Topo

Ela montou uma holding para tirar meninas e mulheres da extrema pobreza

Amanda Oliveira, Fundadora do Instituto As Valquírias e finalista do Prêmio Inspiradoras na categoria Igualdade e autonomia - Julia Rodrigues/UOL
Amanda Oliveira, Fundadora do Instituto As Valquírias e finalista do Prêmio Inspiradoras na categoria Igualdade e autonomia Imagem: Julia Rodrigues/UOL

Colaboração para Universa

27/07/2022 04h00

A empreendedora social Amanda Oliveira tinha 11 anos quando sua mãe a matriculou nas atividades de uma instituição espírita em São José do Rio Preto, a 490 quilômetros de São Paulo. Lá, conheceu Valquíria, uma jovem de 20 anos que dava aulas de percussão para meninas. As latas improvisadas se transformavam em tambores e Amanda, que é uma das finalistas do Prêmio Inspiradoras na categoria Igualdade e autonomia, encontrou na música a chance de transformar a própria vida. Pouco depois, ela se tornaria monitora no mesmo lugar e começaria seu próprio projeto. Batizado de Instituto Valquírias World, em homenagem à professora, a iniciativa nasceu como uma espécie de escola de percussão.

Um projeto social chegou até mim antes das armas, das drogas e da prostituição. Amanda Oliveira, empreendedora social

Em pouco tempo, cresceu e se tornou muito mais do que isso. Hoje atua em sete frentes, que vão desde a educação até a alimentação saudável (o que inclui a manutenção de uma agrofloresta) e moradia digna. Por ano, o projeto impacta mais de 100 mil pessoas. Só em 2021, o braço voltado para educação atendeu 750 mulheres em situação de pobreza em 27 cursos de qualificação profissional.

Vida transformada

Amanda nasceu em São Paulo. Passou os primeiros anos da infância com os pais e as três irmãs mais velhas na Vila União, favela na zona sul da capital. O barraco da família era de papelão, lona e madeira. Além de sobreviver à extrema pobreza, a garota conseguiu se recuperar de um grave acidente.

Aos três meses de vida, teve o rosto e a mão esquerda gravemente queimados ao cair na água quente que a mãe havia improvisado para fazer uma inalação no bebê que estava com muita tosse. "Não havia dinheiro para médico ou remédios. Meu pai, que me segurava, estava cansado do trabalho, cochilou e eu caí. Ele ficou em estado de choque. Tive três paradas cardíacas e os médicos chegaram a dizer para minha família se preparar para minha morte", conta.

Mas a menina sobreviveu e, aos 6 anos, se mudou com a família para São José do Rio Preto. A situação não melhorou muito, mas a casa era de barro, já não tão improvisada como antes. Logo, a mãe de Amanda percebeu que o Jardim Paraíso, onde moravam, era um bairro marcado por altos índices de aliciamento de crianças para a prostituição infantil e tráfico de drogas. Com medo e sem alternativas, viu no projeto social do centro espírita um local seguro para deixar as crianças enquanto trabalhava. "A professora dizia: 'esse tambor pode te levar a muitos lugares'. Aquilo era um fio de esperança que me deu forças para romper com a situação de pobreza", afirma Amanda.

A professora de percussão que mostrou um novo mundo à garota e inspirou o nome de seu projeto, Valquíria Plaza Bortoloti, 40, lembra de como eram difíceis aqueles tempos:

Recolhíamos latas de óleo e guardávamos como se fosse ouro. Mas nessas latas havia muita expressão. Eu era musicista autodidata, tinha só 20 anos. Também havia passado por muita pobreza e dar aula para a Amanda e as outras meninas me deixou mais confiante. Valquíria Plaza Bortoloti, professora de música que inspirou o projeto

Hoje a moça vive em Barcelona, na Espanha, onde trabalha como percussionista de quatro projetos musicais. "É até difícil explicar a dimensão da gratidão que sinto ao ver Amanda fazendo tudo isso que começou com uma lata. Visito o projeto a cada dois anos e sempre encontro uma conquista maior. As Valquírias estão voando".

Com o apoio da professora, aos 16 anos, Amanda se tornou monitora do espaço. Dividia o tempo entre a escola e as atividades ali. Dois anos depois, reuniu um grupo de 46 meninas. Todos os sábados, dedicava três horas a ensinar música e discutir temas como empatia e resiliência. Nascia assim As Valquírias.

