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REPORTAGEM

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Luiz Lima destinou ao menos R$ 12 milhões a ONGs administradas por assessor

Deputado Luiz Lima, Leo Moura e Welbert Pedro - Reprodução/Instagram
Deputado Luiz Lima, Leo Moura e Welbert Pedro Imagem: Reprodução/Instagram

12/01/2022 04h01

O deputado federal Luiz Lima (PSL), do núcleo duro de apoio ao governo federal na Câmara, repassou ao menos R$ 12 milhões para projetos administrados por seu chefe de gabinete, Welbert Pedro. Duas ONGs, o Instituto Leo Moura Sports e o Instituto Casa do Pai, atuam como intermediários dos projetos, que divulgam a imagem do deputado. A também ex-nadadora Fabíola Molina é responsável pela liberação dos recursos na Secretaria Especial do Esporte.

Os repasses ao Instituto Leo Moura foram revelados em julho de 2020 pelo Olhar Olímpico, quando a ONG já era a maior beneficiada por recursos da Secretaria Especial do Esporte. No último domingo, o Estadão revelou que a entidade já recebeu R$ 41,6 milhões a partir de emendas do orçamento secreto apadrinhadas por Luiz Lima e pelo senador Davi Alcolumbre (DEM-AP) —essas emendas não têm carimbos dos parlamentares, mas Lima e Alcolumbre já reivindicaram a autoria de projetos que beneficiam seus redutos eleitorais.

Há pelo menos nove anos, Leo Moura, ex-jogador de futebol com passagens destacadas por Flamengo e Grêmio, entre outros clubes, recebe recursos públicos para manter escolinhas de futebol no estado do Rio. Desde 2020, essas escolinhas foram turbinadas com recursos de emendas de Luiz Lima.

Até então chamado "Escolinha de Futebol e Cidadania", o projeto foi renomeado para "Passaporte para a Vitória" e já recebeu mais de R$ 25,5 milhões para seus núcleos no Rio. Ainda que toda a comunicação do projeto no Rio use a imagem de Luiz Lima, o deputado alega que só é o padrinho de convênios que somam R$ 10,4 milhões.

No Facebook, a página "Passaporte para a Vitória", que desde julho compartilha fotos do projeto, com direito a selo do governo federal, exigência legal para comprovação de publicidade do apoio público, informou em ao menos cinco postagens que Welbert Pedro é o "CEO do projeto". CEO é a sigla para a expressão em inglês "chief executive officer", que pode ser traduzida por diretor executivo. A grosso modo, o CEO é usualmente quem administra uma empresa ou entidade, cabendo ao presidente uma função mais política.

Ao anunciar a inauguração do núcleo de Nova Friburgo (onde Pedro tem feito campanha política), a página informou que ele era o "CEO do projeto PPV", mesma sigla de "Passaporte Para Vitória". O próprio Welbert Pedro afirmava, até segunda (10), na descrição do seu perfil do Instagram, que ele é "CEO do Passaporte para a Vitória". Essa informação sumiu do perfil em novo acesso ontem (11).

Imagem do Facebook do Projeto Passaporte para Vitória - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

Cadu Veras, pessoa indicada pelo gabinete de Luiz Lima para responder pela ONG e responsável técnico pelo convênio, disse que "desconhece" quem administra a página do projeto e negou, diversas vezes, que o assessor do deputado tenha qualquer relação com o projeto. "Você sabe desde quando o projeto existe? Desde 2013. Pergunta se tinha Welbert naquela época", cobrou. Ele disse que não tem responsabilidade sobre o que Welbert publica em suas redes sociais.

Também foi retirada da página de Welbert a informação de que ele é "CEO" do "Vida em Movimento", um projeto do Instituto Casa do Pai, também financiado com recursos de emendas parlamentares de Luiz Lima —R$ 1,5 milhão. O site do projeto (projetovidaemmovimento.com.br) tem uma imagem que deixa clara a relação. Uma seta com a palavra "iniciativa" aponta para o deputado. Outra, com a expressão "CEO do projeto", para Welbert.

