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Poeta empodera mulheres negras em livros, discos e saraus

Mel Duarte é finalista do Prêmio Inspiradoras na categoria Esporte e Cultura - Júlia Rodrigues/UOL
Mel Duarte é finalista do Prêmio Inspiradoras na categoria Esporte e Cultura Imagem: Júlia Rodrigues/UOL

Simone Costa

colaboração para Universa

22/10/2021 04h00

Mel Duarte é poeta e, como tal, sabe exatamente qual o poder das palavras. "Eu não escrevo para incendiar casas/mas pra ascender faíscas aos olhos de quem lê", diz "Minha condição", um dos poemas da paulistana.

As fagulhas que ela incita vêm carregadas de mensagens específicas. Falam principalmente de desigualdade racial e de gênero.

Eu não escrevo pra incendiar casas
mas pra ascender faíscas aos olhos de quem me lê
não escrevo pra matar a fome de multidões
mas espero que minhas palavras preencham um vazio que te ajude a se manter de pé
não escrevo pra governar um povo
eu ouço o que ele diz e utilizo minha voz para propagar sua mensagem
não escrevo pra obter a sua aprovação
mas pra registrar minha trajetória e de tantas mulheres negras que já foram silenciadas

Trecho de "Minha condição", poema de Mel Duarte

Finalista do Prêmio Inspiradoras na categoria Esporte e Cultura, Mel se tornou conhecida depois de participar da Festa Literária Internacional de Paraty, em 2016. Desde então, seus livros (são cinco títulos no total) já venderam mais de 10 mil cópias. E o disco "Mormaço - Entre outras formas de calor", que lançou em 2019, já foi executado pelo menos 150 mil vezes nas plataformas de streaming.

A gravação contém poesia faladas, que, na prática, são a mesma coisa que "recitadas", com acompanhamento musical. A desenvoltura com que narra seus textos no disco vem muito de sua experiência em saraus e no slam.

Tratam-se de competições de poesia falada, em que cada poeta tem apenas três minutos para apresentar um texto autoral, sem acompanhamento musical ou objetos cênicos. A cada apresentação, o público vota e, ao final de tudo, são escolhidos os vencedores.

O slam é uma ágora onde as pessoas podem experimentar o exercício do livre pensamento e serem ouvidas, independentemente de crença, orientação sexual, de gênero ou ainda política.
Roberta Estrela D'Alva, artista que trouxe o slam para o Brasil

A modalidade chegou ao Brasil em 2008, trazida dos Estados Unidos pela poeta, atriz, diretora e apresentadora Roberta Estrela D'Alva. Aqui ganhou não só os saraus em ambientes fechados, mas as ruas. Os eventos têm, quase sempre, caráter político e atraem centenas de pessoas, sobretudo jovens.

"O slam me desafiou a repensar como me apresentar no palco e como construir meu texto", afirma Mel. Em 2016, ela se tornou a primeira mulher a vencer o Rio Poetry Slam, campeonato internacional, numa disputa com slammers de outros 15 países.

Coisa de mina

Embora tenha chegado no Brasil graças a uma mulher, o slam é mais um espaço onde as mulheres precisam lutar para conseguir marcar presença. Para enfrentar um cenário dominado por homens, Mel se juntou a outras mulheres slammers para fundar o Slam das Minas, em São Paulo. Até então, existia apenas um outro grupo só de mulheres, que ficava em Brasília.

"Sentíamos um incômodo de ver somente os homens ganhando as competições, que são mistas. Eles ganhavam não porque tinham os melhores textos, mas porque estavam acostumados a ocupar aquele lugar", afirma.

O Slam das Minas ganhou projeção e já chegou a ocupar espaço com público de até 800 pessoas. "Se isso não é uma revolução, eu não sei o que é", diz Mel, que ficou na coordenação do Slam das Minas até 2020.

A poeta abriu outro espaço para mulheres ao lançar seu disco. "'Mormaço' foi o primeiro projeto de uma mulher negra slammer e é o resultado do meu desejo de falar de amor, empatia e paixão. Eu estava sentindo falta de ouvir e de falar sobre isso", afirma.

