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Sem clima para festas no mundo, setor do champanhe vive crise histórica

Setor do champanhe é afetado pela pandemia do novo coronavírus e vive crise histórica - Tom Merton/Getty Images
Setor do champanhe é afetado pela pandemia do novo coronavírus e vive crise histórica Imagem: Tom Merton/Getty Images

26/08/2020 09h26

A bebida mais glamourosa do planeta anda encalhando nas adegas francesas. O champanhe, símbolo de comemorações e convivialidade mundo afora, é mais uma vítima da pandemia de coronavírus. O setor enfrenta uma crise histórica e espera uma queda de até 35% das vendas neste ano.

"Somos uma bebida que representa a festa, a celebração, o otimismo, a alegria de viver. Não é muito compatível com um isolamento, com ficar em casa sozinho e saber que há milhares de mortes todos os dias por causa de um vírus. Não tem nada a ver", explica Jean-Marc Barillère, copresidente do Comitê Interprofissional do Vinho de Champagne.

"Já aconteceu em outras ocasiões: quando passamos por momentos muito difíceis, o consumo de champanhe e as exportações despencam, mais do que qualquer outra bebida. A mais afetada pela pandemia é o champanhe", reitera.

Na região francesa que dá nome à bebida, ao leste de Paris, a crise não poupa ninguém. O comitê interprofissional estima que 100 milhões de garrafas deixarão de ser vendidas, o que representa mais de 7 bilhões de euros (R$ 45,7 bilhões) de prejuízos.

Eventos cancelados ou adiados

O impacto é distinto conforme o tamanho da produção. As menores, como a da viticultora Carole Leguillette, estão a um passo de fechar as portas. Desde o início da quarentena, em março, os estoques só cresceram.

"Em abril, tivemos queda de 80% das vendas e em maio, 40%. Todas as encomendas para casamentos na primavera foram canceladas ou passaram para 2021. Os clientes adiaram tudo: festas, batizados", relata Leguillette. "Também não pudemos receber os clientes aqui, para degustações. Ficamos arrasados de não poder vender o nosso champanhe."

Entre as grandes maisons, a situação também é preocupante, mas a capacidade de absorção do golpe da pandemia é um pouco maior. Charles-Armand de Belenet, diretor da marca Bollinger, indica que a retomada das vendas ainda é tímida desde a reabertura progressiva de bares e restaurantes.

"Adotamos algumas medidas financeiras para ajudar os nossos distribuidores, como prolongar os prazos de pagamentos. Nos esforçamos para manter o pagamento dos produtores, mantendo as datas que já estavam definidas e sem adiar o calendário", conta Belenet. "Agora, vamos gastar para produzir, mas não temos quase dinheiro entrando."

Altos custos de produção e de manutenção do prestígio da bebida

O governo francês disponibilizou uma ajuda de emergência para os viticultores de todo o país enfrentarem as perdas da pandemia. O problema é que, no caso do distinto champanhe, os custos de produção são superiores aos demais tipos de vinho, ao ter colheita e técnicas de vinificação mais manuais, uvas mais caras e prazo maior de envelhecimento nas adegas.

Outro fator que pesa é prestígio — mesmo diante de uma crise sem precedentes, o setor se recusa a deixar o valor das garrafas baixar para esvaziar os estoques. "Os ouvintes e consumidores conhecem essa história, que aconteceu há pouco tempo com o petróleo: quando tem demais, o preço desaba e pode até ser negativo", pondera Barillère.

"Precisamos manter a barreira dos preços, tomar medidas internas para segurar o valor do champanhe e limitar todas as pressões pela queda, com regras anticoncorrência em nível europeu", frisa o copresidente do Comitê Interprofissional.

Mercado externo é vital para o champanhe

Para barrar a despencada dos preços, o setor decidiu enxugar a safra e conter a produção — paradoxalmente, a colheita de 2020, iniciada na semana passada, se anuncia excepcional nos vinhedos. Num cenário de completa incerteza quanto ao futuro, cerca de 22% das uvas tão valiosas da Champagne não serão aproveitadas.

"Vou ser honesto: vai ter quebradeira. Os Estados Unidos vão continuar sendo o primeiro mercado para o champanhe, em importações? Não sei mais dizer", comenta Maxime Toubard, presidente do Sindicato Geral dos Viticultores.

"Vendemos 85% do champanhe para cinco países, justamente entre os que mais foram impactados pela crise da covid-19. Vamos conseguir administrar um ano, embora seja bastante difícil. Mas se durar muitos anos, vai ser muito difícil", prevê Toubard.

A queda do volume de vendas além das fronteiras da Europa foi de 28,2% no primeiro semestre, em comparação com o ano anterior. O Brasil é o terceiro país mais atingido pela covid-19 no mundo, mas o mercado brasileiro de champanhe é irrelevante: o país o ocupava o 31º lugar no ranking de maiores compradores da bebida em 2019.