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Física desenvolve dispositivo que otimiza cirurgias de câncer de mama

Maria Elisa Rostelato, finalista do Prêmio Inspiradoras 2021 na categoria Inovação em Câncer de Mama - Júlia Rodrigues
Maria Elisa Rostelato, finalista do Prêmio Inspiradoras 2021 na categoria Inovação em Câncer de Mama Imagem: Júlia Rodrigues

Suzana Villaverde

colaboração para Universa

04/10/2021 04h00

O tratamento do câncer tem evoluído muito nos últimos anos. Isso vem ocorrendo graças à soma de avanços científicos que parecem pequenos quando vistos de maneira isolada, mas têm uma contribuição importante para o todo.

É o que acontece com o trabalho da física paulista Maria Elisa Rostelato, 66, finalista na categoria Inovação em Câncer de Mama, do Prêmio Inspiradoras 2021. Há 32 anos, ela realiza estudos para o tratamento oncológico no Centro de Tecnologias das Radiações do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), em São Paulo.

O trabalho na área ao qual ela vem se dedicando mais recentemente tem impacto na redução do número de cirurgias a que as pacientes precisam ser submetidas durante o tratamento de câncer de mama e também na eficácia desses procedimentos.

Diminuir a quantidade de intervenções é um jeito de trazer mais conforto para a paciente durante o tratamento. É o que mais me interessa.


Tecnologia de ponta

O objetivo da pesquisadora é melhorar a vida de quem está em tratamento de câncer, mas seu dia a dia fica bem distante dos consultórios. O que ela faz é tecnologia de ponta, desenvolvida dentro do laboratório.

Tratam-se das sementes de iodo-125, implantes cilíndricos de 4,5 milímetros de comprimento por 0,8 milímetros de diâmetro. Funcionam assim: inseridos diretamente no local que será tratado, eles liberam material radioativo (iodo).

Foram minuciosamente desenvolvidos por Maria Elisa ao longo de três anos e tornaram-se objeto de sua tese de doutorado, distinguida com menção honrosa em prêmio do Ministério da Saúde e UNESCO em 2006. Desde então, a técnica vem sendo usada amplamente para debelar cânceres de próstata e de olhos. Nesses casos, ela é capaz de reduzir e até eliminar os tumores.

Em 2015, uma dupla de profissionais da Beneficência Portuguesa — o físico Cristiano Duarte e o mastologista Sérgio Mendes — propôs que ela adaptasse a tecnologia para o câncer de mama. Desafio aceito e superado.

Nesta nova modalidade, as sementes têm funções diferentes. Elas são usadas em casos de tumores muito pequenos, com menos de um centímetro de diâmetro, para apontar o lugar exato onde estão as células cancerígenas. Dessa maneira, funcionam como guias para médicos ou médicas durante a operação, o que aumenta a precisão dos tratamentos.

Mais eficiência nas cirurgias

Já existem outras técnicas para orientar as cirurgias. Alguns exemplos: a inserção de um clipe metálico ou mesmo de um líquido no tecido mamário. Mas elas possuem algumas desvantagens em relação às sementes. O clipe não é tão simples de ser encontrado durante a operação, e o líquido não é tão preciso.

As sementes de iodo-125 permitem localizar com precisão a área lesada e, por ser um material radioativo, diferente dos clipes metálicos inertes usados hoje, consegue ser facilmente encontrada na cirurgia. Assim a gente reduz a necessidade de um novo procedimento para puncionar o tecido.
Gil Facina, mastologista da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), atual parceiro de Maria Elisa nas pesquisas.

Dispositivos como as sementes de iodo-125 também são desenvolvidos em outras partes do mundo. O de Maria Elisa é 100% nacional, uma outra vantagem. "Por ser fabricado no país, o implante sai mais barato", diz o mastologista Sérgio Mendes, que hoje atua no Hospital Alemão Oswaldo Cruz.

