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Radamés: Atletas querem igualdade, mas não querem participar

Radamés Lattari, CEO da CBV - Divulgação
Radamés Lattari, CEO da CBV Imagem: Divulgação

22/01/2021 12h01

Realizada há duas semanas, a eleição presidencial da Confederação Brasileira de Vôlei (CBV) deixou claro o descontentamento de boa parte da elite do vôlei brasileiro com os rumos da entidade e da modalidade. As comissões de atletas de quadra e de areia, os representantes dos medalhistas olímpicos, praticamente todos os jogadores profissionais com direito a voto, as federações mais relevantes e a maioria dos clubes votaram na oposição. Mesmo assim, Walter Pitombo Laranjeiras, o Toroca, aos 87 anos, foi eleito para seu quarto mandato, o terceiro consecutivo.

Muitos atletas foram às redes sociais reclamar. "Mais quatros anos para terminar de afundar o barco... triste. Mas é assim que eu vejo. Um Titanic", comparou Sheilla. "E lá vamos nós para mais quatro anos. Voleibol respirando por aparelhos, e vamos ver se até lá não desligam! Essa atual gestão está bem longe de nos representar", criticou Tandara. William, Fabiana, Thaisa e muitos outros também fizeram críticas nesse tom.

Eleito vice-presidente, o atual CEO da confederação, Radamés Lattari, admite que, quando a poeira baixar, será necessário sentar todo mundo à mesa para aparar as arestas. Mas, em entrevista ao Olhar Olímpico, avaliou que os atletas precisam mostrar disposição para participar mais dos processos decisórios.

Olhar Olímpico - Muitos atletas importantes para o vôlei brasileiro e para a seleção demonstraram, nas redes sociais, que não confiam na atual gestão da CBV. Como recuperar a confiança deles?

Radamés Lattari - Eu acho que hoje existe um grupo que se dedicou na eleição à outra chapa e esse grupo fez pressão em cima de outros atletas. Muitos atletas que inclusive votaram contra (a situação) o fizeram para não ficarem contrários à posição daqueles que estavam liderando. Eu acredito que esse grupo conseguiu contagiar os demais e a coisa cresceu, mas eu acho que precisamos mostrar tudo que a gente tem feito em benefício [do esporte]. Os atletas não têm ideia de tudo que a gente está fazendo em prol deles.

O que por exemplo?

Na Superliga, a CBV passou a pagar as passagens, hospedagens, alimentação, pagamento dos árbitros, taxa de arbitragem, bola, piso, desafio, despesas que os clubes tinham. Se os clubes tivessem que bancar as despesas todas, isso custaria R$ 400 mil, 500 mil por clube. Se tivessem que gastar esse dinheiro, os clubes poderiam estar bancando os mesmos salários? Os atletas poderiam sofrer diminuição dos salários, ou os clubes desistiriam de competir, o que diminuiria o número de postos de trabalho. Em termos de seleção, tanto na quadra quanto na praia, a gente tem oferecido o máximo de conforto para os atletas. O Brasil é único país no mundo que 100% dos prêmios pagos pela FIVB é revertido para os próprios atletas. E na praia, a gente tem tentado, cada vez mais, aumentar o número de competições para que eles possam ter mais premiações.

Como a eleição teve votos falados em voz alta, a gente sabe que as duas comissões de atletas não votaram na situação, que os medalhistas não votaram. Isso preocupa?

Eu digo o seguinte: até um dia, dois dias antes da eleição, os dois representantes da quadra, tanto Rapha quanto Amanda, em função de todas as reivindicações terem sido 100% atendidas, não sabiam como votar contra a gente. Uma das maiores preocupações foi com a Amanda, porque, durante um bom período, ela sofreu um ataque absurdo por parte de um pseudojornalista e nunca nenhum atleta se solidarizou com ela. Nenhum grupo de atletas se solidarizou com ela. A CBV foi uma das poucas que comprou a briga a favor da Amanda. E a Amanda, assim como os demais, sofreu pressão dos atletas de votar do outro lado. É óbvio que a gente deve ter cometido erros. É óbvio que a gente precisa se aproximar, fazer uma série de coisas, mas, se você conversar com a comissão nacional dos atletas de quadra e de praia, duvido que os quatro possam dizer um ai contra a CBV. Tenho certeza disso.

E quanto aos clubes? Só o clube do Bernardinho e o Pinheiros votaram na situação. Dos outros, exceção ao Sesi-SP que se absteve, todos foram com a oposição. E são eles que fazem a Superliga. Como reconquistá-los?

Depois da eleição, eu fiz uma reunião com os clubes para falar sobre Copa do Brasil e tal e o que eles disseram é que não tinham nada contra a CBV, apenas gostariam que tivesse um maior diálogo durante a maior parte do ano, mais tempo para conversar. Todos são unânimes em dizer que a CBV dá muito para eles. Também não podemos esquecer que a maior parte dos clubes fazem parte das federações Paulista e da Mineira, e as duas federações estavam apoiando a chapa de oposição. O Guarulhos, durante a votação, me mandou uma mensagem dizendo: 'Eu te prometi meu voto, não tenho nada contra você, mas a pressão aqui está grande. Você sabe que eu sou meio brigado com o Escadinha, ele quase arruinou nosso clube aqui...', e acabou votando na oposição.

Passada a eleição, os atletas começaram a contestar o formato da eleição, em que acabou prevalecendo a vontade de estados que não fazem vôlei profissional, ante a vontade da indústria do esporte profissional, que foi em peso com a oposição. Você, Radamés, acha o atual formato bom? Acha justo?

