Hambúrguer com doce de leite que 'revoltou' argentinos é de Goiás; conheça
Um hambúrguer com doce de leite viral despertou curiosidade nos apaixonados por carne e mobilizou os argentinos nas redes nas últimas semanas em torno de um antigo debate: vale misturar doce com salgado?
A invenção da Turco Hamburgueria, de Goiânia (GO), alcançou mais de 900 mil visualizações em apenas um perfil no X (antigo Twitter); outros posts replicados também atingem a marca expressiva de quase 170 mil. No Instagram, os números ultrapassam a marca de 4 milhões. Mas a criação não é exatamente nova, já que o famoso sanduíche atrai clientes à casa, além de "haters" nas redes, desde o fim de 2023.
Afinal, como surgiu essa receita?
O "hambúrguer da discórdia" leva blend de carne grelhada coberta de queijo provolone, doce de leite e bacon frito picado com pão tostado na manteiga por cima. Uma unidade sai por R$ 33,75 em qualquer uma das duas unidades da Turco Hamburgueria.
Batizado de Goiânia e Região, o pedido entrou no cardápio inicialmente em outubro do ano passado como resultado de uma parceria criativa entre Ferguson Rodrigues, o criador do canal de mesmo nome do lanche no Instagram, e a hamburgueria. Mas a aparição que deveria durar apenas uma semana — de terça a domingo — nas mesas do estabelecimento acabou voltando a pedidos da clientela.
A ideia de combinar ingredientes bem diferentes é parte do DNA da Turco Hamburgueria. Mas o seu proprietário, Kaio Jardel Pinheiro Esper, o "Turco" (apelido que ganhou de um amigo graças à origem do pai, que é libanês), de 38 anos, contou a Nossa que o famoso sanduíche com doce de leite nasceu das sugestões de Ferguson mesmo.
"No ano passado, eu fazia uma série de colaborações com alguns empresários, fornecedores e hamburgueiros concorrentes, alguns blogueiros [influenciadores]. Essas 'collabs' funcionam assim: você vai na Turco, vai montar o seu hambúrguer — você é que vai decidir, se precisar de um ingrediente externo, eu vou buscar — e esse hambúrguer vai ficar uma semana no cardápio, de terça a domingo, com o seu nome e sendo vendido ali como edição especial. Acabou esta semana, ele sai e não tem mais conversa."
Com esse hambúrguer foi assim, a ideia foi totalmente do Ferguson. Ele falou: 'Turco, vamos colocar doce de leite?'. Eu falei: 'Cara... isso vai dar uma polêmica hein. Mas vamo bora'. A gente gravou [a montagem] e é muito simples até, pão, carne, queijo, doce de leite e bacon. Teoricamente um hambúrguer simples e nem foi dos mais vendidos. Outros venderam muito mais. Mas ele saiu do cardápio e a galera continuou chegando na loja procurando especificamente por ele, o que não aconteceu com outros. Teve muita gente vindo de não sei de onde para comer o hambúrguer. Passou mais ou menos um mês, voltamos com esse hambúrguer. Foi a primeira [receita] que voltou. E desde então, não saiu mais do cardápio, não tem como tirar mais.
Kaio conta que, apesar de os primeiros vídeos feitos lá em outubro terem tido bom desempenho, a combinação viralizou mesmo a partir de abril deste ano — uma publicação de 25 de abril chegou a 4,2 milhões de visualizações no perfil da casa no Instagram. Os vídeos seguintes, desde então, continuam a bombar — e polemizar nas redes.
"É um produto que viraliza muito mesmo, acredito que pela estranheza. A gente pensou em diversas coisas, Nutella, mas por que o doce de leite? A gente chegou à essa ideia juntos: o doce de leite já vai muito bem com queijo. E bacon vai muito bem também com quase tudo que é doce, existe milkshake de bacon em São Paulo há muitos anos. Queijo, doce de leite e bacon não têm nada demais, eles se completam", acredita.
"O problema era a carne. Porque quando você coloca doce de leite na carne é que você gera este drama. [Mas] pelo contrário, ficou muito bom mesmo. Até hoje não achei ninguém que comeu e não gostou. O que tem de gente que critica é um absurdo, mas gente que comeu e não gostou ainda não encontrei. É um hambúrguer de sal agridoce, é supersutil."
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Quero receberSegundo Kaio, cerca de 200 hambúrgueres de doce de leite são vendidos por mês atualmente — o que considera "muito pouco" em relação a outros servidos pela casa. "Tenho uma lista de 12 hambúrgueres e, por incrível que pareça, esse hambúrguer é o penúltimo em vendas. Por quê? A recorrência [o cliente que volta para comer] com ele não é tão grande. Ele tem um consumo por curiosidade. Vejo muito nas lojas o cliente falar: 'vou comer meu hambúrguer 'normal' e a gente pede um desse de doce de leite para dois só para a gente experimentar'.