Em 2015, quando ele e o físico Cristiano Duarte procuraram Maria Elisa para desenvolver a técnica em tumores de mama, aplicaram as sementes em 28 mulheres. O trabalho chegou a receber um prêmio no Simpósio Internacional de Câncer de Mama no Instituto Sírio-Libanês de Ensino e Pesquisa. No ano de 2018, foi premiado também pelo Ipen. Infelizmente, porém, não pôde ser publicado devido à perda de alguns dados.

Nem por isso a pesquisadora abandonou seus objetivos. Agora está em colaboração com a Unifesp para que seja realizado um novo estudo clínico.

De olho no que é novo

Maria Elisa conhece a importância do avanço das tecnologias para o tratamento de câncer também de um outro ponto de vista. Em 1981, ela perdeu a mãe para a doença. Na época, era incomum que tumores tão pequenos quanto aqueles que são o alvo das sementes de iodo-125 fossem identificados. Com isso, as mulheres recebiam o diagnóstico só quando a doença já estava muito avançada, o que reduzia o sucesso das terapias.

Foi o que aconteceu. "Ela sentiu um caroço muito grande. Quando foi investigar, já estava com metástase nos ossos. É uma lembrança muito forte que eu tenho. A possibilidade hoje de marcar tumores tão no início é um grande avanço em relação a casos como o de minha mãe", diz.

Embora não atue diretamente com as impactadas pelas suas inovações, Maria Elisa não deixa de pensar sempre nelas. Se emociona, por exemplo, ao lembrar da mulher que recebeu o primeiro dispositivo que desenvolveu.

Tratava-se da versão nacional de um fio de irídio, que se assemelha a um pequeno arame, só que radioativo, para uso no tratamento local de tumores variados. Na época, a tecnologia era produzida por uma única empresa americana e sua manufatura era um segredo industrial.

Como era algo experimental, para a aplicação prática do dispositivo, havia um desafio: ele precisava ter a mesma radiação ao longo de todo comprimento. "Eu medi várias vezes até me sentir segura e entreguei para o médico utilizar em uma paciente com câncer de coxa", diz.

Mais tarde, o médico que fez a aplicação levou a física para conhecer a beneficiada por sua invenção. "Ela estava tão agradecida! Foi muito importante para mim ver que o trabalho tem um efeito direto na vida de alguém", conta.

Além da preocupação com as pessoas, Maria Elisa conta sobre outro sentimento que move seu trabalho, desde quando escolheu estudar física nuclear:

Quando já existe um caminho, você se orienta por aquilo que já foi feito. Quando não há, você precisa acessar sua criatividade e eu sempre quis estar na borda da ciência, na fronteira. Não me interessa o que já está definido, minha busca é pelo que é novo.

Maria Elisa Rostelato

Sobre o Prêmio Inspiradoras 2021

O Prêmio Inspiradoras é uma iniciativa de Universa e do Instituto Avon, que tem como missão descobrir, reconhecer e dar maior visibilidade a mulheres que se destacam na luta para transformar a vida das brasileiras. São 21 finalistas, divididas em sete categorias. Além de Inovação em Câncer de Mama, tem também: Informação para vida, Conscientização e Acolhimento, Acesso à Justiça, Equidade e Cidadania, Esporte e Cultura e Representantes Avon, dedicada às representantes da marca que realizam trabalhos de impacto.

Para escolher suas favoritas, basta clicar na votação a seguir. Está difícil se decidir? Não tem problema: você pode votar quantas vezes quiser. Também vale fazer campanha, enviando este e os outros conteúdos da premiação para quem você quiser. Para saber mais detalhes sobre a votação, é só consultar o Regulamento.

No mês que vem, durante dos 21 dias de enfrentamento à violência, uma série de lives com as finalistas de todas as categorias vai debater este e outros temas relacionados ao universo feminino. Dá para acompanhar as novidades no portal Universa e em nossas redes sociais.

O Prêmio Inspiradoras é uma iniciativa de Universa e Instituto Avon, que tem como missão descobrir, reconhecer e dar maior visibilidade a mulheres que se destacam na luta para transformar a vida das brasileiras. O foco está nas seguintes causas: enfrentamento às violências contra mulheres e meninas e ao câncer de mama, incentivo ao avanço científico e à promoção da equidade de gênero, do empoderamento econômico e da cidadania feminina.