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'Ser mãe não me faz incapaz', diz criadora de movimento de cientistas

Fernanda Staniscuaski, criadora do movimento Parent in Science e finalista do Prêmio Inspiradoras na categoria Igualdade e autonomia - Julia Rodrigues/UOL
Fernanda Staniscuaski, criadora do movimento Parent in Science e finalista do Prêmio Inspiradoras na categoria Igualdade e autonomia Imagem: Julia Rodrigues/UOL

Colaboração para Universa

27/07/2022 04h00

"Mãe de três filhos, esteve de licença-maternidade em 2013, 2015 e 2018", informa o currículo Lattes de Fernanda Staniscuaski, 41 anos. Plataforma virtual mantida pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), o Lattes é uma vitrine importante para pesquisadores. Na página da bióloga, há os períodos exatos em que se ausentou da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em Porto Alegre, onde leciona e atua como cientista, para o nascimento dos filhos. O espaço para este tipo de informação no site é uma das conquistas do Parent in Science, movimento criado em 2016 por Fernanda, uma das finalistas do Prêmio Inspiradoras na categoria Igualdade e autonomia.

Ser cientista sempre foi o sonho da gaúcha de Erechim. E, desde cedo, seu desempenho escolar e acadêmico mostrou que ele seria possível. Estudiosa, entrou em biologia na UFRGS aos 18 anos. Ao se formar, pulou o mestrado e ingressou direto no doutorado. Isso porque havia se dedicado à iniciação científica desde o primeiro semestre da graduação. Aos 27, já era doutora e imigrou para o Canadá, para fazer pós-doutorado. Em 2010, já de volta ao Brasil, passou em um concurso na UFRGS e tornou-se professora e pesquisadora, estudando plantas e como elas respondem aos estresses ambientais.

A curva de ascensão mudou um pouco em 2013, quando o primeiro filho da pesquisadora nasceu. Na volta da licença-maternidade, sua produtividade caiu. O número de alunos orientados e o de artigos publicados passou a ser sensivelmente menor. Ainda assim, Fernanda conseguiu ganhar editais de financiamento e bolsas para seus alunos da pós-graduação. Dois anos depois, quando teve o segundo bebê, a cientista sentiu as cobranças aumentarem.

Ninguém encara [o período em que a mãe precisa se dedicar também aos filhos pequenos] como uma fase que vai passar. Comecei a me questionar se era mesmo uma cientista. Fernanda Staniscuaski, cientista

Com essa inquietação, ela fez um post numa rede social comentando o quão injusto lhe parecia ter a capacidade como cientista questionada depois de ter se tornado mãe. As respostas foram imediatas. Várias mulheres escreveram contando que viviam a mesma situação. Depois de conversar com algumas, Fernanda criou o Parent in Science.

Ciência e maternidade

Quando nasceu, o movimento contava com apenas seis mães e um pai - hoje são 90 cientistas - apenas três homens - em mais de 50 instituições brasileiras. O primeiro passo do grupo foi buscar evidências de que havia um problema a ser investigado, e não só a percepção individual de algumas pessoas.

Elas, então, lançaram uma pesquisa nacional sobre parentalidade e carreira acadêmica. O questionário recebeu respostas de mais de 2300 mulheres e cerca de 300 homens. Ainda que o número de respondentes homens tenha sido pequeno, foi possível perceber que eles não sofrem impacto com o nascimento dos filhos. Já entre as mães, 81% enfrentam uma diminuição acentuada no número de publicação de artigos quando comparadas com os homens ou mulheres sem filhos. Vale lembrar que, nas universidades, esse é um item considerado importante quando se fala em produtividade acadêmica.

Em busca de mudanças efetivas

Com os dados em mãos, o grupo reunido por Fernanda agiu para garantir o lugar das mães na ciência. Graças ao levantamento, agências de financiamento e universidades brasileiras incluíram uma espécie de "cláusula maternidade". Ao avaliar o currículo para conceder bolsas ou financiamentos, fazer contrações e ou promoções na carreira, leva-se em conta o período que a mulher dedicou ao cuidado dos filhos e, portanto, teve uma redução na produção acadêmica.

