No JN, Lula promete negociar dívida das mulheres. Sobre o que faltou falar?
O ex-presidente Lula (PT), candidato à presidência nas eleições deste ano, foi sabatinado ontem, quinta-feira (25), pelo Jornal Nacional. Assim como seu principal adversário Jair Bolsonaro (PL), Lula usou o termo "mulheres" apenas uma vez —mas, diferente do atual presidente, fez recorte de classes e se referiu às mulheres como as mais afetadas pela crise econômica, especialmente pelo endividamento.
Nesta semana, Universa analisa à luz das questões de gênero —como violência doméstica, insegurança alimentar e saúde sexual e reprodutiva— as sabatinas do Jornal Nacional aos quatro pré-candidatos melhor avaliados nas pesquisas: Jair Bolsonaro (PL), Ciro Gomes (PDT), Lula (PT) e Simone Tebet (MDB). Acompanhe.
O que Lula disse
Assim como nas duas sabatinas anteriores —de Bolsonaro e Ciro— os âncoras William Bonner e Renata Vasconcellos não fizeram uma única pergunta sobre políticas de gênero ao ex-presidente Lula em 40 minutos de entrevista.
Apenas nas considerações finais, quando pôde falar livremente durante um minuto, ele afirmou que "nós temos quase que 70% das famílias brasileiras endividadas, e a grande maioria delas é mulher: 22% endividadas porque não podem pagar a conta d'água, a conta de luz, a conta do gás. Nós vamos negociar essa dívida".
De acordo com o 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, 40% das famílias brasileiras não conseguem acesso pleno à alimentação. Mas, um levantamento feito pelo Centro de Políticas Sociais da FGV Social, mostra que as mulheres são as mais afetadas: 47% das brasileiras vivem sem saber se vão poder comprar comida no dia seguinte —entre os homens, o percentual é de 26%.
Lula também dedicou parte do tempo para elogiar a ex-presidente Dilma Rouseff, única mulher chefe de Estado na história do Brasil República e que foi sua ministra e sucessora: "A Dilma é uma das pessoas que eu tenho mais profundo respeito pela competência e pela ajuda que ela me deu quando era chefe da Casa Civil", disse.
O que gostaríamos de questionar
William Bonner e Renata Vasconcellos não fizeram perguntas direcionadas a questões de gênero ou políticas para as mulheres —setor em que Lula lidera nas pesquisas em detrimento de Bolsonaro.
Universa reuniu alguns temas relevantes para as brasileiras que gostaríamos que fossem questionados ao ex-presidente em sabatinas, debates ou entrevistas:
Violência doméstica e recriação de ministério
Foi no governo do ex-presidente Lula que o Brasil se tornou uma das referências na legislação de combate à violência contra a mulher, com a criação da Lei Maria da Penha, em 2006.
Foi também durante seu segundo mandato que o país ganhou um ministério totalmente dedicado às mulheres e à igualdade de gênero —a pasta, no entanto, foi desmontada e rebaixada à secretaria no governo de Michel Temer. Desde 2019, segundo estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), com Jair Bolsonaro como presidente e Damares Alves como ministra, "instituiu-se um movimento de desmonte" das políticas para a população feminina.
Se eleito, Lula recriará o Ministério da Mulher, como vem prometendo fazer com os mistérios da Cultura, da Igualdade Social, dos Direitos Humanos, da Pesca e do Planejamento.
E como pretende voltar a combater a violência contra as mulheres num país em que os índices de violência doméstica e feminicídio atingiram patamares recorde durante a pandemia de covid-19?
Aborto e perseguição contra mulheres e médicos
Em reportagem publicada hoje, em Universa, Lula foi questionado sobre sua opinião e suas propostas em relação ao aborto legal, mas se eximiu do tema, dizendo apenas que esse assunto cabe ao Legislativo.
Em abril, durante entrevista, disse que "as pessoas têm esse direito" e que "quando a pessoa tem poder aquisitivo bom, ela busca tratamento bom e até vai para o exterior fazer o procedimento. Mas e a pessoa pobre?". Mais tarde, após críticas, voltou atrás, dizendo que é contra a prática, mas que essa "é uma questão de saúde pública".
O país vive um momento delicado em relação ao tema: recentemente o secretário de Raphael Câmara, do Ministério da Saúde, divulgou uma cartilha negando que exista aborto legal no Brasil e sugerindo que governo federal investigue mulheres que fizeram aborto em decorrência de um estupro.
Semanas depois, o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos pediu investigações contra os médicos que interromperam a gravidez da menina de 11 anos, em Santa Catarina, em julho —Universa revelou, na sequência, que médicos que realizam o procedimento de forma legal em todo o país se sentem perseguidos pelo governo.
A maior parte da população brasileira (83%), no entanto, apoia o direito ao aborto em casos de estupro, segundo uma pesquisa ONG Católicas Pelo Direito de Decidir em parceria com o Instituto Ipsos divulgada com exclusividade a Universa.
A questão é: mesmo entendendo que aborto é um assunto que deve ser discutido no Legislativo, Lula levará em conta a saúde sexual reprodutiva e os direitos da mulher ao nomear o chefe do Ministério da Saúde? Optará por nomes progressistas em secretarias diretamente ligadas às mulheres dentro da pasta, como a Secretaria de Atenção Primária?
Papel das mulheres em novo governo
Por fim, Lula não foi questionado e também não mencionou que papel terão as mulheres em seu segundo mandato, caso seja reeleito.
Ele deixou seu segundo governo, em 2010, com 4 mulheres entre os 28 ministros— entre elas Dilma Rouseff, Benedita da Silva e Marina Silva.
Desta vez, quantas serão as mulheres em cargos de chefia no governo?
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