Confissões de Ingrid

Sucesso desde adolescente, Ingrid Guimarães fala sobre canabidiol, ansiedade e a expectativa de chegar aos 50

Patricia Hargreaves Colaboração para Universa Julia Rodrigues/UOL

Sabe onde Ingrid Guimarães gravaria a temporada 2020 de seu programa "Além da Conta"? Na China. Sim, lá mesmo, onde surgiu o coronavírus. Por motivos óbvios, a viagem foi cancelada.

Bem no comecinho da quarentena, quando seu equilíbrio emocional estava por um fio, a atriz recebeu uma ligação do canal GNT sugerindo que transformasse a recém-declarada pandemia em pauta da atração, que ela escreve junto com uma equipe. Bateu um medinho: difícil fazer graça em um momento de sofrimento coletivo. Mas, ainda em maio, o "Além da Conta #Confinados" foi ao ar e deu muito certo.

Tanto que mais dez episódios foram produzidos na sequência, desdobrando o assunto: entender a vida pós-pandemia. O último episódio de "Além da Conta - Novo (A)Normal" vai ao ar nesta quarta (23).

"A gente ganha tantas coisas incríveis com essa profissão. Já ganhei dinheiro, comprei apartamento, fiz grandes sucessos. Na pandemia, muita gente quebrou, separou, perdeu gente. Agora, me sinto retribuindo para a pessoa que está na pandemia, triste..."

De seu novo apartamento na zona sul do Rio de Janeiro, Ingrid conversou com Universa. "Estou tentando dar o mesmo tamanho para a vida pessoal e o trabalho. É uma grande missão para uma pessoa como eu, tá?", diz ela que, aos 48 anos, tem 4,2 milhões de seguidores no Instagram, 2 milhões no Twitter, 1,7 milhão no Tik Tok e 1,2 milhão no Facebook.

Manter esse dínamo criativo rodando cobrou um preço. Há um ano, passou a ter crises de ansiedade. O coração disparava, de repente, sem gatilhos externos.

"Gosto de controlar. E aquilo começou a me dar angústia. Daí minha terapeuta falou: toma o CBD. O CBD é uma coisa muito mais a longo prazo, até porque é feito de uma planta, né?". Além do remédio natural, substância retirada da cannabis sativa (maconha) sem psicoativos, que age sob o sistema nervoso central e tem efeitos terapêuticos, Ingrid começou a malhar e fazer ioga. Deu certo e ela voltou ao eixo. Daí veio a pandemia...

Julia Rodrigues/UOL

Além do riso

Para gravar o programa durante a pandemia, Ingrid contou com uma luxuosa equipe: o marido, o artista plástico René Machado, a irmã Astrid Guimarães e a filha, Clara, 11. Além deles, presente no apartamento que servia de cenário, só o câmera. Remotamente, famosos e anônimos conversaram com ela sobre suas rotinas durante o confinamento.

O sucesso do "Além da Conta" sobre a quarentena e a vida pós-pandemia, ela credita a um fator: a verdade. "Falei de coisas bem sérias. Falei das minhas irritações." De modo leve, divertido, conversou de assuntos delicados.

Flávia Alessandra e Otaviano Costa confessaram que o sexo diminuiu durante o período de isolamento (até porque a filha do casal dormiu um bom tempo com eles, assustada com a covid). Deborah Secco afirmou que não é uma máquina de sexo. Grazi Massafera disse que caiu num buraco quase depressivo quando se deu conta que conquistou tudo que a mãe tinha sonhado para ela.

Durante a conversa com Antonio Fagundes, ela dividiu o medo e a saudade do contato direto com o público: "Fafa [apelido do ator], eu chego a sonhar em estar no palco, numa sala fechada, diante da plateia".

Com a pandemia, Ingrid passou a valorizar os pequenos momentos do cotidiano da casa. "Tenho uma mãe que trabalhou a vida inteira, só que como a gente morava em Goiânia, vinha para casa almoçar todo dia. Coisa que aqui no Rio a gente não conseguia fazer. Agora, na pandemia, vejo como é importante. Almoço e janto todo dia com a minha filha."

Seu gol será equilibrar a balança. "Tenho uma dificuldade de falar não. Existe uma tendência de dizer 'ah, quero fazer isso', 'ah, quero fazer isso', 'ah, quero fazer isso'. Eu acho que a grande maturidade não é só deixar de fazer muita coisa ao mesmo tempo, é falar não. "Não, isso eu não quero". Por mais que seja legal, o tempo é um só."

