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'Profeta do apocalipse', João Gordo canta sobre crise e apoia 'povo da rua'

 João Gordo e Vivi Torrico - Rodrigo Ferreira e Ugo Soares/UOL
João Gordo e Vivi Torrico Imagem: Rodrigo Ferreira e Ugo Soares/UOL

Giacomo Vicenzo

De Ecoa, em São Paulo (SP)

31/07/2023 06h00

"Um filha da puta em desconstrução", assim se descreveu o apresentador, músico e ativista João Gordo em entrevista recente para o UOL. João Francisco Benedan, 59, rodou o underground mundial como vocalista (e principal letrista) da icônica banda Ratos de Porão. Ficou mais conhecido do público mainstream, no entanto, por seus trabalhos como apresentador e entrevistador - primeiro na Mtv, depois na Record e no YouTube.

Enfrentando alguns problemas de saúde e tentando deixar o consumo de álcool de lado, João foi se aproximando do "vício do outro" por meio do projeto Solidariedade Vegan, criado por sua esposa Viviane Torrico, com a sua ajuda, no auge da pandemia de covid-19. Através do ativismo 'na prática', ele começou a mudar sua forma de ver o mundo, em especial, a visão que tinha das pessoas em situação de rua.

Eu realmente não conseguia enxergar o povo da rua e comecei a ver esse tipo de ação, mudou muito a minha visão. Eu era frio como qualquer paulista, e não estava nem aí, hoje em dia já é uma coisa que me toca. Sempre tenho um saco de feijão no carro. João Gordo

O projeto de solidariedade que leva comida a pessoas em situação de rua surgiu depois que a Central Panelaço, misto de restaurante vegano e loja alternativa, criado por Gordo e Vivi fechou no auge da pandemia de covid-19.

"No começo da pandemia fechamos o restaurante e sobrou muita coisa. Resolvemos pegar o que sobrou e levamos para um pessoal debaixo do Viaduto do Glicério, os caras não tinham nem água para beber e no meio disso tudo tinha o Magrão que era um amigo nosso, um catador de papelão, isso tocou muito a Viviane, que chegou em casa chorando e toda a família se uniu para ajudar", conta João Gordo em entrevista para Ecoa.

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Rock in Rio 2022: Ratos de Porão se apresenta no Palco Supernova no primeiro dia do evento
Imagem: André Horta/Brazil News

A primeira entrega de alimentos aconteceu com dinheiro do próprio bolso da família, que preparou 78 marmitas. Hoje, há mais de 80 voluntários que colaboram com o projeto e entregam até 200 marmitas diariamente.

Quem toca mesmo é a Viviane, eu sou só a voz do projeto. Quando começou eu já estava fodido de saúde, muito mal do pulmão e não podia estar andando por aí.

João Gordo.

Desde 2022, João Gordo afirmou nas redes sociais que trata uma DPOC (Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica), que dificulta sua respiração e está ligada às doenças de bronquite crônica e enfisema pulmonar, relacionadas ao tabagismo na maioria dos casos.

Solidariedade punk que alimenta e aquece os 'manos das ruas'

A atitude punk do vocalista do Ratos de Porão (que com seu disco "Crucificados pelo sistema" foi a primeira banda do gênero a gravar um LP na América Latina) também consiste em levar marmitas às ruas sem alimentos de origem animal. A escolha parte da dieta dele e de sua esposa, que priorizam o veganismo e o vegetarianismo na alimentação.

Como você vai dar carne que vem cheia de maldade e crueldade para pessoas que também estão passando por maus-tratos? A comida vegana é muito mais barata.

Viviane Torrico.

Fazer parte da cena de punk rock e heavy metal ajudou com que João Gordo e Torrico estimulassem bandas a participarem de iniciativas para ajudar pessoas em situação de rua - como com a ação 'Bandeirões contra o frio".