Hambúrguer revoltou os argentinos
Entre os mais fervorosos críticos da combinação estão os hermanos. Alguns dos comentários (em espanhol, aqui traduzidos) na página do estabelecimento se queixam do uso do complemento no sanduíche:
Como argentino, venho dizer que deixem o doce de leite de fora dessas coisas. Obrigada.
[Cadê o] botão para tirar o Brasil do Mercosul?
Parem com as exportações de doce de leite para o Brasil.
Damos a vocês o doce de leite e vocês fazem isso...
É importante lembrar que a origem do doce de leite é incerta e diversos países na América Latina usam a receita. Kaio, por sua vez, encara a repercussão entre seguidores de outros países latinos com bom humor.
"Este aí é o que irritou os argentinos. Eles estão muito bravos... Eu nem sabia, mas parece que o doce de leite pro argentino é como se fosse a vaca para o indiano, é uma coisa sagrada", se diverte.
"Acredito que eles são muito eles estão muito engessados nesse aspecto, né? O brasileiro é bem criativo mesmo, de inovar, não só em comida, em tudo. E comida é isso, é experimentar, é testar, vai ter um monte de coisa que não vai dar certo. Esse deu certo. Não só deu certo no sentido de polêmica, de gerar visibilidade, mas edeu certo como produto. É maravilhoso o hambúrguer. É um produto que não é nem mediano, é uma delícia, tanto que alguns chefs reconhecidos na internet testaram e aprovaram, fizeram lá e replicaram. Vi vários vídeos de chefs. Tudo bem misturar sabores, eles estão muito apegados a esse endeusamento de um ingrediente."
A hamburgueria dos lanches "diferentões"
O pedido polêmico não está sozinho no cardápio quando o xis da questão é singularidade.
"O hambúrguer de queijo coalho com banana é meu carro-chefe, mas tem o hambúrguer com o abacaxi chapeado no mel, o hambúrguer com cebola caramelizada. Tem outros vídeos que viralizaram também. Estes são carros-chefe, mas este [o hambúrguer de doce de leite] passou do limite."
Todas as combinações são elaboradas pelo "Turco", apesar de a Dona Turca experimentar e opinar nos resultados que poderão chegar às mesas. "Não tenho nenhuma formação, mas deu muito certo. É tudo feeling". Não são apenas as ideias dos lanches que partem de Kaio, ele também desenvolveu a receita do molho com mel da casa.
Já os pães foram criados fora da hamburgueria, mas especificamente para a Turco — o que a destacou no mercado local.
"A galera valoriza muito, no hambúrguer, a carne, né? Mas eu tenho uma crença que o hambúrguer é 60% pão, em segundo lugar o molho, e em terceiro a carne. Eu acho que o pão é o principal. A gente acertou muito nisso. A gente foi na contramão do mercado, eu achei uma panificadora que hoje cresceu demais e é de um amigo, a gente fez um pão muito legal para a Turco. E estamos com ele desde o início, foi criado para a gente e hoje o meu amigo Walter [Gandhi, da Villa dos Pães] vende esse pão como 'pão do Turco' no catálogo dele, para outras hamburguerias. [No início], era exclusivo enquanto a gente se consolidava, naquela ideia de que todo mundo ganha".
As carnes são um blend de cortes que chegam à hamburgueria embaladas a vácuo e moídas — mas o percentual de cada corte e gordura, além da gramatura da moagem, são escolhidas mais uma vez pelo proprietário.
Hambúrguer de doce de leite 2.0 vem aí
Apesar de não existir divisão de lucros entre o parceiro de uma colaboração e a hamburgueria, Kaio explica que elas nascem de um desejo mútuo de promover o trabalho de cada um em suas plataformas.
"Acredito muito na divulgação do cenário de hambúrguer aqui em Goiânia, que está crescendo cada vez mais né? São Paulo já tem um cenário super consolidado, no nível de Nova York, talvez, mas Goiânia ainda está em crescimento. E eu acredito numa colaboração entre os hamburgueiros, acho que tem sol para todo mundo e se a gente se ajudar, grande ou pequeno, todo mundo cresce e aprende. Não é porque a gente é concorrente que precisa se isolar. Então a ideia é essa. Não tem dinheiro envolvido. Um fortalece o outro. Inclusive um [dos hambúrgueres das parcerias] que voltou também, de um concorrente meu, entrou no cardápio agora com a logomarca dele, porque não é meu, não fui eu que inventei. Então vai com a logomarca dele."
