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Thalita Rebouças: 'Me achava um ET na adolescência, fui a última a namorar'

A escritora e roteirista Thalita Rebouças em seu apartamento, no Rio de Janeiro - Julia Rodrigues/UOL
A escritora e roteirista Thalita Rebouças em seu apartamento, no Rio de Janeiro Imagem: Julia Rodrigues/UOL

Luiza Souto

De Universa, do Rio de Janeiro

23/07/2022 04h00

Ao entrar no apartamento da escritora e roteirista Thalita Rebouças, na zona sul do Rio de Janeiro, logo se vê uma estante cheia de objetos como uma árvore em miniatura cujos frutos são livros seus, uma bonequinha dela no "The Voice Kids", programa do qual é uma das apresentadoras, e até um bordado feito a partir de uma foto tirada para uma capa de jornal: "Tudo de fã que fez para mim. Fico até arrepiada", diz, emocionada.

Uma das escritoras de obras infantojuvenis mais lidas no país, ela já vendeu mais de 2,3 milhões de livros desde o lançamento de "Traição Entre Amigas", em 2001. Muitas de suas obras foram adaptadas para o cinema, como o sucesso "Fala Sério, Mãe", que tem no elenco as atrizes Ingrid Guimarães e Larissa Manoela.

Neste mês, Thalita chega ao seu 26º livro, "Confissões de um Garoto Talentoso, Purpurinado e (Intimamente) Discriminado" (Editora Arqueiro), em que conta a história do jovem Zeca, de 19 anos, que tem um pai homofóbico e cria um programa na internet para entrevistar pessoas enquanto ensina tutoriais de maquiagem. A obra tem prefácio do cantor Lulu Santos.

"Essa geração de agora está muito mais aberta. Não vejo preconceito e piadinha com meninos afeminados. Os vejo aceitando e acolhendo meninos que saem do armário", ela celebra ao fazer um balanço de seu público ao longo da carreira.

Para Thalita, esse é o livro mais denso que já escreveu, por tratar também do tema suicídio. Para isso, contou com apoio do marido, o psicólogo Renato Caminha, com quem se casou em janeiro deste ano.

"É muito lindo achar o amor da sua vida aos 45 do segundo tempo, literalmente. E ele é um cara extremamente meu número. Acho que o amor maduro vem com uma tranquilidade que a gente não tinha antes", derrete-se.

20.jul.2022 - Retrato da escritora Thalita Rebouças - Julia Rodrigues/UOL - Julia Rodrigues/UOL
"Modéstia muito longe, mas nunca me achei tão bonita e plena. E isso é um conjunto de coisas como a terapia e a maturidade", resume Thalita Rebouças
Imagem: Julia Rodrigues/UOL

Vivendo a melhor fase da vida e passando pelo menopausa, Thalita está voltando suas atenções para mulheres de sua geração justamente para mostrar que é real quando alguém de 50 diz estar se sentindo muito melhor do que aos 20.

"Modéstia muito longe, mas nunca me achei tão bonita e plena. E isso é um conjunto de coisas como a terapia e a maturidade. "Envelheçam", como Nelson Rodrigues já falava. Existe uma vida muito melhor, e o sexo só vai melhorar. Os orgasmos são mais profundos, você não é mais uma menina insegura, é dona de si", ela garante.

A seguir, leia os melhores trechos da entrevista.

UNIVERSA: Quais foram as principais mudanças que viu no comportamento dos adolescentes nesses últimos 20 anos?
Thalita Rebouças:
A alma e a essência deles continuam a mesma de quando comecei. Eles são intensos, têm aquela coisa do é tudo ou nada. São as espinhas, os crushes, a insatisfação com o espelho. O adolescente é um eterno insatisfeito e impaciente, mas nos últimos quatro anos a gente teve uma grande mudança. Hoje, o livro "Confissões de Uma Garota Excluída, Mal-Amada e (um pouco) Dramática", lançado em 2016, talvez causasse polêmica porque um dos personagens é gordofóbico. Hoje se fala sobre gorfodofobia, suicídio, homofobia mais abertamente. Vejo os jovens aceitando e acolhendo meninos que saem do armário. Eles têm essa clareza que a minha geração não tinha.

Quais eram as suas angústias na adolescência?
Eu era tímida e odiava falar em público. Fiz teatro com 15 anos para perder a timidez. Eu me via como um ET: cabeçuda, pescoçuda. Outro dia postei uma foto em Trancoso (BA) de quando tinha 17 anos, linda, mas eu me odiava. E com as redes sociais, acredito que isso tenha ampliado. Fiz Direito por dois anos para depois fazer Jornalismo, e faço questão de falar que tudo bem mudar no meio do caminho porque acho sacanagem ter que escolher a profissão com 17 anos. E também tinha angústias com a vida sentimental, fui a última a namorar e a transar.

Thalita Rebouças - Julia Rodrigues/UOL - Julia Rodrigues/UOL
Thalita Rebouças: "Consigo me comunicar com os adolescentes porque não visto a camisa da maternagem, estou ali como parceira, sem julgar ninguém"
Imagem: Julia Rodrigues/UOL

Você escreve sobre bullying, transtorno alimentar, homofobia de uma forma muito leve. O adolescente está mais preparado para falar sobre tudo?
Acho que dói igual. No nosso tempo não tinha a palavra bullying e gordofobia, por exemplo, e hoje as coisas têm nome. Mas os jovens seguem com dificuldade de debater especialmente sobre o bullying, é algo que eles não falam em casa. O adolescente continua com o mesmo medo que a gente tinha. Nada mudou.

