Gustavo Cabral

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Dengue: estranho governo fazer consulta pública para incluir vacina no SUS

Preciso dizer que me soa muito estranho o Ministério da Saúde fazer uma consulta pública para poder (ou não) incorporar uma vacina, seja ela qual for, no SUS (Sistema Único de Saúde), como está acontecendo agora com uma das vacinas contra a dengue —a Qdenga (TAK-003 - Takeda Pharma).

Aprovada pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) em março de 2023, essa vacina é indicada para pessoas de 4 a 60 anos, exceto pessoas imunodeprimidas, com HIV/Aids, pacientes pós-transplantados, gestantes e mulheres que amamentam. Também é importante saber que a Qdenga foi licenciada pela Agência Sanitária Europeia (EMA).

Feitas com o vírus atenuado (enfraquecido), ou seja, "vivo", as vacinas contra a dengue —além da Qdenga temos no Brasil a Dengvaxia (Sanofi Pasteur)— sofrem muito preconceito de parte da população, além de ataques de negacionistas, que tentam desqualificar imunizantes do tipo o tempo todo.

Mas essa tecnologia já se mostrou muito segura e nos ajudou a reduzir significativamente casos de doenças como febre amarela, sarampo, caxumba, rubéola.

No caso da dengue, é preciso entender que, apesar de usar a mesma tecnologia, as vacinas são diferentes e não podemos pegar os resultados de uma vacina para julgar a outra —seria como esperar que todos os carros a gasolina tenham o mesmo desempenho.

Para entender por que estou dizendo isso é preciso conhecer melhor a história da Dengvaxia. Ela é uma vacina tetravalente, ou seja, protege contra os quatro sorotipos de vírus dengue.

Como já falei, a vacina tem um vírus atenuado. Mas não o vírus que circula no "mundo real". Trata-se de um quimera produzido em laboratório, que contém partes dos quatro sorotipos de vírus da dengue, além de genes não estruturais da cepa 17D da vacina contra a febre amarela.

Quimera, para quem não sabe, é um mostro místico que tem partes de animais diferentes: cabeça de leão, corpo de cabra e cauda de serpente.

A Dengvaxia foi licenciada pela Anvisa em 2015. Além do Brasil, está aprovada em países como EUA, União Europeia, México, El Salvador, Costa Rica, Paraguai, Guatemala e Peru.

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No entanto, ela gerou preocupações nas comunidades científica e de saúde e teve restrições de uso devido a um potencial risco: ao ser vacinado, quem nunca teve dengue poderia ter dengue grave se fosse infectado posteriormente pelo vírus. Portanto, no Brasil, União Europeia e EUA, a Dengvaxia foi recomendada apenas para indivíduos de 9 a 45 anos de idade que já tiveram dengue com histórico documentado.

Já a Qdenga é indicada até mesmo para quem nunca foi infectado pela dengue, pois não apresentou risco significativo de dengue hemorrágica em uma futura infecção.

Ela tem como base o vírus da dengue sorotipo 2, que serve como base genética para gerar a vacina quimérica contra os quatro vírus da dengue.

Para aprovar o imunizante, a Agência Europeia de Saúde (EMA) analisou vários ensaios clínicos envolvendo mais de 20.000 indivíduos, que demonstraram a segurança e alta eficácia da vacina contra a doença.

Por isso, soa estranho o Ministério da Saúde fazer uma consulta pública para incorporar ou não a vacina no SUS.

De acordo com o MS, o imunizante Qdenga está em avaliação pela Conitec (Comissão Nacional de Incorporações de Tecnologias no Sistema Único de Saúde. Mas, em reunião realizada na última quarta (06/12), a Conitec recomendou inicialmente a incorporação do imunizante para localidades e públicos prioritários que serão definidos pelo PNI (Programa Nacional de Imunizações).

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Deixar para a sociedade decidir se a vacina contra a dengue deve ou não ser incorporada ao PNI pode soar como insegurança do Ministério da Saúde, assim como parecer que é uma tentativa de fugir de responsabilidades

Por exemplo, a sociedade quer saber se a vacina é segura para disponibilização em massa. É ou não? Os dados mostram que sim!

Mas a sociedade precisa ser informada de que, mesmo depois que uma vacina ou medicamento são levados para a sociedade, eles ainda ficam sob vigilância sanitária. Volto a repetir, isso serve para vacinas e outros imunobiológicos, e deve ser assim, pois a vida sempre pode mostrar surpresas —e precisamos estar preparados para elas.

O governo não deve esperar que a sociedade lhe dê segurança para tomar uma ação tão importante, que salva vidas. Precisa acontecer exatamente o oposto.

O corpo técnico do Ministério da Saúde é que precisa mostrar para a sociedade que sabe o que está fazendo, que tem cientistas de ponta avaliando todos os documentos disponíveis e dados técnicos para garantir à sociedade segurança e eficácia de qualquer vacina ou outro imunobiológico que foi ou será disponibilizado. Principalmente porque vivemos na era das máquinas de FakeNews, em que algum indivíduo ou grupos desqualificados podem gerar informações falsas e disponibilizar para a sociedade de uma forma que gere um caos social.

Por fim, vale citar a negociação do governo para obter a vacina Qdenga, pois a proposta de preço oferecida pelo fabricante é de R$ 170 reais por dose, ou seja, o valor é duas vezes maior do que o das vacinas mais caras incluídas no PNI.

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Dessa forma, é importante afirmar que a ciência nacional pode ser muito maior e que, se houver um projeto a médio e longo prazo, o Brasil pode criar e produzir vacinas e outros imunobiológicos para suprir as nossas necessidades, assim como oferecer diversos imunobiológicos dissolvidos aqui para diversas outras nações.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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