário Oficial da União, por exemplo, aparecem aprovados outros 29 projetos. Desses, o de maior valor solicitou R$ 3,3 milhões. O Olhar Olímpico apurou que o projeto apresentado pela Hebraica é para construir um campo de futebol dentro das dependências do clube, localizado às margens da Marginal Pinheiros. Pelo projeto, o campo seria utilizado nas escolinhas de futebol da Hebraica (que não disputa competições oficiais da Federação Paulista de Futebol) e receberia eventos e festivais participativos.

O projeto é apresentado dentro do escopo de "desporto de participação". Isso é, para uso social e recreativo, sem previsão de formação de atletas ou uso no esporte de rendimento. Hoje, a Hebraica tem apenas um campo de futebol society e a comunidade judaica paulistana costuma se reunir para jogar futebol no Macabi, na zona norte.

Ao aprovar a captação nesta primeira etapa, a Comissão Técnica não fez análise de mérito, apenas da documentação apresentada pela Hebraica. Por se tratar de uma obra, não há teto para o projeto, mas o valor alto não é necessariamente bom, já que a aprovação da execução (e a análise do mérito) só acontece depois de o proponente arrecadar metade do montante solicitado. Neste caso, R$ 5,6 milhões.

Como comparação, o São Paulo captou cerca de R$ 14 milhões (R$ 17,2 milhões atualizados) para construir seu centro de treinamento para as categorias de base em Cotia. Em 2015, o Corinthians fez a captação de R$ 3 milhões (R$ 3,8 milhões atualizados) para a construção do seu CT no Parque Ecológico. O levantamento foi publicado no final do ano passado na Folha. Já o Vasco busca arrecadar R$ 7,4 milhões em doações para colocar em funcionamento um CT no Rio com dois campos e alojamento. A Hebraica alega que o seu projeto tem esse custo pelas peculiaridades do solo.

Sede do clube Hebraica - Divulgação/Soccer Grass - Divulgação/Soccer Grass
Imagem: Divulgação/Soccer Grass

Mais dinheiro público

O Olhar Olímpico não encontrou outros projetos apresentados pela Hebraica antes de 2020. Depois que a notícia que Bialski era advogado da primeira-dama foi publicada, foram três projetos aprovados. Além do campo de futebol, o clube conseguiu outras duas aprovações, que somam mais R$ 2 milhões. Um projeto, denominado "Geração e Capacitação de Tênis", teve aprovado R$ 1,027 milhão. Outro, "Geração e Capacitação de Judô", pode captar de até R$ 999 mil. O blog não conseguiu apurar se já houve captação — o sistema de transparência, hospedado no site do antigo Ministério do Esporte, estava fora do ar.

Antes das autorizações de captação, Bialski fez diversas defesas públicas do presidente Jair Bolsonaro, além do escopo conhecido do seu trabalho para Michelle. Em artigo para o Estadão em maio, sobre o vídeo da reunião ministerial prévia à demissão do ministro Sérgio Moro, defendeu a verborragia do presidente. "Bolsonaro foi eleito porque possui outras qualidades que superam, em muito, essas características que não agradam a todos. A principal delas é a sinceridade". Em junho, em entrevista ao Estadão, criticou a prisão de Fabrício Queiroz. 'Parece-me que o objetivo da prisão é simplesmente atacar a família do presidente da República", afirmou.

No programa equivalente na Secretaria de Cultura, a Lei Rouanet, a Hebraica é assídua. O clube utiliza desde 2010 o programa, bastante criticado pela base de apoio ao presidente Jair Bolsonaro. Em 10 anos, foram submetidos 12 projetos, sendo apenas um deles, ainda em 2018, na gestão Bialski. O projeto era para a edição 2019 do festival de dança Carmel, de relevância internacional, mas o grosso da captação de R$ 991 mil ocorreu no final do ano passado.

O maior doador foi o Banco Daycoval, que doou R$ 491 mil. Na seguida aparecem a Turmalina Gestão e Administração de Recursos (R$ 230 mil), a Majorca Participações (R$ 100 mil) e a José Seripieri Filho (R$ 100 mil). Seripieri foi preso em julho no âmbito da Lava Jato de São Paulo, na investigação a respeito do senador José Serra (PSDB-SP).

Desde a contratação de Bialski pela primeira-dama, a Hebraica recebeu recursos públicos federais pelo menos mais uma vez. No dia 7 de agosto, o clube assinou convênio com o Comitê Brasileiro de Clubes (CBC) para receber R$ 729 mil pelo edital de contratação de equipe técnica para formação de atletas. A verba é originária da Lei Agnelo/Piva, das Loterias. A Hebraica não era beneficiada até o ano passado, quando recebeu R$ 1,2 milhão para modernizar seu parque esportivo. Os critérios de distribuição são definidos pelo CBC, que presta contas à Secretaria de Esporte.

