Elânia Francisca

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Opinião

Os pelos na puberdade: adolescente tem que se depilar?

Minha amiga, que tenho há mais de 20 anos, é mãe de uma menina que eu conheço desde o nascimento. Lilica (nome fictício) é muito vaidosa e gosta bastante de brincar com pinturas, maquiagens e roupas com brilho. É uma menina que sempre se mostrou divertida e sociável. Toda vez que a vejo, ela me cumprimenta com um sorriso no rosto e conta algumas das coisas que está vivendo na escola ou com suas amigas.

Certa vez, quando ela tinha por volta dos 9 anos, me perguntou com o que eu trabalhava. Contei que sou psicóloga e atendo adolescentes, especialmente quem está vivendo conflitos com as mudanças da puberdade. Obviamente, falei numa linguagem que ela conseguiria compreender.

Lilica pareceu não dar muita importância, só respondeu "Ah, legal!" e correu para brincar com outras crianças.

Três anos depois disso, recebo uma mensagem de minha amiga: "Lilica disse que quer conversar com você. Quando puder, liga para ela".

Mais tarde, naquele mesmo dia, mandei mensagem para a menina e, para minha grata surpresa, ela se recordou da conversa breve que tivemos: "Você tira dúvidas de adolescentes na puberdade, né? Eu queria saber uma coisa, mas é muito íntimo".

Vejo na tela que ela está gravando um áudio...

Alguns minutos se passaram e a gravação seguia. Aguardei, imaginando que ela poderia estar contextualizando sua questão e me dando detalhes do que queria saber.

A mensagem chega, mas são apenas quatro segundos de gravação. No áudio ela é direta: "É normal crescer pelos na região do ânus?" (o termo usado foi outro, mas aqui eu adaptei).

Enviei um áudio explicando que sim, que é normal os pelos surgirem nessa região quando se está com 12 anos (idade dela nessa época), falamos sobre a puberdade e as mudanças que estavam acontecendo com ela, perguntei se ela notava mais mudanças e como lidava com isso. Foi uma conversa breve, na verdade uma troca de mensagens breve.

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Depois comprei um livro para ela e montei uma cestinha com itens para períodos menstruais e hidratante. Antes, eu pedi permissão à mãe dela para enviar o presente.

Dias depois, a mãe da menina me comunica que era hora de agendar a depilação, afinal a filha estava muito peluda. Perguntei o que Lilica achava de se depilar e a genitora me conta que, devido ao engrossamento dos pelos da perna, buço e axilas, a adolescente vinha sofrendo bullying na escola e queria que aquela perseguição acabasse, por isso aceitava o procedimento.

Na semana seguinte, Lilica estava com pernas e rosto depilados, disse estar se sentindo bonita, leve e aliviada, pois ninguém mais falava de seu corpo e pelos.

Ao contar essa história, modifiquei alguns elementos que poderiam identificar Lilica, mas mantive as questões centrais e importantes para nossa reflexão.

  1. Inicialmente, Lilica não sabia muito sobre puberdade e as mudanças que ela traz;
  2. Lilica não sabia onde os pelos cresceriam em seu corpo e se espantou com aquela transformação numa região tão íntima;
  3. Ainda bem que Lilica sabia onde procurar e com quem falar sobre a angustia gerada pela ausência de informações sobre puberdade;
  4. Lilica passa a sofrer bullying dos colegas na escola, que parecem também não compreender (nem respeitar ou aceitar) as mudanças da puberdade;
  5. Lilica se depila para acabar com esse sofrimento;
  6. Lilica diz gostar do resultado da depilação.

Se você esperava dicas de como fazer depilação na adolescência, agradeço por ter lido até aqui e peço que continue a leitura, mesmo que esse não seja o objetivo do texto.

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A ideia é pensarmos sobre os elementos que motivam adolescentes a iniciar o processo de depilação. Às vezes, a "escolha própria" não é tão "própria" assim.

A pressão social para que meninas cisgênero se depilem, começa desde muito cedo, antes mesmo de os pelos ganharem qualquer forma.

Não estou dizendo que adolescentes não devem se depilar, mas fico pensando no que motiva tal "escolha"?

Fico imaginando se Lilica fosse uma adolescente que não tem com quem conversar sobre puberdade e, num momento de solidão, desinformação e desespero, decidisse retirar os pelos de todo o corpo com o material cortante mais barato para isso, como uma lâmina. Os riscos que isso pode oferecer a ela.

Não estou defendendo o cultivo ou extermínio dos pelos, mas defendo o cuidado e a informação sobre depilação.

Depilar-se, sobretudo na adolescência, requer muita informação e cuidados, afinal é uma atividade nova.

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Não depilar-se também requer as mesmas coisas. Ter pelos também tem seus ritos de cuidado.

Antes de pensar qual o melhor método de depilação na adolescência, poderíamos propor uma reflexão: por que adolescentes escolhem se depilar?

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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