Carne 16 horas na brasa e avaliação às cegas: este é o Mundial do Churrasco
O dia nem nasceu e os churrasqueiros já estão temperando e assando carnes há horas. Da noite anterior até a hora de servir, é quase um dia inteiro "mimando" os cortes que defumam lentamente na pit smoker, churrasqueira com tampa alimentada a lenha ou carvão.
Há calor também longe da brasa. Os rivais fazem de tudo para distrair os oponentes e subir a pressão da disputa. Depois de tantas horas de empenho, o destino é decidido em minutos, talvez segundos. É o tempo que os jurados levam para, em uma mordida, cravar se aquela carne merece colocar a equipe no rol de campeões do Mundial do Churrasco — ou transformar este sonho em cinzas.
Cinco brasileiros embarcam no próximo sábado (19) para viver esta experiência em Houston, no Texas (EUA). Juntos, eles formam uma das 300 equipes que se enfrentam entre os dias 24 e 26 fevereiro num dos mais desejados campeonatos mundiais de churrasco, o Rodeo World's Championship Bar-B-Que Contest.
O maranhense Bruno Salomão, apresentador do programa do UOL Vai Ter Churras, comanda o time que inclui a paulista Julia Carvalho, o paraense Edvaldo Caribé, o gaúcho Rodrigo Bueno e o carioca Luã Tavares. O grupo, com rica representatividade regional, terá que preparar carnes num único estilo: o norte-americano.
Na pit smoker, os cortes devem assar e defumar por um longo período a baixa temperatura (técnica "low and slow"). Pensou em picanha, ancho, filé-mignon? Nada disso. A graça do churrasco americano é usar peças rígidas, cheias de colágeno.
A definição, porém, não é arbitrária. O regulamento da competição estabelece quais partes do animal irão à brasa. No concurso em Houston, são três itens obrigatórios: frango, costelinha de porco com barbecue (pork ribs) e peito bovino (brisket).
Daniel Araújo, paraense que participou do mundial em 2020, explica que as equipes têm a liberdade de escolher as suas carnes dentro do que é exigido. Ou seja, comprar uma costelinha com mais ou menos gordura, um peito alto ou baixo etc.
"Os cortes crus são avaliados pela organização, que checam a questão fitossanitária das proteínas. Eles colocam um lacre e você só poderá manipular as peças vistoriadas".
Horas de trabalho e uma mordida que muda tudo
A competição não tem um tempo certo de duração. O que é estabelecido são os prazos de entrega para os cortes. A partir daí, os times decidem sozinhos quando partir para o ataque dentro do seu estande.
Como o peito, carne de mais longo preparo, demora meio dia para amolecer, os churrasqueiros trabalham cerca de 16 horas e não raro viram a madrugada em frente à pit smoker.
Um dos desafios é manter a concentração por tanto tempo. "Mais difícil do que fazer as carnes é garantir o psicológico no lugar, controlar tudo e não se perder no nervosismo", explica Bruno.
Daniel concorda: "existe pressão e o ideal é estar focado no seu trabalho. Outros competidores, de forma proposital ou involuntária, te tomam atenção, vêm tirar dúvidas, puxar assunto...".
Para os juízes, no entanto, o que rola no backstage não importa. Eles são divididos em grupos de seis avaliadores a cada seis equipes e dão notas às carnes numeradas com base numa degustação realizada às cegas.
A pontuação final é a soma de três tipos de julgamento: aparência, textura e sabor, cujos pesos são baixo, médio e alto, respectivamente. Bruno comenta:
"O frango precisa estar extremamente suculento e com a pele crocante. A costelinha, que parece fácil, exige muita técnica para estar na temperatura perfeita. Assim como o brisket, tem que ter maciez, mas sem se desmanchar. Chamamos de ponto sanfona, onde as fibras estão quase se rompendo".
Para conquistar uma boa colocação, Bruno conta que a estratégia é abusar dos temperos e pensar no perfil de sabor que agrada aos norte-americanos.
Você só tem uma chance. O juiz dá uma mordida e essa tem que ser a melhor mordida que ele vai dar na vida".
Ao fim das avaliações, o resultado é divulgado num ranking geral e separado por categorias — frango, pork ribs e brisket. Na última edição, o Brasil teve sua melhor participação num mundial: ficou em 21° na classificação total, 11° na ave e 17° no peito.
A expectativa desse ano é superar a meta. "Estamos cheios de energia, esperança e conhecimento para trazer o canecão pra gente", diz Bruno.
O caminho para os mundiais
A equipe que representa o Brasil no Rodeo World's Championship Bar-B-Que Contest e em outros torneios famosos, caso do Memphis in May, em Memphis (EUA), do The Jack, na destilaria da Jack Daniels em Tennessee (EUA), e do Meatstock, em Sidney (Austrália), é selecionada por meio de disputas internas.
Desde 2017, a Pitmaster Brasil organiza competições regionais anuais de norte a sul do país. Os melhores colocados vão para o evento nacional, onde é definido o melhor time de churrasqueiros do Brasil.
"É a porta de entrada e saída de profissionais para o mercado exterior. Precisamos sempre levar a melhor equipe para termos mais chances de trazer o tão sonhado troféu mundial", diz o fundador da organização, Daniel Lee, que neste ano terá o papel de técnico — espécie de guru-churrasqueiro — do grupo de brasileiros em Houston.
Devido à covid-19, as etapas nacionais não aconteceram em 2020 e em 2021. A equipe de 2022, portanto, foi escolhida de outra maneira. "Normalmente, o time é composto de membros da mesma localidade para facilitar os treinos. Para este ano, fizemos uma seleção com cinco especialistas em american barbecue de diferentes estados".
Além de carregarem a bandeira brasileira pelo mundo e ralar pela conquista do título, os profissionais que têm a chance de participar dos mundiais experimentam uma imersão cultural na cultura da brasa e de outros povos.
É um grande esporte e claro que todos querem vencer, mas nada supera o espírito de confraternização e aprendizado".
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