Milly Lacombe

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Neymar não acerta nem quando acerta

Neymar reuniu famosos para uma noite de leilão que visava arrecadar dinheiro para seu instituto, esse mesmo que hoje está nos noticiários por ter empregado o amigo de Robinho que estava ao lado dele na ocasião do estupro na Itália: Fabio Galan. Galan será julgado aqui no Brasil nessa quarta-feira, 5 de junho.

Sobre o leilão que visou arrecadar dinheiro para o Instituto Projeto Neymar, o jogador prometeu que igualaria o valor arrecadado numa doação ao Rio Grande do Sul. Mais detalhes ainda não foram dados sobre o destino do dinheiro mas seria bacana se Neymar não encaminhasse o valor anunciado de 21 milhões para a tal da conta privada que o governador do estado Eduardo Leite disse estar usando para amontoar as doações e só depois ver como vai usar. Chamam de gestão, mas parece mais com perversão já que o dinheiro precisaria ser aportado de imediato. Enfim. Essa é história para outro texto. Quero falar do leilão de Neymar e de seu instituto que emprega gente acusada de ter participado de estupro coletivo.

Parece apenas uma prática decente essa de fazer um leilão para arrecadar grana para seu instituto, certo? Vejam como o instituto se define na capa de seu site:

"O Instituto Projeto Neymar Jr. é uma associação civil sem fins lucrativos, que tem por objetivo ampliar as oportunidades de crianças, adolescentes e suas famílias, que vivem em situação de vulnerabilidade social, por meio da educação, cultura, esporte e saúde".

Tudo muito bonito e poético ao primeiro olhar. Tudo muito importante também porque precisamos de projetos sociais. Mas vamos ao contexto.

Para arrecadar fundos para um instituto que se apresenta como projeto social aos mais necessitados, Neymar promove uma balada ultra-luxuosa. É prática comum entre milionários, verdade, mas nem por isso vamos deixar de pontar o mau gosto na ação.

A caridade, aliás, é atitude que carrega poder e foi devidamente estruturada pelo mesmo sistema que produz a desigualdade. É através da caridade que aqueles que trabalham em nome da concentração de renda aliviam suas consciências. A caridade, por mais que possa atuar aliviando o sofrimento de alguns vulneráveis, não existe para transformar nada. Ela existe para manter as coisas como são. Nós aqui, vocês aí. Não venham se misturar não.

A solidariedade é outra coisa. Enquanto a caridade é vertical a solidariedade é horizontal. Neymar poderia, por exemplo, ir ele mesmo servir pratos em abrigos no Rio Grande do Sul, enxergar de perto as necessidades, falar com refugiados climáticos e, então, direcionar seu dinheiro para pessoas, municípios e ONGs de forma mais ajustada e apaixonada. Mas não vejo Neymar saindo de seus castelos para agir assim.

De todo modo, ele diz que vai doar ao Rio Grande do Sul o mesmo valor arrecadado durante o leilão para sua instituição. E, também elogiável, ele e seu pai criaram um instituto que tem a capacidade de realizar ações que têm impacto em até 10 mil pessoas, segundo o site. Beleza. Sigamos.

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Essa instituição que vai receber o dinheiro arrecadado no leilão-balada emprega o homem acusado de ter participado do estupro coletivo ao lado de Robinho, que já está em cana. Parte do dinheiro arrecadado, portanto, serve para pagar o salário de pessoas acusadas desse tipo de crime. Confrontado, o instituto soltou uma nota protocolar com o trivial patati patatá dizendo que respeita o direito das pessoas isso e aquilo. Direito do acusado, no caso. Porque para a vítima o Instituto não liga a mínima; não teve uma linha para ela.

E faz sentido que assim seja se a gente compreender o que Neymar pensa a respeito da violência contra a mulher.

O que ele pensa?

O que pensa alguém que diz que deveriam enfiar um sapato na boca de Luana Piovani? Um homem que grava um vídeo com essas palavras pensa o que sobre violência de gênero, Brasil?

Ele é contra? Ele acha um nojo silenciar mulher ou ele acha que, dependendo da mulher, pode sim meter um sapato na boca dela e dane-se? Será que ele acha grotesco bater em mulher? Se a mulher for chata, falar mal dele, criticar seu lado pai, será que nesse caso pode então? Mete aí alguma coisa na boca dela e cala essa desgraçada.

O que significa colocar um sapato na boca de uma mulher? Silenciá-la, correto? Sabem como silencia-se mulheres no Brasil e no mundo? Vocês sabem.

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Mais: ele e seu pai colaboraram com o condenado por estupro Daniel Alves em sua defesa. O que pensam sobre estupro Neymar pai e Neymar Jr?

O instituto se chama Instituto Projeto Neymar Jr. É isso. Tudo está aí. Neymar é um projeto, um projeto que teima em se associar ao que há de mais miserável na sociedade. Um projeto que não é capaz de acertar nem mesmo quando promove um leilão para arrecadar dinheiro para si mesmo. Um projeto que quer privatizar praias, colocar sapato em boca de mulher, apoiar candidato que diz que estupro é elogio e merecimento (Bolsonaro disse isso), investir mais e mais em empreendimentos que destruam o planeta e aprofundem a concentração de renda. É triste demais ver um de nossos maiores ídolos, um jogador fora-de-série, um artista do futebol, um homem abençoado com o dom de encantar dentro de um campo escolhendo seguir por essa trilha fora dele.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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