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Superlegal e natural

A conta desta velocidade toda chegou no ano passado: crises de ansiedade, com o coração batendo acelerado inesperadamente. Ingrid já tinha vivido situações parecidas antes, como quando perdeu o pai, em 1999. Precisou da ajuda temporária de remédios. Mas não queria usá-los. Tinha receio de que afetassem sua memória, em plena temporada de gravação da novela "Bom Sucesso"

"Sou muito controladora. Nunca fui uma pessoa que, na juventude, por exemplo, tomou drogas que me tirassem do meu centro. Perguntei à minha psiquiatra se tinha uma outra opção. Até porque eu estava fazendo novela, decorando muito texto, lançando filme. Eu precisava ficar muito atenta. Ela começou a me falar sobre o CBD [canabidiol]", diz a atriz.

"Ela tinha feito mestrado neste assunto. E eu comecei a me inteirar. Comecei a ver que era algo superlegal, natural e que tinha várias outras vantagens, como foco, memória, que é algo que me ajudou muito. Fora isso, eu voltei para a ioga, comecei a fazer exercício físico."

A terapia, os exercícios físicos e a ioga seguem na pandemia. Quando não podia sair de casa para as aulas com seu professor de ginástica, Chico Salgado, malhava online. E subia e descia os nove andares de seu prédio de escada.

"Eu moro perto da praia. Mas, durante a pandemia, mesmo quando flexibilizou, eu não quis ir até lá. A gente fica falando 'fica em casa, fica em casa, fica em casa'. Não dá para a gente não dar o exemplo. De uma certa maneira, a gente tem o ônus e o bônus de ser atriz. Esse é o ônus."

O canabidiol tinha várias vantagens, como foco, memória, que é algo que me ajudou muito

Ingrid Guimarães, atriz

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Uma Beatle

Na infância, em Goiânia, Ingrid Guimarães era chamada de Ximbiquinha. O apelido, dado pelo pai, era uma referência a um modelo da Ford, dos anos 30, conhecido por ser lento. Ingrid também seria meio lentinha. Quando ela tinha 13 anos, os Guimarães deixaram Goiânia pelo Rio de Janeiro. Um dos motivos da mudança foi dar a Ingrid a oportunidade de estudar teatro.

E foi no teatro que começou a fazer sucesso com a peça "Confissões de Adolescente", uma febre teen dos anos 1990. Em tempos pré-internet, as meninas viraram um fenômeno, que cruzou o Brasil antes de a obra ser adaptada para a televisão. "A gente saía dos hotéis de madrugada, para não dar confusão. Uma vez tivemos que ser escoltadas por bombeiros, para sairmos de um shopping. Chamavam a gente de Beatles", lembra.

A participação de Ingrid na turnê só encerrou quando ela tinha 23 anos. "Só parei porque eu estava velha para o papel de uma adolescente." No ano seguinte, com o dinheiro que juntou, comprou o primeiro apartamento, pequenininho, no Leblon, que serviu de cenário para o "Além da Conta #Confinados": "Não consigo vender. Ele representa muita coisa para mim", diz.

As maratonas da quarentena de Ingrid

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"Fleabag"

"Inteligente, sarcástico" Amazon Prime Video

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"The Morning Show"

"Raiva de não ter tido esta ideia" Apple TV Plus

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"Tiger King"

"Documentário mais freak e viciante." Netflix

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"Nada Ortodoxa"

"Comovente. Bem dirigido. E a atriz é gênia." Netflix

"Chamou, chamou"

Com o tempo, logo viria outro sucesso nos palcos, com "Cócegas", parceria com a amiga Heloísa Périssé. Na televisão, no entanto, o ritmo da carreira de Ingrid corria bem diferente. Seus papéis ainda eram menores e quase sempre caricatos.

Empregadas e secretárias nas novelas. Nos programas de humor, como "Zorra Total", tinha que interpretar feias ou gostosas e ainda por cima aturar as piadinhas machistas do texto. Ingrid assistia à série americana "Sex and the City" e pensava:

"Por que comediante tem que ser sempre um estereótipo? Eu quero ser uma mulher que faça comédia e ao mesmo tempo seja bonita, fale de relacionamentos, seja a protagonista que beija o mocinho bonito, sabe?", diz.

"Quando vi 'Sex and the City', falei: 'É isso que eu quero fazer. Quero ser essas mulheres, que são referência também de moda, também de beleza, mulheres inteligentes'. A gente caía muito no estereótipo do 'Chamou, chamou' [bordão de personagem bonita e burra da 'Escolinha do Professor Raimundo'], na gostosa burra. Eu já estava por aqui com essas gavetas."

A gota d'água veio quando foi convidada para participar de um programa de Renato Aragão. Danielle Winits interpretaria uma bonita e Ingrid, a feia. Basta! Não topou.