A iniciativa começou no inverno do ano passado. A ocupação Alcântara Machado tinha um grande problemas com pombos que entravam para defecar. As pessoas em situação de rua colocavam cobertores sujos, pesados e que não permitiam a entrada de luz nem ventilação.

Viviane Torrico.

Agora, o local está protegido e decorado com os chamados backdrops das bandas. "Algumas bandas não usam [mais os bandeirões] e deixaram o local mais bonito e coberto, tendo como primeiras doações os bandeirões de Ratos de Porão, Sepultura, Krisiun, Torture Squad, Nervosa e Dead Fish. Atualmente, recebemos backdrops de algumas bandas do underground paulista", afirma Torrico.

João Gordo ajuda a 'instalar' bandeirões na ocupação Alcântara Machado debaixo do viaduto. - Viviane Torrico/ Arquivo Pessoal - Viviane Torrico/ Arquivo Pessoal
João Gordo ajuda a 'instalar' bandeirões na ocupação Alcântara Machado debaixo do viaduto.
Imagem: Viviane Torrico/ Arquivo Pessoal

"Nós somos da escola do 'faça você mesmo'. Gostamos de pensar de que o metal/punk/hardcore protege e aquece os manos da ruas", diz Torrico para Ecoa.

Um punk no pagode para um mundo melhor

A conexão com a população da rua vai para além das entregas de marmita: o projeto Solidariedade Vegan também se une a grupos como o Pagode na Lata, que trabalha a redução de danos com usuários de crack e foi uma conexão importante para João Gordo compreender as pessoas nessa situação.

Uma das maiores experiências foi tocar pagode no fluxo com essa política de redução de danos. Na hora que estão tocando com a gente eles não estão fumando crack. É possível entender que é uma comunidade de pessoas doentes.

João Gordo.

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Apresentação do Pagode na Lata, grupo de músicos formado por assistentes sociais, ex-usuários e usuários em recuperação.
Imagem: Andre Porto/UOL

Em parceria com o Centro Cultural independente Matilha Cultural também levam cinema e socialização às pessoas em situação de rua.

Para Marco Aurélio Bini, 44, ajudante de pedreiro, a atenção que recebeu nesses projetos, e ajuda da família de João Gordo, foi essencial para deixar as ruas. Ele, hoje, vive em uma casa em Osasco, região metropolitana de São Paulo.

No projeto, olhavam a gente de outra maneira, não como todo mundo olha, como um drogado, um vagabundo, muita gente passava pela gente e tapava o nariz, tinha um olhar indiferente. Há três anos que não bebo.

Marco Aurélio Bini.

Punks sempre vigiaram destruição da natureza

"Morte pra quem defende o verde e os animais/Doenças, misérias, queimadas, devastação/Por que ninguém faz nada para os deter?/Cuidado, senão, Amazônia nunca mais!", Ratos de Porão, "Amazônia Nunca Mais" (1989)

rdp - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Ratos de Porão celebrando o aniversário do disco "Brasil" na íntegra
Imagem: Reprodução/Instagram

Há 17 anos que João Gordo aderiu a uma dieta vegana, e entre as principais causas está a não exploração animal. Causas e alertas ambientais estão em sua música há mais de uma década, como em 2007, quando a banda Ratos de Porão cedeu a música "Amazônia Nunca Mais" ao Greenpeace.

Recentemente, em suas redes sociais o músico relembrou a composição "Extinção em Massa", que fez em parceria para a banda Krisiun, lançada no álbum de 2011, que já alertava para o que o muito difundido antropoceno, era geológica marcada pelas ações do homem na natureza.

No movimento punk sempre fizemos letra de apocalipse nuclear nos anos 80, sempre teve essa paranoia com o fim do mundo e com a preocupação com a natureza e o que o homem branco faz para destruir, explorando sem preocupação. Fiz essa letra após ver um documentário em que era evidente a participação do homem na sexta extinção em massa. O homem e o capitalismo em si sugam as condições naturais sem pensar em nada.

João Gordo.

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