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Após transplante de coração, ela virou atleta e ganhou medalha 'olímpica'

Patrícia Fonseca nunca tinha sido atleta antes de transplante de coração e já conquistou duas medalhas após a cirurgia. - Arquivo pessoal/Patrícia Fonseca
Patrícia Fonseca nunca tinha sido atleta antes de transplante de coração e já conquistou duas medalhas após a cirurgia. Imagem: Arquivo pessoal/Patrícia Fonseca

Giacomo Vicenzo

De Ecoa, em São Paulo (SP)

04/07/2023 06h00

Em julho de 2015, uma vida deixou de existir em São Paulo. Da pessoa, não se sabe nem o nome, apenas que o coração ainda funcionava saudável e que junto com a família havia decidido ser doador de órgãos.

Do outro lado, a economista Patrícia Fonseca tinha acabado de completar 30 anos em uma UTI de hospital. Mesmo bastante delibitada, a data era praticamente um milagre para quem, logo nos primeiros dias de vida, recebeu uma sentença dos médicos: com uma grave cardiopatia, ela não passaria nem dos 3 anos de idade.

Após cinco meses de espera por um doador, uma hipertensão pulmonar que precisou controlar antes e mais cinco horas de cirurgia (tempo máximo entre a retirada e o implante do órgão), as duas histórias se juntaram. Patrícia, hoje com 37 anos, relembra até hoje o presente de aniversário mais importante que recebeu:

É tão emocionante receber o sim de uma doação de órgão, a pessoa escolheu te salvar sem nem te conhecer. É um gesto de amor muito grande, e você é contagiado por isso", Patrícia Fonseca.

Recuperando o tempo perdido

Com um coração novo batendo no peito, a vida de Patrícia começou a mudar. Se na infância e adolescência ela não conseguia participar da educação física ou ir a alguns eventos com amigos por causa da saúde delicada, após a cirurgia, ela viu novas possibilidades.

"Em minha vida toda nunca pude fazer exercícios físicos. Mas logo no primeiro mês de transplante estava na academia do hospital me reabilitando", conta Patrícia, que depois de um ano e meio com coração nove começou a correr, pedalar e nadar com frequência.

Patrícia Fonseca e Priscilla Pignolatti na prova de ciclismo em Perth - Austrália  - Arquivo pessoal/Patrícia Fonseca  - Arquivo pessoal/Patrícia Fonseca
Patrícia Fonseca e Priscilla Pignolatti na prova de ciclismo em Perth - Austrália
Imagem: Arquivo pessoal/Patrícia Fonseca

Os passatempos esportivo viraram coisa séria, e em 2017, ela participou a primeira vez do WTG (World Transplating Games) - conhecido como "Olimpíada dos Transplantados" na Espanha, depois em 2019 na Inglaterra, quando conquistou sua primeira medalha de bronze, e agora em 2023 levou a prata que ganhou na categoria de ciclismo em dupla na Austrália.

Patrícia foi a única transplantada de coração em sua categoria, ciclismo em equipe e triatlo, e teve de vencer além dos adversários um desafio da própria condição física dela:

"Quando o meu coração foi transplantado, cortou ao redor e não tem como religar todos os nervos. Então, ele demora mais para bater mais rápido, e atingir o batimento ideal em uma prova por conta da denervação. Sinto que o fato de ter me tornado atleta ajuda a desmistificar e inspirar outros transplantados mostrando que existe muita qualidade de vida depois do transplante".

Para Priscilla Pignolatti, gerente de projetos, 47, transplantada renal e que foi dupla de Patrícia na prova de ciclismo, foi um trabalho em equipe e estratégico. "O staff ajudou na criação da estratégia e comunicava como estávamos em cada volta, o que fez termos ainda mais guerra para conquistar essa medalha", lembra.

369 pessoas esperam por um coração

A vida ativa e a possibilidade de mais autonomia fizeram Patrícia pensar em quem está na espera na fila de trasplante esperando um doador compatível ou em quem já realizou a cirurgia e agora mantém incertezas sobre como é viver com um órgão transplantado.

Por isso, Patrícia criou a ONG Soudoador em 2016, que luta pela conscientização da doação de órgãos e reúne histórias de pessoas que passaram e esperam pelo transplante.

Apesar do Brasil ainda ser uma referência internacional no procedimento, 45% dos casos em que a doação não é concretizada se dá pela recusa da família em doar, segundo os últimos dados da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos — um aumento de 3% em relação ao ano anterior.

Hoje, 369 pessoas esperam por um coração, assim como Patrícia. No geral, 56.453 pessoas que aguardam por algum tipo de órgão, de acordo com o último RBT (Registro Brasileiro de Transplantes).

Fazendo virar lei por alguém que não teve tempo a esperar

Em abril de 2019, Tatiane Penhalosa, que assim como Patrícia esperava por um transplante de coração, morreu. Em dois anos na fila, o órgão nunca chegou. No mesmo ano, 218 pessoas morreram esperando por um coração enquanto mais de 5.400 famílias disseram não à doação de órgãos.

Tatiane era amiga pessoal de Patrícia, que transformou a perda em força para ajudar outras pessoas, criando a Lei Tatiane (PL 2839/2019), com o objetivo de levar o assunto da doação e transplante de órgãos e tecidos nas escolas e faculdades do país.

"Desenvolvemos nos últimos anos, junto a pedagogos, um material didático sobre doação e transplante de órgãos e tecidos inédito e autoral, que será disponibilizado gratuitamente para as escolas e faculdades de todo Brasil".

O projeto de lei agora aguarda aprovação no Senado.

'Me mostrou que não era meu fim'

O engenheiro de produção Luis Pereira,49, atleta praticante de diversos esportes desde a infância, se tornou amigo de Patrícia no ápice na pandemia de covid-19, mesmo momento em que descobriu que teria que passar por um transplante de coração e um de medula óssea, e pensei que não seria possível continuar suas atividades físicas.

Luis Pereira correu junto com Patrícia na Olimpíada Dos Transplantados e viu nela uma inspiração. - Créditos: Arquivo pessoal/Patrícia Fonseca  - Créditos: Arquivo pessoal/Patrícia Fonseca
Luis Pereira correu junto com Patrícia na Olimpíada Dos Transplantados e viu nela uma inspiração.
Imagem: Créditos: Arquivo pessoal/Patrícia Fonseca

Pereira entrou em contato com Patrícia, tirou dúvidas e disse a ela que se sobrevivesse ao transplante queria correr com ela no WTG da Austrália em 2023.

"Ela me prometeu que correríamos. Isso mudou completamente a minha atitude durante a espera pelo coração. Corremos juntos, e o fato de ela ter aparecido na minha vida me mostrou que aquilo não era meu fim, que se eu me esforçasse eu não somente sobreviveria, mas venceria", diz Pereira.

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