Em 2014, o grupo conseguiu reunir 120 garotas, graças à aprovação de um projeto pela Unesco, que permitiu a compra de novos tambores. A iniciativa de Amanda criou vida própria em 2017 e se tornou uma organização formal.

Olho para as Valquírias como uma distribuidora de oportunidades para meninas, mulheres e seus filhos que estão em situação de extrema pobreza. Trabalho arduamente para que o tema da desigualdade social e de gênero sejam vistos só nos livros de história.

Amanda Oliveira, empreendedora social

Uma holding social

Atualmente, o grupo musical do instituto reúne meninas entre 20 e 22 anos que fazem shows pelo país. Mas o projeto cresceu e se tornou uma "holding", na definição de Amanda, que atua em outras seis frentes. A organização tem o Valquírias Princess, que oferece projetos educacionais e de cuidados com as emoções a 2250 meninas e adolescentes. "A ideia é aproveitar o encantamento das garotas pelas princesas, mas fazendo uma releitura desse papel e fortalecendo-as para que sejam protagonistas de suas histórias", explica Amanda.

Outra frente atua na busca pela melhoria da alimentação. Só no primeiro trimestre deste ano, foram servidas mais de 17 mil refeições para as comunidades atendidas em São José do Rio Preto. Parte dos alimentos é colhida na agrofloresta urbana mantida no próprio instituto. De lá, saíram 325 quilos que foram somados a outra tonelada de alimentos recebida por doação e distribuídos. A holding mantém também o Shopping das Valquírias, um galpão na cidade que recebe doações e vende a preços populares, além de distribuir roupas para quem não pode comprar. De janeiro a março deste ano, foram vendidas 5,8 mil peças de roupas no local e quase 3 mil foram destinadas gratuitamente à comunidade.

Há ainda a parte de educação e digital, que prepara para o mercado de trabalho. São mais de 1200 mulheres atendidas por ano. E no início do próximo ano, dez empreendedoras sociais receberão mentoria e apoio do instituto para desenvolverem seus trabalhos em diferentes regiões do país. "Investir em uma significa impactar 1500 ou 2000 pessoas", acredita Amanda. Por fim, o instituto faz parte da Gerando Falcões - uma rede que reúne ongs focadas em desenvolvimento social - e toca um projeto-piloto chamado Favela 3D, na favela Marte, em São José do Rio Preto. A iniciativa tem como objetivo oferecer capacitação e apoio ao empreendedorismo para os moradores, além da construção de novas casas, melhoria da infraestrutura e regulação das áreas ocupadas. Nos últimos dois anos, o foco foi a geração de renda para os moradores, que já receberam 14 cursos de qualificação profissional. Agora, vão ganhar novas moradias. A expectativa é de que sejam construídas 239 casas até novembro de 2023.

O grande sonho de Amanda agora é ver de pé o Castelo das Valquírias. O espaço, que deve ficar pronto em 2025 na cidade do interior paulista, será um lugar de emancipação social, com cursos que tragam autonomia e educação financeira. "E também de encantamento para que as crianças possam sonhar", diz.

Sobre o Prêmio Inspiradoras

O Prêmio Inspiradoras é uma iniciativa de Universa e do Instituto Avon, que tem como missão descobrir, reconhecer e dar maior visibilidade a mulheres que se destacam na luta para transformar a vida das brasileiras. São 21 finalistas, divididas em sete categorias: Conscientização e acolhimento, Acesso à justiça, Inovação, Informação para a vida, Igualdade e autonomia, Influenciadoras, Representantes Avon.

Para escolher suas favoritas, basta clicar na votação a seguir. Está difícil se decidir? Não tem problema: você pode votar quantas vezes quiser. Também vale fazer campanha, enviando este e os outros conteúdos da premiação para quem você quiser. Para saber mais detalhes sobre a votação, basta consultar o Regulamento.

O Prêmio Inspiradoras é uma iniciativa de Universa e Instituto Avon, que tem como missão descobrir, reconhecer e dar maior visibilidade a mulheres que se destacam na luta para transformar a vida das brasileiras. O foco está nas seguintes causas: enfrentamento às violências contra mulheres e meninas e ao câncer de mama, incentivo ao avanço científico e à promoção da equidade de gênero, do empoderamento econômico e da cidadania feminina.