Atleta é suspenso e multado por fiscalizar a confederação
Esta é parte da versão online da newsletter Olhar Olímpico enviada hoje (27). A newsletter completa traz mais detalhes sobre judô, ginástica e outras modalidades. Quer receber antes o pacote completo, com a coluna principal e mais informações, no seu e-mail, na semana que vem? Clique aqui e se inscreva na newsletter. Para conhecer outros boletins exclusivos, assine o UOL.
****
Uma pergunta que eu já fiz e que muitos dos leitores já fizeram: "Por que os atletas não denunciam as falcatruas nas confederações?"
Eis a resposta:
Paulo Henrique Sousa Alves, conhecido no esporte pelo apelido de Pernalonga, foi suspenso por 90 dias pelo STJD do ciclismo e multado em R$ 20 mil exatamente por fazer isso.
Presidente da Comissão de Atletas (logo, principal voz dos ciclistas do país todo), ele foi punido por "ofender a honra" do presidente da Confederação Brasileira de Ciclismo (CBC), José Luiz Vasconcellos.
O que ele fez? Gravou uma conversa com Vasconcellos, em uma van a caminho de uma competição, na qual o presidente diz que "emprestou" a confederação para um empresário fazer eventos com verbas públicas. "Emprestamos o nome da confederação para ele pegar uma puta grana, pegar o dinheiro, e a CBC não ficar com um centavo".
A conversa, de mais de dois minutos, cita o nome do empresário e o evento, que teve caráter privado, mas foi realizado com verba de um município de Minas Gerais em repasse à confederação.
"Emprestar o nome" de uma entidade para alguém receber dinheiro público é, em tese, um crime, que Pernalonga denunciou ao Ministério Público Federal. Como o dinheiro era municipal, o MPF declinou da competência e repassou o caso para avaliação do MP-MG, onde atualmente está a denúncia.
Pernalonga fez o que se espera de um representante de atletas. Fiscalizou a confederação. Foi até a cidade atrás de documentos. Também pediu acesso às prestações de contas da CBC, que informou que ele poderia fazê-lo se fosse da Bahia ao Paraná para vê-los de um dia para outro, o que não conseguiu fazer.
Demonstrou sua tese, de que houve irregularidade, ao gravar Vasconcellos dizendo que "emprestou o nome da confederação". E expôs isso enviando o áudio a alguns jornalistas, incluindo este colunista, mas antes ao Blog do Paulinho, que o publicou em dezembro passado.
Mas aí vem o absurdo. A procuradoria-geral do STJD denunciou Pernalonga por três infrações disciplinares do CBJD:
"Deixar de praticar ato de ofício, por interesse pessoal ou para favorecer ou prejudicar outrem ou praticá-lo, para os mesmos fins, com abuso de poder ou excesso de autoridade",
"Constranger alguém, mediante violência, grave ameaça ou por qualquer outro meio, a não fazer o que a lei permite ou a fazer o que ela não manda"
"Ofender alguém em sua honra, por fato relacionado diretamente ao desporto".
Newsletter
OLHAR APURADO
Uma curadoria diária com as opiniões dos colunistas do UOL sobre os principais assuntos do noticiário.
Quero receberNenhuma faz o menor sentido. Primeiro porque o STJD existe para julgar infrações esportivas, não ética (existe o Conselho de Ética para isso). Segundo porque Pernalonga gravou uma conversa dentro de um carro. Não houve "ofensa à honra", muito menos "por fato diretamente relacionado ao desporto". Não houve questão de disciplina desportiva ali. Pernalonga não compete há mais de dois anos!
O assustador é que a tese foi acolhida por oito de nove auditores do STJD, que suspenderam Pernalonga e ainda aplicaram a ele uma multa de R$ 20 mil, cinco vezes maior do que qualquer outra já aplicada pelo tribunal. Pernalonga foi condenado por "ofender" a honra de Vasconcellos.
Entre os votos contrários a ele estava o do presidente do tribunal, Robson Luiz Vieira, que foi o advogado de Vasconcellos na última eleição. O presidente da comissão de atletas e o presidente do CBC presidem órgãos da confederação, mas a consultoria jurídica da entidade só atuou contra Pernalonga, que teve que pagar um advogado — é urgente que o esporte encontre uma forma de assessorar judicamente atletas.
E tem mais: o julgamento aconteceu a toque de caixa, na semana seguinte à denúncia. Reuniu, em uma quinta-feira comum, em um hotel quatro estrelas do Rio, auditores do país todo que atuam voluntariamente para a justiça desportiva do ciclismo. E o julgamento já foi direto no Pleno, sem passar pela comissão disciplinar.
Isso permitiu que Pernalonga fosse suspenso a tempo de não poder participar da assembleia da CBC, dois dias depois. A passagem, que já estava comprada pela confederação, foi cancelada. Sem ir à assembleia, não pôde apresentar a denúncia que fez ao MP, não pôde solicitar os documentos, não pôde cobrar Vasconcellos.
Também não pôde votar em uma proposta apresentada de última hora: que a comissão de atletas não tenha mais representantes regionais, somente atletas de nível nacional. Pernalonga é um representante regional e não poderá se reeleger.
Sobre os áudios, a CBC disse o seguinte à coluna: "Não há terceirização de atividade ou cessão de CNPJ da CBC com dinheiro público ou privado. Aliás, qualquer contribuição e iniciativa de entidades para nos auxiliar e apoiar em realização de provas são sempre avaliadas e muito bem-vindas." Afirmou também que o áudio é "distorcido e descontextualizado" e que o tema foi objeto de "ampla investigação do MP".
Mas o recado que importa é: "não mexa com a estrutura do poder". Ela é muito (mas muito, muito mesmo, põe muito nisso) mais forte.
Deixe seu comentário
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.