Quero ser uma mulher que faça comédia e ao mesmo tempo seja a protagonista que beija o mocinho bonito

Ingrid Guimarães, atriz

Julia Rodrigues/UOL Julia Rodrigues/UOL

Protagonismo feminino

Ingrid conquistaria esse lugar na TV, longe dos estereótipos, com "Sob Nova Direção", também com Heloísa Périssé, que ficou quatro anos no ar.

"Mas, quando comecei a minha carreira, a televisão e o cinema eram muito fechados para um tipo físico diferente. Era uma época em que as novelas eram muito importantes. Não existia o mundo diverso de hoje: com internet, tevê a cabo, Instagram, YouTube... Temos muitas opções. Na minha época, publicidade, era para as estrelas da novela das oito. Era banheira de espuma, Lux Luxo. Não tinha esse olhar..."

Se a televisão demorou a descobrir Ingrid, o cinema, então, dormiu no ponto por muito tempo. Atuou em alguns filmes, mas o fenômeno das bilheterias milionárias só foi rolar em 2010, com o lançamento de "De Pernas pro Ar", seu primeiro longa como protagonista.

A história da executiva casada e mãe, que perde o emprego e é dispensada pelo marido no mesmo dia e se transforma em dona de uma rede de sex shops virou saga. A trilogia acumula a marca de dez milhões de ingressos vendidos. E do jeitinho que ela sonhava: feminista.

"Eu, no humor, me sinto fazendo parte desta luta, de ganhar um espaço, ganhar um protagonismo, de ter voz, de escrever, de falar sobre a mulher na dramaturgia, não só a mulher ser a namorada do homem ou, no meu caso, a amiga engraçada, a pirainha, a doidinha ou a empregada."

Julia Rodrigues/UOL Julia Rodrigues/UOL

Sexo, vibrador e pandemia

Derrubar estereótipos é um esporte em que Ingrid é craque. Com "De Pernas Pro Ar", ela colocou em pauta o autoconhecimento do corpo, o sexo virtual e o uso de vibradores. "Não dê joias, dê um desses", recomendou ela aos homens, em uma entrevista.

A comediante também já se enfiou numa saia justa ao recomendar o acessório a um grupo do WhatsApp: enviou um link com um anúncio de um novo apetrecho erótico, por engano, para o grupo de mães da escola de Clara. Pediu desculpas, apagou, mas uma das integrantes pediu que ela lhe encaminhasse a dica. A história foi contada no programa de Fábio Porchat.

Ingrid diz que não se trata mesmo de conversa do tipo "faça o que digo, não faça o que faço". E já declarou que usa acessórios sexuais com o marido. "Manter a chama acesa é uma luta diária. Começamos a usar brinquedos eróticos depois do filme."

Durante a pandemia, diz que o vibrador é tão importante para aliviar o estresse quanto o álcool gel para espantar o vírus. Um vídeo tirando sarro dos solteiros durante a quarentena viralizou. "Você que vivia na balada, no Tinder, enquanto a gente estava em casa colocando filho para dormir, como vai? Estamos aqui, dormindo de conchinha, colocando pé com pé, o jogo virou..."

Julia Rodrigues/UOL Julia Rodrigues/UOL

A mulher de 50

Ingrid está vivendo uma contagem regressiva que só termina em 5 de julho de 2022, quando completará 50 anos. E tem feito um árduo processo diário de repetir para si mesma que completar meio século de vida não é o fim. "Porque é isso que as revistas, as estatísticas e alguns homens falam para você. Um dia eu estava entrevistando um cara e ele falou: 'A mulher era uma senhora, tinha tipo 50 anos'."

A preocupação com o passar do tempo não é recente e já deu cria: a série documental "Viver do Riso", em que Ingrid entrevistava personalidades do humor. "Comecei a pensar: como é que eu vou envelhecer? Como os comediantes envelhecem? Comecei a ver que a vida era muito dura para o comediante. Comédia tem a ver com frescor, com agilidade. Se você não se atualiza, você perde a graça."

Adepta da terapia há 24 anos —20 com a mesma profissional—, Ingrid reflete com clareza sobre o assunto. "Tem um monte de mulher mais velha com menino mais novo. Mas os homens da minha geração, de 50 anos, são machistas. Homens dessa idade que se separam estão com mulheres de 30."

A nova cruzada de Ingrid é derrubar mais esse estereótipo. "Sou muito melhor hoje, fisicamente, de cabeça e me sinto muito mais bonita do que eu era há 20 anos. Não tem motivo [para se incomodar com a idade]. O motivo é o machismo estrutural. No Brasil, existe um estereótipo em cima da mulher de 50. E eu estou tentando lutar contra ele. Ninguém vai me dizer que não vou poder usar saia curta quando eu fizer 50 anos."

No Brasil, existe um estereótipo em cima da mulher de 50. E eu estou tentando lutar contra ele

Ingrid Guimarães, atriz

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