Seabra vê 'semente' plantada no Cruzeiro e abre o jogo sobre demissão

Foram quase seis meses de trabalho no Cruzeiro, mas Fernando Seabra acredita ter deixado um legado no time que no último sábado (23) chegou a final da Copa Sul-Americana - acabou derrotado para o Racing.

A contratação do profissional de 47 anos foi uma surpresa em abril. Afinal, Seabra nunca havia comandado efetivamente uma equipe do alto escalão como o Cruzeiro. Mas o momento pedia alguém que conhecia a casa e desse uma segurança aos mais jovens, com quem já estava acostumado a trabalhar.

Em meio à instabilidade do time, a diretoria da Raposa demitiu Fernando Seabra em setembro. Em entrevista ao Zona Mista do Hernan, do UOL, o profissional abriu o jogo sobre a saída do clube mineiro e negou uma certa mágoa pela decisão.

O sentimento meu que mais prevaleceu (após a demissão do Cruzeiro) foi de realização por ter conseguido viver tudo que eu vivi ali, um grande clube. De uma forma geral, o sentimento foi muito positivo. Quando eu recebo a notícia da minha demissão, eu sei que ali eu consegui plantar e crescer muito no mercado Fernando Seabra, ao UOL.

Para Seabra, a situação era reversível. A equipe estava viva na Sul-Americana, mas balançava no Brasileirão. A preocupação maior, na ocasião, era sobre o futuro do time na temporada e como a equipe iria se sair nos meses restantes.

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A minha preocupação foi também com o próprio Cruzeiro, com o grupo de jogadores, pensei: 'será que isso será melhor agora para trazer o resultado?'. Porque quando o treinador entende que a saída dele vai ser o melhor para trazer o resultado é muito tranquilo, mas eu também não tinha convicção nenhuma disso. Pelo contrário, eu estava convicto e confiante de que a gente iria definir contra o Libertad em casa, vencer o jogo e que todo aquele momento iria virar a partir dali. Mas não guardo mágoa, saí com o sentimento de realização, gratidão e triste por não ter continuado

Técnico estagiário? Aqui não…

Fernando Seabra, ex-técnico do Cruzeiro
Fernando Seabra, ex-técnico do Cruzeiro Imagem: Gilson Lobo/Agif
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O rótulo 'técnico estagiário' para se referir a profissionais jovens no mercado que ainda estão em processo de aprendizagem gera um questionamento em Fernando Seabra: por que os treinadores que estão no início de carreira pouco recebem o devido espaço e a segurança para iniciar um trabalho?

O olhar de desconfiança para técnicos jovens e a falta de respaldo gera um alerta para Fernando Seabra, que vivenciou isso na pele. Para ele, a comparação com um treinador já consolidado no mercado fica desleal.

"Acho que não se dá a devida atenção em valorizar uma ideia de jogo ou se acompanhar de uma equipe de treinador de base para ver as ideias que ele está conseguindo operacionalizar e a evolução delas. Assim como se sabe os jogadores que se esperam uma certa evolução, mas qual é o impacto que aquele treinador está tendo sobre o jogador? Então a própria observação que poderia dar algum respaldo e uma notoriedade em relação a competência desse treinador ela fica desleal em comparação ao que um treinador do profissional faz por causa da visibilidade e o alcance".

Seabra é rodado no futebol de base. Multicampeão em diversos clubes, o profissional vê a solução 'caseira'. Por que não dar uma chance - e respaldo - para os que já estão no clube?

"O fator principal é que os treinadores de base do Brasil não são vistos como uma solução para se resolver na equipe principal, justamente porque se coloca em xeque essa capacidade de liderança que ele tem, como que os jogadores do time profissional vão aceitar serem liderados por um treinador que ainda não tem um histórico? Aí os dirigentes e diretores no Brasil ficam receosos de dar essa abertura".

