Elânia Francisca

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Opinião

Sexualidade adolescente: educadores e o diálogo acolhedor com famílias

Na semana passada, eu trouxe uma experiência pessoal para retratar uma questão coletiva, que é a importância de pessoas adultas receberem informações éticas, científicas, adequadas e respeitosas sobre sexualidade na adolescência.

Isso é algo muito importante a ressaltar: se você se preocupa em promover o desenvolvimento saudável de adolescentes em sua casa, é importante que você se informe sobre o assunto, mas sempre veja se essa informação é, de fato, baseada em evidências, estudos e reflexões que não propagam o preconceito e sofrimento.

Nesta semana, quero compartilhar com vocês algo que também é importante dentro das reflexões sobre desenvolvimento saudável de adolescentes: a postura acolhedora de profissionais que lidam diretamente com adolescentes. Mas quero abordar especificamente o acolhimento de familiares de adolescentes.

Já escrevi sobre a adolescência enquanto uma fase de muitas transformações, que geram na pessoa adulta um sentimento de luto da criança que cresceu. Isso quer dizer que quando alguém entra na adolescência, é possível que as pessoas ao seu redor sintam a perda daquela criança que agora está caminhando para uma nova fase de autonomia, desejos e ações que podem não estar em sintonia com o que a pessoa adulta deseja.

Muitas famílias têm certa resistência em aceitar que o seu "bebê" agora toma suas próprias decisões e tem desejos em vários âmbitos da vida —e isso inclui desejos sexuais.

Pois bem, esse luto da família com relação à criança que não existe mais é algo que nós, educadores, muitas vezes parecemos ignorar em alguns momentos de nosso trabalho, ou tratamos como algo fácil de lidar.

Recordo-me de uma situação que me aconteceu na adolescência.

Meu pai foi à reunião de família em minha escola —eu tinha 13 anos— e a professora mais legal da escola conduziu esse encontro, que tinha como tema a puberdade.

Meu pai voltou da reunião bravíssimo!

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Ele contou que eu estava proibida de conversar com aquela educadora. Segundo ele, ela estava me incentivando a fazer sexo e "Onde já se viu uma professora ensinar o que é camisinha para crianças?".

O caso é que meu pai ainda não tinha se dado conta de que eu não era mais uma criança e que aprender sobre a importância da camisinha não era um incentivo para o uso, mas uma informação que, futuramente, eu usaria.

Na narrativa do meu pai, a professora havia dito que ensinaria sobre prevenção de gravidez e que esse assunto era importante porque em nosso bairro muitas meninas estavam engravidando antes dos 18 anos. Meu pai disse que levantou a mão e se posicionou dizendo que aquilo era um absurdo e nesse instante a professora falou que eu precisava aprender aquele tema, que ele estava sendo negligente ao me privar de receber informação adequada.

Trouxe esse caso ilustrativo para apontar que:

  1. A professora estava correta em afirmar que receber informação sobre desenvolvimento saudável é direito meu e que me privar disso é negligência;
  2. Meu pai NÃO estava correto por achar que falar de sexualidade é incentivar o ato sexual.

Contudo, a postura da professora de confrontá-lo só gerou prejuízo para mim. Em casa, meu pai enfurecido gritou comigo, disse que eu não assistiria à aula e que se me pegasse fazendo "coisa errada" —esse era o modo como ele se referia a fazer sexo—, eu iria apanhar.

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Novamente, saliento: a postura do meu pai estava inadequada e incorreta, mas essa atitude dele foi movida por dois pontos importantes:

Luto: resistência em aceitar que sua "menininha" estava crescendo;

Ignorância: gerada pela falta de informação dele sobre o que é sexualidade e educação sexual.

Penso que nós, pessoas educadoras, quando estamos diante de familiares de adolescentes, precisamos agir com delicadeza e acolhimento à uma demanda de resistência e sofrimento pela perda simbólica do "bebezinho" que cresceu.

Precisamos criar estratégias de cuidado ao falar sobre a importância da sexualidade na vida de todo ser humano —e não estou falando de ato sexual, somente.

"Minha filha só fará sexo depois do casamento." Vamos supor que esse seja mesmo o desejo da menina. Ainda assim, ela precisa aprender sobre seu corpo e formas de cuidar dele, para quando, futuramente, for viver um ato sexual (se ela quiser viver isso), sua primeira experiência seja de autoproteção e prazer.

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Conhecem aquela história contada por mulheres mais velhas, dizendo que só descobriam o que acontecia no ato sexual no dia do casamento? Obviamente, não ensinamos ninguém a fazer sexo, mas ensinamos como cuidar de si (tendo ou não sexo envolvido nesse cuidado).

Nós, pessoas adultas educadoras, sabemos disso, porém muitas famílias não sabem e, além de lidar com o desconhecimento de um assunto, elas estão lidando com o luto mencionado neste texto.

Se você é uma pessoa educadora e atua com adolescentes e famílias, que tal construir diálogos de acolhimento desse luto?

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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