Óleo de Olivia

Astro do MasterChef e vocalista punk, chef Henrique Fogaça virou ativista do canabidiol para salvar a filha

Camilla Freitas De Ecoa, em São Paulo (SP) KeibyAndrade/UOL

"Sua filha não vai sobreviver". Ouvir isso de um médico pode ser devastador para qualquer pai. Mas Henrique Fogaça, 48, sabia que o pediatra estava errado. "Ele foi muito filho da puta".

Olivia Corvo Fogaça nasceu com uma síndrome até hoje não identificada pelos médicos. Os sintomas, contudo, eram bem nítidos.

Sua expressão facial era limitada - quase inexistente - e ela vivia deitada. A curvatura da coluna guiava seu olhar para baixo e as convulsões eram frequentes. Três, quatro, cinco, seis por dia. O corpo de Olivia tremia, os olhos viravam e o coração dos pais apertava. Quadro que há cerca de quatro anos mudou por completo.

Hoje, quando sai com o pai, Olivia olha para todos os lados de cabeça erguida e chega a ficar bravinha em meio a toda movimentação nos passeios que faz com ele. O que até alegra Fogaça.

O pai é punk

A cena do pai amoroso com a filha pode ser inimaginável para quem tem em mente a pose de bad boy do punk rock que o chef, dono das redes de restaurantes Sal e Cão Véio, apresenta como jurado do programa MasterChef Brasil desde 2014.

Mas faz parte da personalidade de Fogaça defender aquela que julga ser a responsável por essa melhora em Olivia: a maconha, mais especificamente, o óleo de canabidiol extraído da erva.

Quando, em outubro, o Conselho Federal de Medicina (CFM) restringiu o uso do CBD para diversas patologias, o chef utilizou a voz rouca - geralmente usada ou para gritar com os cozinheiros participantes do MasterChef Brasil ou para entoar as letras de sua banda de hardcore, a Oitão - para defender o medicamento. "Como pai, faço o que tenho que fazer", diz Fogaça.

Ele não só se tornou um defensor da liberação da maconha medicinal como pretende lançar em breve um instituto com objetivo de tornar acessível o óleo de CBD para famílias em situação de vulnerabilidade - quem sabe até por meio do SUS (Sistema Único de Saúde).

"Espero que os órgãos competentes possam olhar com mais humanidade para o povo, olhando a realidade no CBD sem preconceito, sem ignorância e que a gente viva num mundo melhor com mais entendimento sobre o assunto para ajudar pessoas que precisam, assim como a minha filha, desse tratamento", afirma.

Reprodução Olivia (à esquerda) e Fogaça (à direita). Filha de MasterChef faz uso de CBD há quatro anos.

Olivia (à esquerda) e Fogaça (à direita). Filha de MasterChef faz uso de CBD há quatro anos.

Vive, Olivia

Quando nasceu, Olivia não chorou. Algo estranho para um bebê que passou nove meses quentinho dentro da barriga da mãe, comentou Maria Luisa Aranha Fogaça para o filho.

Já na incubadora neonatal, o MasterChef via a filha fraquinha, o que o preocupou logo de início. O que poderia ser? "Ela tinha muita pneumonia, passamos muito tempo com ela nos hospitais e qualquer coisa ela ficava internada, intubada. Foi muito preocupante e muito triste ver uma criancinha, minha filha, nessa situação", lembra Fogaça.

O diagnóstico terminal do médico - "Isso é coisa que se fale?" - não o convenceu e a partir dali começava a busca por respostas.

"Durante três anos fomos atrás de geneticistas de vários hospitais para poder detectar o que a Olivia tinha. Até que um dia eu cheguei na Fernanda (Fernanda Corvo, sua ex-esposa) e falei: 'desencana, vamos parar de procurar o que ela tem e dar o amor e carinho que ela precisa'", conta Henrique Fogaça.

Olivia é a primogênita de Fogaça e, mesmo depois da sentença de morte de seu primeiro pediatra, a filha do chef fez 16 anos neste mês.

Reprodução
Francis Mayry (à direita e embaixo) foi quem apresentou o tratamento com CBD a Fogaça.

Maconha cura?

O óleo de canabidiol, que mudou a vida de Olivia, chegou a ela por meio de Patricia Lanzoni, assessora pessoal de Fogaça. Em um encontro com mulheres feministas em Brasília, ela conheceu Francis Mayry, que até então trabalhava na empresa Hempmeds, uma das pioneiras no fornecimento de produtos à base de CBD.

"Ela [Patricia] me falou que os pais estavam desesperados, já tinham tentado de tudo e o quadro dela vinha se agravando. Eu não sabia que era filha do MasterChef, mas me sensibilizei com a história", diz Mayry, que se disponibilizou a conseguir o óleo de CBD para Olivia por meio da Hempmeds.

Apesar do próprio receio do médico de Olivia, Fogaça não deixou de tentar o tratamento com CBD e hoje se sente extremamente grato por essa descoberta. Assim como a própria Francis.