Por isso, o hambúrguer de doce de leite pode ganhar companhia em breve no menu da casa. "O próprio Ferguson me ligou querendo lançar o 2.0. Semana que vem, vamos marcar para gravar um vídeo. Estou até com medo já", revelou.
Como surgiu a Turco Hamburgueria?
Antes da hamburgueria que fundou junto com a esposa, Wanessa Rodrigues Miranda, de 36 anos, a "Dona Turca", Kaio trabalhou com e-commerce de produtos infantis, como roupinha e carrinho de bebê por nove anos.
"Já estava muito desgastado. E eu tinha uma curiosidade... [A Turco] era para ser uma pastelaria. Desenvolvemos o projeto e já tinha essa marca, esse é o meu apelido. Um dos sócios que estava com a gente desistiu e não quis embarcar nisso. Ia dar muito trabalho. Por mais que eu estivesse exausto do segmento, não estava precisando correr atrás de algo novo tão de imediato. Isso foi final de 2019. Em março de 2020, veio a pandemia e até pensei 'nossa, se tivesse aberta a pastelaria, talvez tivesse dado errado'. Mas no início do segundo semestre, já não aguentava mais. Então falei assim pra minha esposa: 'vamos voltar ao projeto da pastelaria'. E ela me disse: 'só que agora tem que ser delivery e acho que não deveria ser pastel, deveria ser hambúrguer porque pastel não viaja bem'. Foi ideia dela."
Preparar os lanches antes disso era um hobby para o casal, apenas para acompanhar aquela cervejinha com a galera em casa. Mas Kaio começou a levar o interesse a outro nível.
"Pesquisei essa galera de São Paulo, investigando como é que faziam, as técnicas. Eu não tinha nenhum conhecimento na área. Entre outubro e dezembro de 2020, iniciamos os testes. E a ideia era a gente fazer todo final de semana para familiar e amigo por um preço bem promocional, R$ 15 qualquer hambúrguer. Não era para ganhar dinheiro, era para ver onde estavam os gargalos, os erros e ir aperfeiçoando o sistema. Mas eu já sabia exatamente o que que eu queria: já tinha marca, caixa personalizada, saco craft personalizado e uniforme mesmo sendo um teste", relembra.
Em 31 de dezembro de 2020, os testes tinham não só revelado uma nova vocação, como já haviam rendido R$ 4.100 para o casal.
"A Turco foi fundada com os R$ 4 mil porque depois a gente nunca mais colocou dinheiro. E aí inauguramos no dia 8 de janeiro de 2021, sendo somente delivery, no fundo da minha casa, em um bairro mais periférico aqui em Goiânia. Tínhamos uma churrasqueira [e a equipe era] eu, a Wanessa, minha enteada, meu sogro e minha sogra, mais nada. Eu ainda trabalhava na área infantil e a Wanessa com assistência autorizada de eletrodomésticos, mas não tinha essa de fechar se está cansado. Do dia 8 em diante, foi profissional o negócio, com horário, fluxo de caixa, sistema. Sou formado em administração, então eu tinha esse aparato desde o início, foi tudo muito milimétrico. Isso garantiu uma estabilidade".
Com o aperto do depósito, em maio de 2021, a hamburgueria que até então apenas entregava a domicílio se mudou para outra casa no mesmo bairro, o Parque Santa Rita. Sua estreia, coincidentemente, aconteceu no Dia Mundial do Hambúrguer — 28/05. A mesa dos testes foi levada e, para permitir que mais amigos curtissem um lanche em horário de trabalho, o casal adicionou mais quatro nas laterais.
"Aí no primeiro dia, quatro meninas que não conheço, abriram o portão — que estava fechado porque era delivery — entraram e sentaram. Tenho até uma foto. E foi assim que a gente abriu a primeira loja". Desde então, o time familiar da Turco se dedicou a aperfeiçoar o espaço. Em junho de 2023, já com o sucesso do negócio, chegou a vez de expandir. "Eu falo que é a Turco definitiva. É uma evolução."
Apesar de considerar a nova "fama" nas redes impactante para a marca, Kaio não pensa em expansão no momento.
"Eu queria, mas a Dona Turca disse que se eu abrir mais uma loja...", ri. "A gente tem duas lojas e dá um trabalho que você não tem ideia. Mas eu tenho vontade de abrir em São Paulo e em outros estados, com certeza. E tudo isso é bom porque já temos uma visibilidade fora [de Goiânia]. Se eu abrir outro estado, seja São Paulo ou qualquer outro, já pego um pouquinho da roda andando, né? Já tem uma atração para algum tamanho de público ali, talvez."
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