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Rico Vasconcelos

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Já passou da hora de pensarmos em vacina para Monkeypox no Brasil

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

17/06/2022 04h00

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Semana passada, escrevi nessa coluna que o Monkeypox havia chegado ao Brasil. Não imaginava, quando escrevi aquilo, que em menos de uma semana já teria que atender no meu consultório um caso da doença, o terceiro caso confirmado em São Paulo, de acordo com o Ministério da Saúde.

O surto da doença, antes chamada de Varíola dos Macacos, se iniciou no reino Unido no início de maio e, em pouco mais de 1 mês, já conta com quase 2.000 casos confirmados em mais de 30 países ao redor do mundo. A mudança do seu nome para Monkeypox foi uma sugestão do Ministério da Saúde com o objetivo de evitar qualquer estigma em relação aos primatas.

No Brasil já temos 5 casos confirmados e 13 suspeitos em investigação. E pelo andar da carruagem, esse vírus ainda vai se disseminar bastante no país.

As outras epidemias de doenças transmissíveis da história da humanidade, como as de HIV ou Covid-19, já nos ensinaram que enquanto dispusermos apenas de medidas comportamentais de prevenção, o impacto no controle da transmissão será apenas limitado. São exemplos disso a recomendação do uso da camisinha nas relações sexuais ou da máscara.

É com a chegada dos métodos de prevenção biomédica, tais como a Profilaxia Pré-Exposição ao HIV (PrEP) e a vacina contra o Sars-CoV-2, que conseguimos virar o jogo e vislumbrar uma melhora no enfrentamento dessas epidemias.

No caso do atual surto de Monkeypox, temos um importante dado ao nosso favor. A vacina contra a varíola humana, doença erradicada no início da década de 1980, é capaz de promover uma razoável proteção contra o Monkeypox.

Vamos todos nos vacinar contra a varíola humana então? A resposta é: Não. Infelizmente, não existe no mundo o número de doses da vacina para vacinarmos toda a população. Mas isso não é necessariamente um problema, uma vez que se usarmos as poucas doses disponíveis para vacinar as pessoas certas, podemos conter a disseminação do vírus e proteger toda a população.

Quer um exemplo? A partir de 2016, o mundo vivenciou um surto de Hepatite A que tinha acentuada concentração dos casos entre homens gays e bissexuais. Em 2018, já eram mais de 23 países no mundo, além do Brasil, registrando uma explosão dos diagnósticos de Hepatite A nesse grupo populacional, com a maior parte dos casos em São Paulo.

Até aquele ano, a vacina contra Hepatite A não era dada gratuitamente pelo SUS para a população adulta saudável, apenas para crianças com menos de 5 anos. Mas o governo do Estado de São Paulo tomou a sábia decisão de disponibilizar as doses e vacinar toda a população gay, conseguindo rapidamente controlar o surto no estado.

Essa foi a primeira vez na história do Brasil que a orientação sexual de uma pessoa seria usada como critério de indicação de vacinação, e o anúncio dessa acertada ação de saúde pública foi feita durante a Parada LGBT de 2018.

O surto atual de Monkeypox, assim como o de Hepatite A, tem registrado de forma clara a maior parte dos seus casos entre homens gays e bissexuais. O ativismo LGBT tem se incomodado com essa constatação, por considerar que divulgar essa informação seria mais uma forma de estigmatização de um grupo populacional já soterrado de discriminações.

Como médico infectologista e homem cis gay, penso de maneira diferente. Penso que, seguindo o princípio da equidade do SUS, se um grupo está sendo desproporcionalmente afetado por uma doença, ele deve ser priorizado nas medidas de controle.

Alertar para o padrão desigual de disseminação de um vírus na população é uma forma de proteger os mais acometidos. É uma forma de cobrar agilidade do poder público nas ações que podem de forma efetiva conter o surto.

No próximo domingo acontece em São Paulo a Parada LGBT de 2022. Será que já não está na hora de discutirmos a vacinação contra a varíola humana para homens gays e bissexuais?