A coluna confirmou com veículos de comunicação do interior do Rio de Janeiro, que publicaram diversos textos tratando Welbert como CEO dos dois projetos, que as informações foram repassadas por assessorias de imprensa das entidades.

Reprodução do site do Projeto Vida em Movimento - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

À coluna, Waldemar Avila, assessor de relações institucionais da ONG Casa do Pai, disse que o projeto ainda não começou a ser executado e negou que haja qualquer relação entre a entidade e Welbert. Ele não soube dizer quem criou o site que faz pré-inscrição para as aulas e apresenta Welbert como CEO, nem quem criou o perfil no Instagram, seguido pelo perfil da ONG, que tem link para esse site.

Após a publicação original desta reportagem, a coluna conseguiu confirmar que o domínio do site está registrado em nome de Welbert Pedro

Para receber verbas públicas, uma ONG precisa apresentar atestado de que seus dirigentes não têm vínculo com o poder público. O nome do assessor Welbert Pedro não consta como parte da diretoria de nenhuma das duas ONGs. O envolvimento dele com os projetos, como sugerem as imagens disponíveis em redes sociais, o site visitado pela reportagem e os relatos de jornalistas ouvidos, seria informal. Caberia à Justiça definir se essa ligação configuraria um problema legal.

Mesmo CEO, mesmos fornecedores

Apesar de o Instituto Leo Moura ter sede na cidade do Rio de Janeiro e a Casa do Pai, em Itaguaí (RJ), as duas entidades escolheram as mesmas empresas como fornecedoras, como mostram planilhas dos planos de trabalho apresentadas à Secretaria de Esportes.

Para os serviços de "recursos humanos" (contratação de coordenador, auxiliar técnico, contador etc), foram cotados os serviços das empresas Alice Produção e Eventos, Lívia Bousquet Produções Esportivas e Notícias de Tudo por ambas as ONGs. Não estão disponíveis documentos que mostrem quais empresas foram, de fato, contratadas.

Nos itens de material esportivo, as planilhas, que comparam orçamentos de três empresas em cada item, uma obrigação legal, também repetem quatro empresas: a Grandester Comercial, Star Mix Comercio, a Dry Uniformes e a Marnil Comercio de Material Esportivo. Até para alugar equipamento de som foram consideradas as mesmas três empresas: Alice Coworking, Conecta Infoseg e MV Loc.

Luiz Lima e seu chefe de gabinete não quiseram dar entrevista. A assessora de imprensa do gabinete enviou nota informando que o contrato mais recente com o Instituto Leo Moura "tinha como gestor de contrato o Eduardo (Cadu) Veras - que trabalha na instituição desde o início dos projetos, junto a outros órgãos".

"A marca 'Passaporte Para Vitória' nasceu em Nova Friburgo numa ação social realizada para adultos e crianças em agosto de 2019 na comunidade do Terra Nova, o qual (sic) Welbert Pedro idealizou e contactou amigos e empresários para fazer o evento acontecer", informou a assessoria, argumentando que "Passaporte Para Vitória" é "uma marca" e "não recebe ou já recebeu recursos públicos".

"Welbert Pedro, desde o início do mandato, está como chefe de gabinete do deputado federal Luiz Lima e, juntamente do parlamentar, acompanha as ações e o emprego dos recursos enviados aos municípios, estado e instituições. Ou seja, não é o responsável pela administração e gestão dos recursos remetidos aos Institutos Léo Moura e Casa do Pai", encerrou.

A Secretaria Especial do Esporte ressaltou que os repasses de recursos da Secretaria Especial do Esporte do Ministério da Cidadania para o Instituto Leo Moura Sports são oriundos de emendas parlamentares, que têm execução orçamentária obrigatória. "Não houve desembolso do orçamento discricionário da pasta para a entidade", destacou a pasta.