Mães da Cannabis

"Peraí que eu já volto". E Francis Mayry esperou pelo estranho que a abordou em um evento em Brasília. Ele retornou com um frasquinho contendo um novo "remédio" para ela usar no olho extremamente vermelho e irritado.

Em meados de 2013, Francis foi diagnosticada com degeneração da mácula do olho direito, o que, traduzindo, significava que ela passaria a viver à base de pomadas antibióticas e colírios.

Só que durante semanas o tal frasquinho com remédio milagroso ficou encostado, Francis não teve coragem de usar. Durante uma crise de extrema irritabilidade e dor no olho, ela não resistiu. "Que mal tem? Qualquer coisa eu suspendo o uso", pensou.

A piora não veio, muito pelo contrário. Após seis meses, ela suspendeu o colírio e a pomada e só passou a usar o tal remédio, o óleo de cannabis. "Depois disso resolvi aprender tudo sobre a cannabis medicinal", conta.

Assim, Francis Mayry chegou na Hempmeds e criou sua própria organização, a "Mães da Cannabis", para ajudar mães solo com crianças que precisam fazer uso de medicamentos à base da cannabis.

Quando falam a respeito de canabidiol é muito abordada a questão econômica, que a pesquisa e comercialização vai gerar empregos, por exemplo, ou os relatos das famílias, que mostram como o canabidiol traz resultados para a saúde. Mas existe o universo dessas mães que dedicam suas vidas aos filhos e não conseguem trabalhar ou sair.

Francis Mayry, criadora do Mães da Cannabis

Instituto Olivia

Depois de conhecer Fogaça e ajudar Olivia, Mayry vai se unir ao chef em uma nova empreitada. Para que o tratamento à base do canabidiol ajude mais pessoas de forma gratuita - na farmácia, um remédio feito com CBD pode chegar a R$ 1.500 - eles uniram forças para criar o Instituto Olivia.

"Como estou engajado com o CBD, muitas pessoas estão me procurando interessadas no assunto porque o uso medicinal do CBD no Brasil ainda é novidade. Na Europa e nos Estados Unidos as discussões já são mais avançadas", comenta Fogaça. "Por isso estamos no processo de criação do instituto e de uma marca própria de óleo de CBD", finaliza.

A legislação brasileira proíbe o cultivo de maconha - considerada uma droga - em território nacional. Para produzir medicamentos à base de CBD, é preciso importar a matéria-prima. Todo esse processo legislativo que envolve não só a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), mas o Congresso Nacional e a Presidência da República tem atrasado o lançamento do instituto.

"Nós já estamos com uma ação judicial montada para entrar com pedido de cultivo pelo instituto porque precisamos explicar o motivo pelo qual queremos plantar já que existe uma série de regras que a gente tem que seguir", explica Francis. Para o plantio e uso da cannabis medicinal, é preciso a autorização da Justiça.

Conhecimento é poder

O desafio de Fogaça e Mayry para lançar o Instituto Olivia ganhou mais um obstáculo quando o Conselho Federal de Medicina publicou uma resolução restringindo o uso do CBD no Brasil.

Na nova norma, os médicos só seriam autorizados a receitar o canabidiol para o tratamento de epilepsias de crianças e adolescentes que não respondessem aos tratamentos convencionais para Síndrome de Dravet e Lennox-Gastaut e para o Complexo de Esclerose Tuberosa.

A decisão pegou de surpresa Henrique Fogaça, que foi às redes sociais manifestar-se contra a decisão ao lado da filha Olivia.

O efeito de causa e consequência não pode ser comprovado, mas é fato que depois da repercussão que o vídeo teve (até o momento de publicação dessa reportagem, no Instagram, o vídeo contava com mais de 400 mil visualizações) o CFM revogou a norma e abriu uma consulta pública para debater o caso.

"O CFM compreende os anseios de pacientes e seus familiares com respeito ao tratamento de doenças, porém entende ser fundamental que todas as decisões sobre o uso ou não de determinadas substâncias sejam tomadas de forma isenta", disse a entidade em nota.

"A indústria farmacêutica lucra vendendo remédios, se você entra com o CBD que serve para diversas patologias, o quanto [de dinheiro] que eles não vão perder, né? Então, rola essa guerra de interesse. As pessoas que criam as leis, que vão aprovar ou não o uso do CBD, deveriam ter mais humanidade, olhar mais para as pessoas", afirmou Fogaça sobre o caso.

A postura do chef, carinhosa ao falar sobre a filha Olivia, muda quando o assunto gira em torno das políticas do uso medicinal (ou não) da maconha. "Você não vê maconheiro matando os outros... Agora, alcoólatra você vê atropelando, dando facada, dando tiro".

Para romper o que Fogaça acredita ser uma falta de conhecimento, que gera preconceito contra o uso do canabidiol, o pai e ativista reafirma seu ativismo em defesa do CBD: "Sou muito grato em ter conhecido canabidiol e, como pai, sou um instrumento da minha filha para poder disseminar essa informação. Conhecimento é poder e, se você não tem conhecimento, você tem preconceito".

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