Daniela Mercury sobre artistas politizados: 'É responsabilidade cidadã'

Estreante do Nômade Festival, Daniela Mercury traz para São Paulo — mais uma vez — a celebração do axé music em show neste sábado (3) no Parque Villa-Lobos. Em entrevista a TOCA, ela falou sobre as expectativas para a apresentação, artistas politizados, e a diferença de um trio elétrico e um palco.
Estou muito feliz em estrear no Nômade. Gosto do festival por valorizar a música brasileira, e pela mistura de gêneros musicais diferentes presentes em cada dia. E amo cantar para o público paulistano. Minha expectativa é de me conectar, emocionar e fazer o público dançar com muita energia e alegria. Precisamos muito da arte.
O trio elétrico é um palco que se movimenta junto com o público, que leva as pessoas. A relação de quem puxa um trio e o público é íntima e tem que ser, para fazer uma festa para tanta gente. Eu em um trio, sou uma foliã animando a rua. Nesse sentido faço o mesmo no palco. Cantar em trios elétricos me ensinou a me conectar com grandes públicos e esse aprendizado eu levo para meus shows de palco e essa experiência me ajudou a fazer shows para públicos novos no mundo inteiro. No palco posso fazer um espetáculo mais estruturado do que no trio. Com coreografias e cenários. Daniela Mercury em entrevista ao TOCA

Artistas politizados
Quando celebrou 40 anos de carreira, Mercury disse que sua arte era politizada. "Sem dúvida, um artista que viveu durante a ditadura tem a percepção mais clara do que significa censura, a perseguição, o autoritarismo reagindo a vida, o medo de ser preso, de fazer alguma coisa errada, de estarmos numa situação de não democracia (...) isso é terrível".
Daniela comenta que logo na redemocratização, a classe artística pensou por um momento que não haviam demandas de luta: "As gerações tendem a se politizar. [Mas] houve um momento que a minha própria geração não foi muito politizada nos primeiros anos da democracia. (...) Que bom que se viu que não estava tudo bem, que é preciso sempre lutar senão a gente perde os direitos já conquistados".
Ela cita "Divino Maravilhoso", de Gal Costa, para reforçar a ideia de que os olhos de todos devem estar abertos: "Senão a gente pode até vir a perder a democracia como foi o caso do último governo, que tentou um golpe de estado. Então a gente tem que realmente ficar muito atento. Não dá para vacilar. É preciso estar atento e forte. Não temos tempo de temer a morte".
Demandas atuais como regulamentação das redes sociais, demarcação de terras indígenas e exploração do trabalho infantil, precisam sempre do apoio artístico. "Seja para si mesmos, seja para a causa de direitos humanos que são fundamentais pra gente viver num país, numa democracia, num planeta que precisa respeitar a natureza. Se posicionar é inevitável. Não dá pra viver alheio ao mundo pensando somente em você. Esse individualismo não leva a gente a nada. Não avançamos sozinhos, precisamos de todo mundo."
A voz de "O Canto da Cidade" diz esperar "profundamente que os artistas se politizem". "Se politizar é conhecer o seu país, é entender que você está dentro da democracia, que você é um ser político. Não é necessariamente política partidária, mas às vezes pode ser que tenha que ser também".
Quando a democracia está em jogo a gente tem que se posicionar também até partidariamente, eventualmente numa necessidade pelo bem comum. Então a gente precisa sim existir para coletividade, já que a gente lida com o público constantemente. É uma responsabilidade cidadã de todos, mas dos artistas que são cidadãos poderosos, acho que ainda é mais importante, mais relevante. Daniela Mercury

Quatro décadas de axé music
A artista exaltou a importância do axé: "É enorme. O axé devolveu o samba, as aves brasileiras, a brasilidade, a alegria da vibração que eu acho que eram bem necessárias naquele momento em que estávamos com o impeachment de Collor, com o movimento dos Caras Pintadas. Vínhamos de um período de ditadura sorumbático, triste, pesado, extremamente desagradável. Então o axé vem cheio de luz".
Mercury explica que o gênero ajudou na expansão do Carnaval para muitas capitais além de Salvador e do Nordeste, estimulando que as outras metrópoles ocupassem espaços e valorizassem seus artistas: "O axé é essa realização do sonho tropicalista, dos modernistas, de uma brasilidade da cultura popular valorizada".
Qual o outro movimento que conseguiu atingir de norte a sul do Brasil e nessa grandiosidade com grau de popularidade que se massificou? Que eu lembre só Luiz Gonzaga com forró nos anos 40 que foi o primeiro movimento de massa dessa com essa dimensão. Então o axé vai ficar presente, já está presente, já influencia todas as novas gerações. Daniela Mercury

Shows pelo Brasil e mundo como desejo
Daniela Mercury afirma que foi uma escolha própria ir a menos programas de televisão no início da carreira e preferir o corpo a corpo: "Olhar nos olhos das pessoas [é incrível]. Eu sempre valorizei o espetáculo. Primeiro porque eu adoro estar em cima do palco. Amo, adoro, me divirto e faço um show com prazer gigantesco. Seja no trio ou palco".
Com turnês desde 1993 da América Latina à Europa, ela já tem shows no exterior em julho, mês do seu aniversário: "É uma carreira divertidíssima. Eu adoro, me motiva muito ver as pessoas, seja no Brasil, seja fora".
No momento, Mercury está em produção de novo álbum — ainda sem dada de lançamento, mas com duas músicas já lançadas "Axé Salvador" e "Meu Corpo Treme": "Vai ser uma alegria imensa fazer o show no Nômade e mostrar meu trabalho mais recente, 'Macunaíma', 'Axé Salvador'. Vou apresentar músicas que vão matar a saudade de quem me conhece desde lá dos anos 90 e mostrar um trabalho já consagrado mais recente".
Deixe seu comentário
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.