Demissão 'surpresa'

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"A gente estava ciente da necessidade de apresentar uma recuperação em relação aos resultados. No Campeonato Brasileiro tivemos uma queda evidente em relação ao que estava sendo feito no primeiro semestre. Naquele momento em específico me pegou de surpresa, sim. Porque a gente sai para fazer dois jogos fora, um contra o Libertad e outro contra o Cuiabá, três dias depois. Eu entendo que fizemos um jogo muito bom contra o Libertad e vencemos, acho que desde o jogo contra o Botafogo foi a nossa melhor partida. Foi um desempenho consistente, a equipe soube se defender bem e foi letal".

A vitória contra o Libertad, pela partida de ida das quartas de final da Sula, deu uma sobrevida para Seabra no comando do Cruzeiro, mas o empate fora de casa tratou de enterrar as chances de permanência. O desempenho abaixo no Brasileirão pesou, e a troca no comando foi feita em setembro.

Seabra aponta para diversos fatores que atrapalharam sua continuidade, como por exemplo o cansaço devido as viagens na temporada. De acordo com o treinador, apesar da exaustão, o time havia respondido dentro de campo.

"E aí temos o jogo fora contra o Cuiabá, que é um time complicadíssimo para se jogar fora. Lembro quando a gente sai de Belo Horizonte rumo a Assunção, a temperatura em BH estava por volta de 22º, e lá estava 32º a noite, no momento do jogo. Três dias depois vamos jogar em Cuiabá, carregando não só o cansaço desse jogo, mas também da temporada, sabendo que temos que tomar decisões individuais (escolha por atletas). O time naquele momento deu uma resposta boa, e sinalizou que essa reação iria se consolidar. Realmente o jogo contra o Cuiabá não foi um desempenho de encher os olhos, um jogo que mais competimos do que tivemos inspiração, mas nós conseguimos na reta final do jogo principalmente ser mais agressivos para buscar o resultado, mesmo com a expulsão tivemos chances de gol. Então você sai para jogar dois jogos fora de casa e volta com quatro pontos você não espera ser demitido nesta hora, embora por outro lado a direção me respaldou em muitos momentos em que não tivemos resultados".

Autocrítica de trabalho

Fernando Seabra. ex-treinador do Cruzeiro
Fernando Seabra. ex-treinador do Cruzeiro Imagem: Gustavo Aleixo/Cruzeiro
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Fernando Seabra comandou o time do Cruzeiro em 35 jogos, comando 17 vitórias, 10 derrotas e 8 empates. Para o treinador, o processo de aprendizagem depois da equipe passar por uma mudança no comando técnico - saída de Larcamón e chegada de Seabra - tem um tempo necessário de maturação.

Neste meio tempo, o Cruzeiro passou por outro processo importante: a troca de SAF. Pedrinho, como é popularmente conhecido o empresário, dono da rede de supermercados BH, adquiriu 90% das ações do Cruzeiro SAF por R$ 600 e colocou um ponto final da era Ronaldo na Raposa. O técnico viu de perto um novo 'impacto' no dia a dia do clube mineiro.

"Eu acho que o treinador é fundamental para que a equipe obtenha resultados. O Cruzeiro, dentro de um processo todo de reconstrução, iniciou uma transição, que é de uma SAF para outra, e essa transição não necessariamente dura duas semanas, não tem um prazo. E além disso tivemos as transições de elenco, até todo mundo se entender, falar a mesma língua, compartilhar valores, leva tempo. Eu entendo que as dificuldades de resultado elas eram por mim esperadas nesse momento. Por mais que você qualifique, isso não garante que de forma automática as coisas vão se traduzir para o entrosamento e as ações que precisam acontecer de forma sincronizada no campo. Quando chegamos ao Cruzeiro, a gente troca um sistema que era uma marcação individual que vinha sendo feita pelo Nico (Larcamón) que vinha com um sistema mais zonal, e isso levou tempo. Quando chegam esses jogadores, eles também tinham outros hábitos, então de novo volta um processo de aprendizagem".

O Zona Mista do Hernan, apresentado pelo colunista do UOL André Hernan, vai ao ar às segundas-feiras, às 12h, no canal do UOL Esporte no YouTube.

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