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Parteira, mestra e agora deputada pelos sem-terra: quem é Marina do MST

Marina do MST foi eleita deputada estadual no Rio de Janeiro - Reprodução/MST
Marina do MST foi eleita deputada estadual no Rio de Janeiro Imagem: Reprodução/MST

De Universa, do Rio de Janeiro

08/11/2022 04h00

Após 40 anos de história o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) lançou, pela primeira vez, candidatos para as eleições deste ano. Dos 15 nomes em 12 estados, 6 alcançaram cargos de deputados estaduais e federais, em Pernambuco, Ceará, Bahia, Rio de Janeiro, além de levar outras 2 candidaturas no Rio Grande do Sul.

Para Marina do MST (PT), deputada estadual eleita pelo Rio de Janeiro, conquistar um espaço nesse cenário é sinal de que o eleitorado reconhece cada vez mais que o movimento não "invade terra" mas é o que mais luta para diminuir a desigualdade e a fome. "Ainda mais em meio a crises agudas locais e internacionais na economia, política, socioambiental e de valores e que afeta todo mundo, principalmente a classe trabalhadora", disse em entrevista a Universa.

De parteira a mestra

A proximidade com o MST aconteceu quando Marina dos Santos tinha 14 anos. Filha de casal de boias-frias de Barbacena (MG), ela nasceu em Cascavel (PR), quando os pais procuravam terras para assentar. "Logo que meus pais chegaram fomos para comunidades eclesiais de base da igreja católica, e estudei num convento com as irmãs catequistas franciscanas. Acabei então conhecendo o MST a partir delas. Eu via esperança naquela forma de luta, de organização, e faz 33 anos que eu estou no MST", relembra.

Dentro do movimento, coordenou a Via Campesina Internacional na América do Sul —a organização articula movimentos camponeses pelo mundo— e também o Escritório Nacional de Brasília do Movimento, responsável pelas articulações políticas com os diferentes governos e parlamentos. Ainda tornou-se parteira.

Chegou em Campos, no Norte Fluminense, em 1996 para lutar pela distribuição de terra. Formou-se assistente social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), é mestre em Geografia, numa parceria da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp) com a Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF) e no estado teve a única filha, hoje de 20 anos.

"Brasil é machista, no campo mais ainda"

Participar das eleições este ano foi uma consequência de seu preparo durante toda sua vida política mas isso não significa, segundo ela, que não tenha passado por momentos difíceis. "Não foi só alegria. A gente sofreu muito, teve muitos desafios. O Brasil é muito machista. O campo é muito mais. Um tema que a gente debate bastante no MST é essa diferença que nós, mulheres, sempre temos que lutar mais para ter acesso à estrutura de fazer o trabalho. Mas nós conseguimos superar. Não digo 100% porque é sempre uma batalha diária", diz

Mas Marina faz questão de exaltar as mulheres do movimento. "Hoje, como tudo no MST, as questões femininas também são resolvidas na coletividade".

A deputada teve que contar com a união de mulheres no movimento para conciliar a maternidade e o trabalho. Ela afirma que no MST pode contar com a solidariedade e a generosidade das mulheres e de alguns companheiros também. "Minha filha sempre me acompanhou nos acampamentos, e muitas vezes a levava para a faculdade à noite e dava banho nela na pia do banheiro, porque ainda estava amamentando", relembra.

A luta é feminista

Junto com a bancada feminista na Alerj, Marina agora quer unir não somente a bandeira das mulheres mas tantas outras que balança desde a adolescência como combate à fome.

"Essa é uma luta feminista também. Houve uma tentativa de inversão desse termo, que é dizer que 'as mulheres apenas querem ocupar o lugar dos homens', mas é exatamente o contrário. As feministas querem garantir o lugar das mulheres de também ter o seu espaço de participação na sociedade. Mas de serem respeitadas como mulheres."

"O feminismo é, sim, carregado de lutas e de reivindicações. Ele é carregado dos direitos que cabem às mulheres", conclui.

Embates com a direita

O aumento no número dos deputados ligados aos MST acontece ao mesmo tempo em que a bancada conservadora avança pelo país também. O partido do presidente Jair Bolsonaro (PL) ocupou, nestas eleições, a posição de maior bancada da Câmara dos Deputados, com crescimento dos 76 deputados atuais para 99. Em segundo lugar está a coligação PT, PCdoB e PV, com 80 deputados eleitos.

No Rio de Janeiro não foi diferente. Os dois deputados estaduais mais votados foram Márcio Canella, do União, e o bolsonarista Douglas Ruas (PL), seguidos por Renata Souza (PSOL). No total, o PL conseguiu 17 cadeiras na Casa, ante 5 do PSOL e 7 do PT.

"O último censo agropecuário feito em 2017 pelo IBGE aponta que 1% de proprietários tem 46% das terras, e nesses últimos anos, essa disputa internacional das empresas agroalimentares em torno dos bens no Brasil sem nenhuma sombra de dúvidas foi responsável pela desigualdade social. Isso legitima a existência dos movimentos sociais que lutam pela terra no campo e na cidade."

Marina destaca o fortalecimento do MST desde tornar-se, por exemplo, o maior produtor de arroz orgânico do Brasil, tema lembrado pelo presidente eleito Lula (PT) durante sabatina na TV Globo. E também a fundação da Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), em Guararema, interior de São Paulo, referência internacional em formação política.

"O MST escolheu dialogar mais com a cidade e indicou nomes para o legislativo transformar em política pública tudo o que já vem fazendo ao longo dessas quase quatro décadas", afirma Marina, complementando que isso tem ajudado a mudar a imagem do movimento. " A sociedade tem conhecido na prática o MST, na formação de educação e alfabetização de jovens e adultos, e também as de produção e comercialização na nossa rede de armazém do campo, que diminui essa distância entre os trabalhadores do campo com os trabalhadores da cidade", finaliza.