Eu acho que hoje, a categoria das confederações passou a ser a categoria mais democrática que existe em termos de eleição porque, se você faz uma eleição nos clubes, só votam os sócios daqueles clubes. Se você faz uma eleição em qualquer sindicato, só votam os filiados ao sindicato. No caso da confederação, olha como é difícil. Tem 27 federações, que são as únicas filiadas, e surgiu uma decisão que naquela eleição você tem que dar 1/3 para clubes e 1/3 para atletas.

Mas você é contra o voto dos atletas?

As pessoas têm que entender que eu acho justo todo mundo participar. Sou a favor até de os treinadores votarem, a única que sou contra é dos árbitros, porque pode dar problema na quadra. Eu só acho que se der algum problema, as 27 federações é que têm que dividir a situação porque são as únicas que têm CNPJ. A gente teve a eleição para os atletas e sabe com quantos votos o Escadinha foi eleito presidente [da comissão de atletas da CBV]? 38 votos. Você acha que isso significa que a categoria está interessada em participar? O Rapha foi eleito com seis votos. Seis votos. O Emanuel, com 18. Hoje, os atletas querem igualdade, mas eles não querem participar. Se eles querem participar, por que não formam uma associação com CNPJ, em que cada um vai dar um pedacinho do seu salário para pagar advogado, uma assessoria para quem precisar? Mas eles dizem: "se tem CNPJ, eu não sou candidato". Ou bem ou mal, o CNPJ das federações está lá. Se acontece alguma coisa, o presidente tem que arcar com as consequências. Os atletas não. Vão lá, votam, e acabou.

Qual o compromisso deles com as categorias deles ao longo desses quatro anos? Nenhum. Eu quero mais que os atletas venham para dentro. No dia que eles vierem, eles vão ver que o que eles pensam é completamente diferente. Quando o Emanuel assumiu o Fluminense eu falei: você vai ver que metade do que você pensa não vai colocar em prática. Eu nasci e fui criado nisso. A gente tem milhões de ideias na cabeça, mas existem mecanismos que não são tão fáceis. Quando o Emanuel saiu do Fluminense ele falou: realmente é muito difícil.

Falta ao atleta participar mais de gestões?

O atleta, quando se torna dirigente, passa a entender de outra forma muito do que ele pensava que o dirigente estava fazendo errado. Eu quero é que todos eles venham para dentro. Quem são os líderes da oposição? O Escadinha. Quando montou o time dele em Guarulhos, ele chamou a imprensa falando que era padrinho e tal. O time faliu, não pagou os atletas. O diretor do time, o presidente do time e os atletas são brigados com o Escadinha. Aí, você teve o Gustavo no Sul. Não aguentou jogar a Série A, não aguentou a Série B. Teve o time do Rodrigão, que está na Série C. O time do Giba, que começou e não terminou. A situação do esporte é muito difícil, é muito ruim. O vôlei, bem ou mal, a gente ainda consegue ter receitas.

Voltando para a eleição: você disse que a legislação te obriga a dar voto aos atletas, voto aos clubes, voto às 27 federações. Mas isso pode ser feito em diversos modelos. No atletismo, metade da assembleia é atleta. No hipismo, os votos das maiores federações valem mais. O atual modelo da CBV é o melhor para o vôlei?

Até cinco anos atrás, o Bernardinho e o Zé Roberto, que são os maiores nomes do vôlei, não poderiam ser candidatos à presidência porque só podiam se candidatar presidentes de federação há mais de nove anos no cargo. Quando o Toroca foi eleito, ele mudou isso. Isso permitiu que eu e o Serginho participássemos da eleição. Já houve uma evolução bem grande, mas, talvez, não proporcional à participação efetiva dos atletas. Eles ainda não participam na mesma proporção em que participam do dia da votação. Ao longo dos quatro anos, eles podem participar muito mais. Para a próxima eleição as regras serão outras. Quais? Não sei. Essa eleição fez com que os atletas percebessem o quanto são importantes. Essa eleição conseguiu despertar algo que estava adormecido nos atletas.

Os atletas acordaram e muitos têm criticado a CBV nas redes sociais. Faltam seis meses para a Olimpíada e muitos dos selecionáveis estão criticando a gestão. Como apaziguar?

O que eles falam é: 'Está na hora de renovar', mas não ouvi quais são as soluções que eles apresentam. Seria burrice da nossa parte ficar quatro anos brigado com clube, atleta, federação, qualquer pessoa que seja. Agora é baixar a poeira, tentar reunir e ver quais as reivindicações de cada segmento. O que vocês querem de mudança, quais as soluções para que essas mudanças ocorram? Quando iniciar o período de seleção, a gente vai ter a proximidade com os atletas e vamos conversar bastante com eles.

Durante um debate antes da eleição, o Alberto Murray, que foi candidato à presidência do COB, te questionou sobre o seu salário. Você se recusou a responder, e ele fez um texto te criticando fortemente. Por que não revelar seu salário?

Eu sou contra falar o salário de qualquer pessoa. É um ponto de vista que eu sempre tive, não é de hoje.

Nem quando o salário é pago com recurso público ou com dinheiro de uma entidade que recebe dinheiro público?

A Caixa Econômica patrocinou todos os times de futebol. Se colocou todos os salários de todos os jogadores que eram patrocinados pela Caixa? Honestamente, eu não acho justo.

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