Final de campeonato
POR LUIZ GUILHERME PIVA
Os times eram de cidadezinhas próximas, rivais.
O jogo era para ter começado mais cedo: decisão, poderia ter prorrogação e pênaltis, ia acabar escurecendo.
Até tinha refletores. Doações, rifas, bingos - com muito custo tinham posto um de cala lado.
Só que o presidente do time local não queria ligá-los. Eles haviam sido acionados só na inauguração, dois anos antes, com foguetes, banda e quermesse no gramado, e num amistoso noturno, dias depois, com o time de uma cidade maior.
A conta veio um absurdo. Ele teve que pôr dinheiro do bolso para pagar, senão cortavam a luz.
Desde então, só jogo de dia: 14h, 15h, no máximo, para não correr risco.
Mas o sol e o calor do domingo da decisão ferviam o ar. Quero-queros escondidos. Passarinhos sonolentos. Zincos em chamas. Picolés moles dentro do freezer - sumiam antes de ir para o isopor dos vendedores.
As ruas em quarentena.
Ninguém quis antecipar o início do jogo. O presidente tentou convencer, mas nem seus jogadores aceitaram.
Seria às 16h mesmo.
O pessoal chegando para assistir dos degraus de madeira e dos murundus e barrancos ao redor, disputando pedaços de sombra.
E começou.
Mas não deu outra. Jogo lento, arrastado. O suor grudava os pés dos jogadores na grama. As camisas melando. O juiz desistiu e ficou só de bermuda, encostado no muro.
0 x 0.
Prorrogação.
Quase meia hora de descanso.
Reiniciaram, mas já estavam todos resfolegando, zonzos, e com medo de levar o gol irreversível.
E o pior: tudo era quase breu.
Pediam para acender os refletores, mas o presidente disse que dava, era só uma penumbrinha. Que as lâmpadas esquentariam ainda mais o ambiente.
0 x 0 de novo.
Pênaltis.
Tudo escuro.
Tinha que acender. Não tinha como.
Mal-humorado, o presidente foi acionar o disjuntor.
Nada. Fez um chiado, uma faísca, um pequeno estouro, uma fumaça, susto geral - e não acendeu.
E agora?
Vamos bater assim mesmo. Não tem jeito. Par ou ímpar. Nem pensar. Ninguém sabia o que fazer.
Era decisão regional. Tinha que ter o campeão. As faixas e a taça na beira do campo, na mesa da Skol.
Meia hora depois resolveram que voltariam no domingo seguinte para as cobranças de pênaltis.
Às 14h!, exigiu o presidente.
Times e torcidas saindo, arrastando os pés e reclamando, espantando mosquitos, enxugando o suor.
O ar parado, como um vapor.
Eis que surgiu o eletricista.
Alguém buscou o sujeito em casa, trouxe na garupa da Vespa e disse que ele resolveria.
Ele não queria. Sabia que, se arrumasse os refletores, o time que perdesse a decisão o culparia.
Mas foi. Arrastado (depois contou que teve ameaça; outros dizem que houve uma grana, não se sabe de quem), mas foi.
Mexeu na caixa, virou botões, bateu o martelo, apertou parafusos, emendou uns fios, ninguém com muita esperança de ele conseguir.
Fachos, oscilações, pisca-pisca, palpites, desânimo, já estavam desistindo.
Mas deu.
Acenderam-se os refletores.
O presidente não gostou. O eletricista sumiu rapidinho.
A torcida e os jogadores, que aguardavam do lado de fora, começaram a voltar.
Chinelos, solas, botas e chuteiras se arrastando de novo, no sentido contrário.
O presidente com pressa, mandando acabar logo com aquilo.
Todos a postos.
Todos não.
Quase todos.
O goleiro dos visitantes sumiu.
Cadê?
Estava aqui agorinha. Onde se enfiou?
Ninguém achava.
E não acharam.
Sem ele não haveria pênaltis.
Mas tem o reserva.
Não aceitaram escalar o reserva - além de ruim, ele tinha tomado umas e outras enquanto esperava o eletricista resolver.
Resultado: não teve decisão. Todo mundo foi embora. O presidente correu e apagou os refletores.
Combinaram de decidir no outro domingo.
Mas, lógico, nunca marcaram.
Não houve campeão naquele ano.
As faixas e a taça também desapareceram - dizem tê-las visto um dia na casa do presidente, mas ele nega.
O goleiro?
Encontraram-no na segunda-feira, cedinho, no lugar de sempre, pedreiro, trabalhando normalmente.
E por que sumira?
O ônibus.
Que ônibus?
Era o último horário. Tinha que voltar para casa.
E foi.
Ninguém contestou.
Ele, de cócoras, só ajeitou o boné.
E seguiu assentando a fiada.
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Luiz Guilherme Piva publicou "Eram todos camisa dez" e "A vida pela bola" - ambos pela Editora Iluminuras
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