Sítio arqueológico da Bolívia conecta turista com civilização perdida
No dia 21 de janeiro de 2010, apenas 24 horas antes de começar seu segundo mandato como presidente da Bolívia, Evo Morales voltou no tempo: seguido por uma volumosa comitiva de admiradores, curiosos e jornalistas, o político viajou até o ancestral sítio arqueológico de Tiahuanaco, a duas horas de La Paz, com o objetivo de sagrar-se líder espiritual do povo boliviano.
A pretensão parece exagerada, mas o lugar não poderia ser mais adequado. Evo cruzou o Templo de Kalasasaya acompanhado de uma centenária anciã indígena, recebeu a bênção de sacerdotes aimarás e fez um discurso ressaltando a importância dos “povos originários” da nação. Ao seu redor, monumentos que são alguns dos grandes orgulhos da Bolívia (figuram, inclusive, nas notas de 200 pesos bolivianos) e que, acredita-se, foram construídos há quase dois mil anos: a Pirâmide de Akapana, o Puma Punku, o Templete Semisubterrâneo, o Monólito Benett, a Porta do Sol e o próprio Templo de Kalasasaya.
O sítio de Tiahuanaco foi erigido como a capital administrativa e ritualística de uma civilização que exerceu poder sobre o que é hoje Bolívia e partes de Peru e Chile. O povoado que a originou, segundo creem os arqueólogos, surgiu por volta de 1.500 a.C., como uma pequena aldeia às margens do Lago Titicaca. No decorrer dos séculos, eles desenvolveram eficientes técnicas agrícolas, trabalharam o bronze, adquiriram conhecimento astronômico, se revelaram exímios arquitetos e, poderosos, absorveram para a sua cultura muitas das populações vizinhas.
Decadência e legado
A decadência de Tiahuanaco viria por volta de 1.200 d.C., mas suas causas são ainda desconhecidas: pode ter sido terremoto, secas, guerras ou uma combinação desses desastres. O que hoje se tem de concreto, entretanto, são os impressionantes monumentos deixados por esse povo no meio do altiplano boliviano, a quase quatro mil metros sobre o nível do mar, no meio da cordilheira dos Andes.
O Templo de Kalasasaya é, sem dúvida, o mais grandioso deles. Com uma área de dois hectares, o lugar está encerrado por paredes de três metros de altura, feitas com enormes blocos de arenito perfeitamente encaixados. Tais pedregulhos eram extraídos de um lugar a 18 km de Tiahuanaco e provavelmente trazidos até a cidade via barco de totora (acredita-se que as águas do lago Titicaca, hoje a 20 km de distância, chegavam até as proximidades de Tiahuanaco).
A quase 4.000 metros de altitude, Tiahuanaco faz parte das fascinantes paisagens da Bolívia
Em Kalasasaya destaca-se o portal que antes recebia, em perfeita orientação astronômica, os primeiros raios solares dos dias de equinócio (o monumento ainda se encontra dentro do templo, mas em posição diferente). A face solar de Viracocha, o Deus Criador, decora sua fachada.
Já no meio do templo, surgem monólitos antropoides, decorados com intrincados baixos relevos (mostram, acima de tudo, os animais sagrados para os antigos habitantes do lugar, como o condor, o puma e a lhama) e que, talvez, sejam algumas das melhores representações divinas feitas pela crença politeísta dos tiahuanacotas.
Ergueu-se, aliás, em Tiahuanaco, um moderno espaço fechado para abrigar a mais famosas dessas esculturas: o Monólito Benett. Com 7,3 metros de altura, 20 toneladas e feito a partir de um único pedaço de arenito, o Monólito Benett exibe baixos relevos que explicam muito da cultura local: sua cabeça apresenta um formato alongado e está enrolada com uma faixa, exatamente como os tiahuanacotas faziam com as crianças de origem nobre – comprimindo e deformando seu crânio com o objetivo de deixar claro seu status e poder. As figuras do sol e da lua (fontes vitais de energia para esse povo), por sua vez, embelezam seu tronco.
Museu
Exemplos reais das pessoas que habitaram essa misteriosa cidade podem ser vistos no museu do sítio arqueológico. Lá estão os impressionantes crânios deformados, cadáveres encontrados sob a terra em posição fetal (os tiahuanacotas assim enterravam seus mortos, pois acreditavam que eles voltariam a nascer), flautas esculpidas em ossos de lhama e lindíssimas obras feitas com cerâmica.
Indígenas da etnia aimará realizam festa em cidade ao lado das ruínas de Tiahuanaco. Sob o comando de Evo Morales, Bolívia se inspira hoje no legado deixado por seu rico passado
Mas nos 420 hectares de Tiahuanaco há mais, muito mais. Quando o UOL visitou o sítio arqueológico, trabalhos de escavação e restauração eram realizados na área da Pirâmide de Akapana, hoje parcialmente enterrada na areia e quase totalmente destruída pelo tempo. A meta é reconstruir um monumento que tinha 800 metros de perímetro, sete níveis escalonados e 18 metros de altura. Acredita-se que seu cume - que exibe, desenhada no solo, uma cruz andina (visto como símbolo de conexão entre a Terra e níveis mais elevados) – figurava como um dos mais importantes palcos cerimoniais de Tiahuanaco.
E enquanto a pirâmide ganha forma novamente, a poucos metros dali repousam as ruínas que mais intrigam os cientistas: o sítio arqueológico de Puma Punku (o Portal do Puma). Trata-se de um conjunto de ruínas megalíticas esparsas, cujos desenhos mostram que, um dia, elas se encaixaram perfeitamente. Algumas chegam a pesar centenas de toneladas e ratificam o que o resto de Tiahuanaco já mostrara: que uma cultura extremamente avançada para seu tempo viveu na região.
Uma ironia, já que a Bolívia, que atualmente tenta fortalecer seus vínculos com a cultura tiahuanacota, é um dos países mais pobres do mundo. Eis um mistério digno de ser apreciado.
Como chegar
Tiahuanaco está a pouco mais de duas horas de carro do centro de La Paz. Para chegar até o local, o motorista deve dirigir até a cidade de El Alto e, de lá, tomar a Rota Nacional 1, que atravessa o Altiplano boliviano até o sítio arqueológico. Boa parte dos albergues e hotéis de La Paz, porém, organizam excursões até Tiahuanaco. Se o turista estiver sem carro e quiser ir até o lugar por conta própria, pode tomar transporte público nos arredores do Cemitério Geral de La Paz. Não se esqueça de levar muita água, um chapéu ou boné, protetor solar e alguma comida, pois o passeio dura um dia inteiro. Guias podem ser contratados na entrada do sítio.
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