Beatriz Mattiuzzo

Beatriz Mattiuzzo

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Opinião

Plástico é a porta de entrada para "drogas mais pesadas" nos oceanos

Qual o maior problema dos oceanos? Talvez a primeira coisa que tenha passado na sua cabeça seja a crise de poluição plástica. Mas durante a primeira Conferência da Década do Oceano da ONU, que ocorreu de 10 a 12 de abril em Barcelona, pouca gente concordaria com essa afirmação.

O período de 2021 a 2030 foi declarado pelas Nações Unidas como Década da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável, buscando fortalecer ações e políticas para o maior ecossistema do planeta. Mas quais problemas as mais de 1.500 pessoas que estavam na conferência tentavam resolver? Da acidificação do oceano à sobrepesca, da transição energética à prevenção de desastres ambientais, o plástico representa só uma fração de um problema maior de poluição dos mares.

Será então que os pedacinhos coloridos que encontramos em qualquer praia hoje em dia não são um problema tão grande? Pelo contrário, a poluição plástica é nossa chance de, em um curto período de tempo, aproximar pessoas e oceano.

O Tratado Global de Plásticos

A poluição plástica ganha destaque justamente por ser um problema tão visual e tangível, além de ser "resolvível" no nosso tempo. Em poucas décadas, conseguimos colocar tanto plástico no mar que ele agora nos assombra mesmo em viagens para os cantos mais isolados do planeta, incomodando até nos momentos de lazer. Mas esse desconforto é essencial para promover a ação, que vai muito além de reciclar.

Para além de ações de limpeza de rios e praias, que têm importante papel educacional, temos chances reais de mexer em mecanismos que lidam com as fontes dessa poluição.

O Brasil é o quarto maior produtor de plástico do mundo, mas menos de 10% do plástico do mundo e nem 2% do plástico do Brasil é de fato reciclado. Isso porque hoje o processo de reciclagem acaba sendo mais caro do que a matéria-prima virgem, além de os itens não serem produzidos pensando na reciclagem e sim no descarte - um cenário que só vai mudar com políticas públicas.

No âmbito internacional, temos o Tratado Global de Plásticos, uma iniciativa coordenada pelo Pnuma (Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas), que desde 2022 une mais de 170 países para desenvolver um acordo global legalmente vinculante até o fim de 2024 para acabar com a poluição por plásticos a partir da regulação de todo ciclo de vida do produto (da extração da matéria prima até o descarte).

Dois anos para um tratado pode parecer bastante tempo, mas, na verdade, é uma meta bastante ambiciosa. Simplesmente fazer com que 175 nações votem para começar a discussão foi um grande passo - lembrando que estamos falando do mesmo mundo que está em guerra neste momento.

Continua após a publicidade

Foram agendadas cinco sessões de negociação, e a quarta acabou no final de abril, no Canadá. Os países se concentraram em revisar e diminuir o texto resultante da terceira sessão (chamado de rascunho zero do tratado). Houve avanços, mas ainda será necessário muito trabalho para alcançar um tratado que seja realmente eficiente. Por exemplo, questões centrais, como diminuir a produção de plásticos primários e a relação da poluição plástica e saúde humana, ainda estão longe de ser um consenso e são pouco refletidas no texto.

Um dos resultados mais importantes foi a criação de dois grupos de trabalho. Um deles tem o obejtivo de levantar e organizar informações técnicas para auxiliar os negociadores sobre o estabelecimento de critérios para a regulação de produtos químicos utilizados em plásticos (atualmente são usados cerca de 16.000 químicos em plásticos, muitos deles nunca avaliados sobre sua periculosidade). O outro se refere aos meios de implementação do tratado, como mecanismos de financiamento, especialmente necessários para que países em desenvolvimento consigam cumprir as metas estabelecidas. A quinta e última sessão de negociação está marcada para novembro de 2024 em Busan, Coreia do Sul.

Enquanto as negociações internacionais tendem a ser mais longas, temos no cenário nacional o Projeto de Lei (PL) 2524/2022, apelidado de PL Oceano sem Plástico. O projeto prevê soluções para a poluição por plásticos a partir de medidas de economia circular, afetando a indústria e fazendo o trabalho de catadores e cooperativas de reciclagem ser valorizado.

Como qualquer problema complexo, chegar a uma solução é desgastante, desconfortável e demorado para todas as partes. Mas a verdade é que vivemos num mundo com problemas cada vez mais complexos, onde cada vez menos existirão soluções simples.

Entre colegas das ciências do mar, costumamos brincar que "o plástico é a porta de entrada para drogas mais pesadas" quando nos referimos à conservação oceânica. É comum as pessoas chegarem achando que esse é o maior desafio que temos pela frente e irem descobrindo que o buraco é bem mais embaixo.

O segredo, contudo, pode estar justamente em saber aproveitar o incômodo. Por ser tão visual, por nos afetar nos momentos de lazer e por lidar com emoções tão basais como quando vemos um vídeo de um animal preso no lixo, a crise gerada pela poluição plástica é um ótimo exemplo. É encarar esse desconforto gerado para passar pela dor de buscar uma solução em comum, que possa ser um exemplo para chegarmos no planeta que queremos.

Continua após a publicidade

(Colaborou Natalia Grilli, bióloga e doutoranda em Ciências Políticas pela Universidade da Tasmânia, Austrália)

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

Deixe seu comentário

Só para assinantes