Mel se interessou pela poesia muito cedo, aos 8 anos, quando começou a rabiscar os primeiros textos. Aos 10 anos, ganhou do pai um livro de Fernando Pessoa. Quanto mais lia, principalmente os livros indicados pela escola, algo a incomodava com maior intensidade. E se perguntava:

Será que todo mundo que escreve está morto? Alguém escreve sobre o que acontece hoje?
Mel Duarte

As referências de poetas atuais entraram na vida de Mel por volta dos 17 anos, quando conseguiu um emprego numa livraria, na época em que cursava a faculdade de rádio e TV. "Ali, meu mundo se expandiu porque eu passei a interagir com pessoas que me davam novas referências para ler", conta

Na livraria, ela também conheceu o organizador de um sarau que acontecia na Brasilândia, zona norte de São Paulo. "Eu já tinha ido a outros saraus, mas todos com gente mais velha e de um universo social diferente do meu. Encontrar um sarau na quebrada foi me reconhecer", lembra.

Nesse ambiente, Mel foi, aos poucos, criando coragem para compartilhar e declamar seus textos. Até que, em 2013, lançou um pequeno livro com dez poemas. "O sarau me ajudou a ter coragem de pegar o papel com meu poema, subir no palco a compartilhar o que eu estava sentindo", conta.

Autorreconhecimento como poeta

Mel afirma que, apesar da poesia estar na sua vida desde a infância, foi um processo reconhecer-se como poeta. Entre 2013, ano do primeiro livro, e 2015, ela também diz que amadureceu.

"'Menina Melanina', meu primeiro poema com recorte racial e de gênero, em que eu falo da autoestima da mulher preta, foi um boom nessa época graças às redes sociais", lembra.

Com esse novo enfoque, Mel lançou o seu segundo livro em 2016, ano em que se apresentou em um sarau de abertura da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), sob curadoria de Roberta Estrela D'Alva.

A voz da Mel foi muito bem-vinda porque condensava temas que eu acreditava que deviam ser tratados ali. Foi um momento feliz, um encontro da performance com o texto e o público, que precisava ouvir a colocação que a Mel levou e que tratava das mulheres negras.
Roberta Estrela D'Alva

Com um texto que falava que "preta, pretinha/Não ligue pro que dizem essas pessoas/ E só abaixe a sua cabeça,/ Quando for pra colocar a coroa", a poesia de Mel ganhou mais repercussão. "A Flip foi uma mudança de chave e começaram a surgir muitos convites. A partir daí, eu disse para mim mesma: sou uma poeta, vou aceitar isso. E passei a trabalhar apenas com a poesia e escrita", conta.

Com feitos inéditos, Mel diz que busca desfazer a imagem inacessível do poeta. "É uma realização ainda jovem ter essas conquistas, mas é preciso ser acessível. Eu gosto de ir às escolas conversar com os estudantes. Eles mesmos falam para os professores sobre minha poesia. Isso não tem preço", finaliza.

Sobre o Prêmio Inspiradoras

O Prêmio Inspiradoras é uma iniciativa de Universa e do Instituto Avon, que tem como missão descobrir, reconhecer e dar maior visibilidade a mulheres que se destacam na luta para transformar a vida das brasileiras. São 21 finalistas, divididas em sete categorias. Além de Esporte e Cultura, tem também: Inovação em Câncer de Mama, Informação para vida, Conscientização e Acolhimento, Acesso à Justiça, Equidade e Cidadania e Representantes Avon.

Para escolher suas favoritas, basta clicar na votação a seguir. Está difícil se decidir? Não tem problema: você pode votar quantas vezes quiser. Também vale fazer campanha, enviando este e os outros conteúdos da premiação para quem você quiser. Para saber mais detalhes sobre a votação, é só consultar o Regulamento.

No mês que vem, durante dos 21 dias de enfrentamento à violência, uma série de lives com as finalistas de todas as categorias vai debater este e outros temas relacionados ao universo feminino. Dá para acompanhar as novidades no portal Universa e em nossas redes sociais.

O Prêmio Inspiradoras é uma iniciativa de Universa e Instituto Avon, que tem como missão descobrir, reconhecer e dar maior visibilidade a mulheres que se destacam na luta para transformar a vida das brasileiras. O foco está nas seguintes causas: enfrentamento às violências contra mulheres e meninas e ao câncer de mama, incentivo ao avanço científico e à promoção da equidade de gênero, do empoderamento econômico e da cidadania feminina.