'Faço terapia desde a morte de Domingos Montagner', diz Giullia Buscacio

Em "Renascer", Sandra tem uma relação conturbada com os pais por levar uma vida sem rótulos ou pudores. Na vida real, a atriz Giullia Buscacio, 27, é o oposto: sempre teve liberdade com o pai, o ex-jogador de futebol Júlio César Gouveia Vieira, e a mãe, a pedagoga Adriana de Farias Buscacio. E vem tentando inspirar jovens com a independência de sua personagem.

"Essa nova geração está abrindo caminho para mulheres que não conduziam suas próprias vontades, e torço para que ela possa trocar com as pessoas que mais querem o seu bem, que são a sua família."

Completando 15 anos de carreira, a atriz luso-brasileira conta, porém, que é a terapia que faz desde a tragédia vivida em "Velho Chico", quando o ator Domingos Montagner morreu num intervalo das gravações, que ajuda a lidar de tramas complexas como a de Sandra a ataques de fãs nas redes.

Em março último, um seguidor escreveu que ela precisava realizar um procedimento estético para disfarçar as rugas na região dos olhos. E ela rebateu num post onde se lia: "Postando aqui esse comentário de um homem, só para exemplificar como é a cobrança estética em cima das mulheres e sua aparência".

Na entrevista para Universa, a atriz fala ainda sobre a intensidade de seus personagens e a responsabilidade social de suas tramas.

Universa: São 15 anos de carreira, e tanto a Sandra como a Bruna Schuler, de "Travessia", tratam de temas mais densos, uma falando de liberdade sexual, e a outra numa trama que envolvia pedofilia. Dá para dizer que são personagens mais intensos?
Giullia Buscacio: Sim. E até hoje as pessoas comentam sobre "Travessia". Tem uma coisa muito legal na nossa profissão que é o momento em que a trama ultrapassa e toca as pessoas de uma forma tão poderosa.

Em "Travessia" a gente falava sobre como as pessoas fazem maldade na internet com crianças. E em "Renascer" tem cenas muito fortes como a Sandra falando para a Joana (Alice Carvalho) sobre abuso no ambiente de trabalho, e foi uma cena muito especial para mim, como atriz, porque sabia que ali tava falando com milhões de pessoas em casa.

Universa: Nesse caso específico de "Travessia" a trama abordava essa coisa do sonho das meninas de se tornarem famosas. Houve algum receio seu ou dos seus pais de seguir essa profissão?
Quando a gente lida com os sonhos, tem o receio de dar certo ou não, mas eu vim de uma família onde esses sonhos eram possíveis. Meu pai foi jogador de futebol a vida inteira, então tive uma inspiração em casa para correr atrás de algo que acreditei. Ao mesmo tempo que tinha esse receio, sabia que com muita dedicação e resiliência poderia alcançar.

Universa: Por ser uma pessoa pública, você acaba mais exposta a críticas e ataques na internet, por exemplo. Recentemente, um seguidor disse que você precisava de botox, e você reagiu. Como lida com todas essas cobranças e exposições?
Faço terapia desde "Velho Chico", quando aconteceu toda aquela situação com o Domingos [Montagner, morto durante as gravações], que era uma pessoa muito querida para mim. Hoje sou aquela pessoa que levanta a bandeira da terapia.

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Entendo que foi a melhor coisa que fiz por mim, pela minha profissão, e enquanto mulher também, porque gosto de falar sobre como é muito complicado ter que lidar com essa questão do assédio o tempo inteiro, tanto nas redes sociais quanto nas ruas. Isso é uma coisa que me acompanhou a vida inteira.

Universa: Mas em algum momento você se sentiu ferida com algum ataque ou cobrança?

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Imagem: Karl Berge/Divulgação

Não. A cobrança pelo padrão de beleza existe desde sempre. Tento me blindar ao máximo porque acho que o que importa, no final do dia, é como a gente se sente com o nosso corpo e como a gente se apresenta para o mundo. Quanto a isso me sinto bem resolvida, mas acho que tem certo tipo de comentário muito ofensivo, como se a mulher fosse um objeto. Então quando respondo, não é só por mim, mas por outras mulheres.

Universa: Muitas mulheres que têm o dobro da idade da Sandra estão se descobrindo sexualmente agora, enquanto a geração da Sandra parece estar se permitindo mais, como ela. Você sente que mulheres da sua idade estão mais donas de si?
Acho que um bom retrato disso é a relação da Sandra com a Dona Patroa (Camila Morgado), que tem um choque quando essa filha quer falar sobre sexo, a descoberta de um novo amor, de como ela se vê no mundo e quer se sentir livre.

Acho que essa nova geração está abrindo caminho para mulheres que não conduziam suas próprias vontades, e torço para que ela possa trocar com as pessoas que mais querem o seu bem, que são a sua família.

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Universa: Você sempre teve diálogo aberto com os seus pais?
Sempre tive a oportunidade de falar com a minha mãe sobre tudo, talvez porque ela não teve com a mãe dela o que gostaria de ter comigo. Então sinto essa evolução através da minha mãe comigo, mas recebo muitos relatos de meninas que não conseguem se abrir com as próprias mães, que têm uma relação muito parecida da Sandra com a Dona Patroa.

Elas falam: "gostaria que minha mãe tivesse uma escuta mais atenta", ou "não pude falar pra minha mãe sobre questões sexuais", e se inspiram na Sandra. O mais legal da profissão é ver como a ficção afeta na vida real.

Universa: A Sandra chegou a pensar em reabrir a casa da Jacutinga (Juliana Paes) para trabalhadoras sexuais, mas desistiu. Enquanto feminista, como você vê o debate sobre a profissão?
Ela chega à conclusão de que, na verdade, não faz sentido com o que ela acredita, que aquilo ali era só para provar para o pai dela e mostrar para a família que ela ser chamada de quenga ou de uma mulher promíscua só porque ela escuta seus desejos é um absurdo.

Ela quis mostrar, de certa forma, que ela era dona desse corpo e que ela fazia o que quisesse, então foi um ímpeto.

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