'Cocaína do mar' deixa menor cetáceo do mundo à beira da extinção
Todos os anos, uma equipe de pesquisadores passa dias no mar do México procurando pelo mamífero mais raro do mundo: a vaquita (Phocoena sinus), pertencente à família da toninha comum (Phocoena phocoena). Há décadas, a espécie parecida com um golfinho luta contra a extinção - mas, neste ano, os cientistas registraram menos de 10 indivíduos.
Assim como baleias e golfinhos, as vaquitas são cetáceos, mas diferem dos 'parentes' por serem tímidas, evitarem interações com humanos e viverem solitárias e em grupos pequenos. Com no máximo 1,40 metro, são animais belíssimos, com rostos redondos, olhos como de panda e uma boca que parece sempre sorrir.
Mas o rostinho bonito não tem sido suficiente para ajudar na sua conservação, e as vaquitas tem bons motivos para fugir de humanos. A população vive apenas em águas mexicanas, no norte do Golfo da Califórnia, e já foi de mais de 600 indivíduos na década de 90. No esforço de pesquisa de 2024, contudo, apenas 8 animais foram contabilizados, segundo a Porpoise Conservation Society, organização responsável pelo estudo.
A pesca ilegal e acidental vem acabando com a espécie - o esforço de pesca não é direcionado às vaquitas, elas são mortas apenas como um "efeito colateral". O objetivo da pescaria é capturar outro ser aquático, o totoaba (Totoaba macdonaldi), também encontrado apenas no Golfo da Califórnia e ameaçado de extinção. Os totoaba são muito procurados pelas suas bexigas natatórias, ou "maw", uma parte altamente valorizada na China pela sua utilização como iguaria e em cosméticos tradicionais. O quilo dessa iguaria pode chegar a render dezenas de milhares de dólares.
Foi o altamente rentável mercado de totoaba que fez com que redes de emalhe tomassem a região onde vivem as vaquitas, matando-as acidentalmente. Tentativas de regulamentação do mercado na China, assim como a proibição da pesca no México, não frearam a demanda e acabaram por gerar um mercado ilegal fortíssimo. Hoje, a bexiga natatória do totoaba é também conhecida como "cocaína do mar", não só por seu alto preço mas pelo cenário de crime organizado associada a ela, que envolve da máfia chinesa a cartéis mexicanos.
Para tentar salvar a vaquita da extinção, o governo mexicano criou áreas de tolerância zero, onde qualquer tipo de atividade de pesca é proibida. Nos últimos anos, a marinha mexicana até colocou grandes blocos de cimento no mar para impedir que fossem colocadas redes à noite, quando a fiscalização é difícil. A medida parece não ter sido eficiente, uma vez que os números de vaquitas continuam a diminuir. De certa forma, a própria proibição completa da pesca, antes defendida por cientistas, acabou por contribuir para que os pescadores locais, sem fonte de renda, procurem o mercado ilegal.
Enquanto o tempo da vaquita se acaba, alguns grupos de pesquisadores e ambientalistas defendem atuações mais fortes do governo local. Outros entendem que só existirá esperança se for possível derrubar o crime organizado internacional - um desafio muito maior.
* A vaquita pertence à família dos Focenídeos (Phocoenidae), a mesma da toninha-comum (Phocoena phocoena). Conhecido como "porpoise" em inglês, o termo costuma ser traduzido para "toninha" em português. No Brasil, o nome toninha costuma se referir a outra espécie de cetáceos, a Pontoporia blainville. Embora semelhantes aos golfinhos, as vaquitas diferem deles, por serem mais diminutas, não terem focinhos tão pronunciados e possuírem dentes em forma de espátulas.
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