"Ampliar o período de análise do currículo faz diferença para quem teve uma licença maternidade. Ou seja, se a mulher teve um filho, por que não avaliar os últimos sete anos de produção dela em vez de cinco?", pergunta Fernanda. Algumas instituições adotaram também um fator de correção em relação à nota de avaliação ou cotas de bolsas para cientistas que tiveram filhos nos últimos anos.

Uma outra conquista foi o espaço na plataforma Lattes para os períodos de licença-maternidade. A necessidade dessa inclusão foi discutida durante o I Simpósio Brasileiro sobre Maternidade e Ciência organizado pelo movimento em 2018. Três anos depois, o CNPq incluiu oficialmente a aba "licenças" na base de currículos, onde é possível informar os afastamentos. "É algo facultativo, mas é um passo para tirar a maternidade da invisibilidade", diz Fernanda.

"A dificuldade de ganhar editais porque a produção de artigos havia diminuído com a maternidade levou Fernanda, uma cientista, a fazer ciência em cima disso. Ela transformou a questão não só numa área de pesquisa, como gerou um movimento que impacta políticas públicas", afirma a física Marcia Barbosa, professora titular da UFRGS e membro da Academia Mundial de Ciências. "O CNPq passou a considerar compensações para o período da licença-maternidade na hora de conceder bolsas. Algumas instituições, como a UFRGS, também estão levando em conta esse período das mulheres no momento das contratações. Fernanda lidera um grupo capaz de mobilizar e atuar a partir de dados e evidências", diz.

Apoio a mulheres nas ciências

O Parent in Sciences realizou um outro levantamento, em 2020, que mostrou a dificuldade de pesquisadoras naquele período. Mais de 14 mil pessoas responderam ao questionário. O movimento fez, então, uma campanha para que essas mães não abandonassem os estudos. Em 45 dias, conseguiu R$ 120 mil. Cerca de 750 mulheres, de vários lugares do país, se inscreveram e 29 foram selecionadas para receber uma bolsa de R$ 700 por mês, entre abril e dezembro de 2021. No ano passado, o Parent in Science venceu o Prêmio Nature para Mulheres na Ciência. Com a verba recebida, o movimento oferecerá outra uma bolsa, de R $650, para oito estudantes de graduação que fazem estágio voluntário em iniciação científica.

Em 2018, Fernanda teve seu terceiro filho. Na UFRGS, continua como professora, coordena o curso de graduação em biologia e deixou as orientações na pós-graduação para se dedicar às pesquisas do Parent in Science. Os próximos passos do movimento são estender as discussões para temas como raça, mães de crianças com deficiência e casais homoafetivos com filhos. "Queremos discutir a parentalidade da maneira mais plural possível. Há muito trabalho pela frente, vários estereótipos a serem quebrados", afirma.

Sobre o Prêmio Inspiradoras

O Prêmio Inspiradoras é uma iniciativa de Universa e do Instituto Avon, que tem como missão descobrir, reconhecer e dar maior visibilidade a mulheres que se destacam na luta para transformar a vida das brasileiras. São 21 finalistas, divididas em sete categorias: Conscientização e acolhimento, Acesso à justiça, Inovação, Informação para a vida, Igualdade e autonomia, Influenciadoras, Representantes Avon.

Para escolher suas favoritas, basta clicar na votação a seguir. Está difícil se decidir? Não tem problema: você pode votar quantas vezes quiser. Também vale fazer campanha, enviando este e os outros conteúdos da premiação para quem você quiser. Para saber mais detalhes sobre a votação, basta consultar o Regulamento.

O Prêmio Inspiradoras é uma iniciativa de Universa e Instituto Avon, que tem como missão descobrir, reconhecer e dar maior visibilidade a mulheres que se destacam na luta para transformar a vida das brasileiras. O foco está nas seguintes causas: enfrentamento às violências contra mulheres e meninas e ao câncer de mama, incentivo ao avanço científico e à promoção da equidade de gênero, do empoderamento econômico e da cidadania feminina.