Em um trecho do seu mais recente livro, o protagonista Zeca questiona: "Por que a gente quer tanto crescer se, quando finalmente cresce, ninguém mais ensina como agir?". Não deveria ser mais fácil aprender sendo um adulto?
Não sei. Mas sempre achei uma sacanagem quando fiz 18 anos e me vi adulta e ninguém me falou como era pagar boleto, comprar comida. Fui aquela filha única mimada e, de repente, "uou". Estou vendo muito essa galera de 30 anos, com quem quero falar mais, com a angústia em relação ao futuro, por não ter saído da casa dos pais, por não estar onde queria aos 18. Ninguém avisa pra gente o quão difícil é.

Você casou recentemente, aos 47 anos. Como é ter um encontro desses na maturidade?
Estamos junto há dois anos, e é muito lindo achar o amor da sua vida aos 45 do segundo tempo, literalmente. Acho que o amor maduro vem com uma tranquilidade que a gente não tinha antes. É a primeira vez na vida que estou tendo a sorte de viver um amor tranquilo, como cantou Cazuza. Ele também tem livros, também trabalha com adolescente. É um encontro muito mágico. E quando ele falou: "Vamos casar, né?", eu respondi: "Vamos assinar a porra do papel e vambora."

20.jul.2022 - Retrato da escritora Thalita Rebouças - Julia Rodrigues/UOL - Julia Rodrigues/UOL
"É a primeira vez na vida que estou tendo a sorte de viver um amor tranquilo", diz escritora
Imagem: Julia Rodrigues/UOL

Mas você foi casada por 18 anos e se separou aos 40. Como foi esse período solteira?
Ah, conheci muito boy lixo, peguei muito boy chato, mas toda autoestima equivocada que tive na adolescência hoje está bem em dia. Sei o mulherão que sou, e depois de um relacionamento abusivo, sei o que não quero. Isso é quase mais importante do que saber o que se quer. Eu não quero alguém que me controle, que me desrespeite, alguém que grite.

E três meses depois de separada já estava namorando. Dois meses depois fiquei com um cara por quase três anos, até que um dia eu falei: "Agora preciso ficar comigo", porque precisava me amar para me fortalecer. Passei dois anos sozinha. Peguei gente maneira, fiz grandes amigos nesse processo, e de repente peguei o Renato [Caminha] e não larguei mais.

Você saiu bem desse relacionamento abusivo?
Foi a melhor coisa. Quando falei: "Cara, sou tão maneira para chegar aqui". O cara tem que dar muito valor. Isso foi muito importante. Também não tive o menor problema para falar sobre isso, porque foi bem visível para os amigos. A gente vivia brigando, e sou do time que tem que falar tudo, porque quando a gente está num relacionamento abusivo, todo mundo enxerga menos a gente. Mas a terapia me fez entender que não dá para esperar pela gota d'água. Terminei gostando dele, mas foi a melhor coisa. Me senti muito forte. Emagreci seis quilos mas consegui passar por aquilo.

Você já contou que entrou na menopausa durante a pandemia. Como bateu isso para você?
Entrei na pandemia aos 45 anos, faço reposição hormonal e acho importantíssimo saber rir do fogacho que parece que a roupa está pegando fogo, ver essas coisas do corpo, os hormônios. Nunca me achei tão bonita e plena. E isso é um conjunto de coisas como a terapia e a maturidade. "Envelheçam", como Nelson Rodrigues já falava. Existe uma vida muito melhor, e o sexo só vai melhorar. Os orgasmos são mais profundos, você não é mais uma menina insegura, é dona de si, sabe o que gosta e o que quer, não vai fingir porra nenhuma. Eu nunca fui tão feliz, e estou beirando os 50. Estou zero crise.

Retrato da escritora Thalita Rebouças - Julia Rodrigues/UOL - Julia Rodrigues/UOL
A escritora Thalita Rebouças mostra presente recebido de um leitor
Imagem: Julia Rodrigues/UOL

Apesar de ter sido uma escolha muito consciente, o fato de envelhecer te fez repensar sobre a possibilidade da maternidade?
Todo dia tenho muita gratidão a mim mesma por não ter caído no conto do congelar óvulo ou de que seria sozinha na velhice por não ser mãe. Me dá uma preguiça. Estava casada e tinha 29 anos quando decidi não ser mãe porque comecei a observar o dia a dia das amigas que foram. Falei: "Isso não é para mim". Eu sou da noite, e quando as coisas começaram a dar certo imaginei um bebê chorando no meio da noite e não podendo atender porque estaria no meio de um flow, na maior maravilhosidade da vida. Eu não ia ser feliz.

Por quais pessoas foi mais cobrada pela decisão de não ter filhos?
Por todas. A minha vida sempre foi: "Thalita Rebouças, que não tem filho, lança 20º livro". Foi o aposto da minha vida. Por isso amo falar desse assunto. Para as pessoas, escrever para adolescente parece uma condição sine qua non ter filho. Consigo me comunicar com eles porque não visto a camisa da maternagem, porque estou ali como parceira, sem julgar ninguém.