O CBC aguarda que, nos próximos dias, Bolsonaro sancione o PL 2.824/2020, projeto aprovado na Câmara na semana passada. Nascido como projeto de socorro ao esporte na pandemia, o PL ganhou no Senado um mecanismo que é de grande interesse do CBC. O comitê atualmente só descentraliza recursos públicos para clubes que lhe paguem R$ 4 mil de mensalidade em dinheiro privado. Por isso, os clubes paraolímpicos, bem mais humildes, não têm conseguido acessar o dinheiro das Loterias.

Por sugestão do próprio CBC, foi criado um outro comitê de clubes, esse só paraolímpico, para descentralizar o recurso desse grupo. O texto aprovado pelo Congresso autoriza o repasse a esse comitê, o CBCP. Isso, na prática, dá ao CBC autorização para continuar repassando recursos públicos só para os clubes que têm caixa suficiente para pagarem R$ 4 mil de mensalidade.

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Outro lado

O que diz o Ministério da Cidadania:

O projeto apresentado pelo Clube Hebraica à Lei de Incentivo ao Esporte (LIE) cumpre as determinações previstas na Lei nº 11.438/06, tendo sido analisado e aprovado para captação na 140ª Reunião Ordinária da Comissão Técnica da LIE, seguindo rigorosamente a ordem cronológica de apresentação de projetos. Trata-se da proposta 2000181, que tem por objeto a construção de um campo de futebol.

Cabe esclarecer que, de acordo com a legislação em vigor, não há qualquer conflito de interesse, visto que o presidente do clube não é servidor público do Ministério da Cidadania e foi legalmente eleito para presidir a instituição. As declarações constantes na documentação obrigatória foram assinadas pelo presidente do Clube Hebraica, conforme as determinações legais.

O que diz a Hebraica:

Conforme é de conhecimento público, a Lei n. 11.438/06, ou Lei de Incentivo ao Esporte, como é mais conhecida, permite que recursos provenientes de renúncia fiscal sejam aplicados em projetos das diversas manifestações desportivas e paradesportivas distribuídos por todo o território nacional não sendo por motivo outro que inúmeros clubes brasileiros valham-se desta via licita e absolutamente legal como forma de captação de recursos para a implementação dos seus objetivos sociais e em prol da sociedade como um todo.

Nesse sentido, importante frisar que os projetos incentivados apresentados ao longo do tempo pela Hebraica tramitaram de forma totalmente regular e de acordo com o regramento legal aplicável a cada um deles, sendo certo, inclusive, que se submeteram à competente análise prévia e técnica de preenchimento dos requisitos de admissibilidade e viabilidade por parte da Secretaria Especial do Esporte.

Cabe ressaltar, também, que não há qualquer vinculação do Dr. Daniel Bialski com os projetos desportivos apresentados pela Hebraica, sendo que, para a elaboração do projeto relacionado com o campo de futebol por si especificamente referido, esclarece-se que, em data de 07 de Março de 2018, houve a contratação do escritório CSMV ADVOGADOS para o necessário assessoramento, inclusive para a sua submissão junto ao antigo Ministério dos Esportes.

Não obstante isso, convém esclarecer que, para a apuração dos custos que compuseram o orçamento técnico apresentado de forma detalhada pela Hebraica para justificar o valor do projeto do campo de futebol, em data de 04 de Abril de 2019 houve a contratação da empresa EFFECT ARQUITETURA E GERENCIAMENTO DE PROJETOS LTDA. Sublinha-se que constou expressamente no contrato celebrado com a EFFECT que caberia à empresa especializada "a elaboração do projeto de edificação para cobertura do ginásio existente com implantação de campo de futebol e demais áreas anexas e de apoio."

Ou seja, o valor estimado do projeto do campo de futebol foi objeto de aferição técnica e alicerçada nas peculiaridades da complexa obra a ser realizada.

A captação de recursos aprovada para a construção do campo de futebol correspondeu a aproximadamente metade do montante estimado pela EFFECT para a consecução da obra, motivo pelo qual, caberá à Hebraica adotar as medidas cabíveis para, se assim desejar, viabilizar a construção do campo de futebol e demais obras em cima do ginásio existente no clube, considerando as peculiaridades do terreno em que foi construído (várzea do Rio Pinheiros).

Todas os documentos anexados ao projeto incentivado encontram-se disponíveis para consulta junto ao órgão competente (Secretaria Especial do Esporte) e os contratos celebrados pela Hebraica com o escritório de advocacia e com a empresa de arquitetura e engenharia mencionados poderão ser consultados por você (ou quem tiver qualquer interesse), pois não há dúvida de que o Dr. Daniel Bialski, pelo simples fato de advogar para quem quer que seja, não se valeu disso para obter beneficio para a Hebraica, que, por sua vez, possui expertise suficiente para bem delinear seus lícitos projetos em prol de seus associados e da sociedade brasileira como um todo, que de certo usufruirá da obra em questão.