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MST repudia fala de Bolsonaro no JN: 'Não trouxe benefícios às mulheres'

Mulheres do MST em encontro nacional em 2020 - Janine Moraes/MST
Mulheres do MST em encontro nacional em 2020 Imagem: Janine Moraes/MST

Rute Pina

De Universa, em São Paulo

23/08/2022 17h27

O grupo Mulheres Sem Terra, do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) repudiou, por meio de nota, a declaração do presidente e candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL) em entrevista ao Jornal Nacional (Globo). Bolsonaro afirmou que "pacificou o MST, titulando terras pelo Brasil" e que "90% dessa titulação foram para as mulheres".

O setor de gênero do movimento afirma que, ao contrário do que diz o presidente, a política de reforma agrária foi paralisada sem nenhuma família ter sido assentada durante seu governo. Afirmam, ainda, que sua gestão sucateou o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).

"Suas ações não trouxeram qualquer benefício às mulheres, muito menos às mulheres camponesas. Pelo contrário, impactaram profundamente suas vidas, colocando em xeque sua segurança alimentar e física", diz a nota das mulheres do MST.

Elas citam ainda que o programa de titulação de terras do governo Bolsonaro foi prejudicial para a população que reside no campo, "abandonando as famílias à própria sorte para enfrentar o assédio do agronegócio sobre os territórios".

Em três anos e meio de gestão, Bolsonaro entregou mais de 367 mil títulos, segundo o governo, por meio do programa Titula Brasil, e afirmou que eles representavam a "alforria" dos assentados em relação ao MST. O movimento, no entanto, questiona como o governo tem feito essa titulação.

Existem três tipos de emissão de títulos. Dois deles são definitivos: a CDRU (Concessão de Direito Real de Uso), um título em nome da família que dá direito ao uso da terra mas não permite que seja vendida; e o TD (título de domínio), que é um documento que deve ser pago pelo assentado, ao custo de 10% a 20% do valor da terra, e permite a venda após seis meses.

O terceiro é o CCU (Contrato de Concessão de Uso), provisório, que apenas reconhece formalmente a condição de assentados da família.

A maioria dos títulos do programa do governo atual são CCUs, que não são reconhecidos como títulos de propriedade. O MST defende a emissão das CDRU, de forma coletiva, tornando o campesino proprietário da terra.

O modelo de titulação adotado pela gestão Bolsonaro tem como objetivo reduzir a influência do MST entre moradores de zonas rurais e, por isso, o presidente afirma que "pacificou" o movimento.

Titulação prioritária a mulheres ocorre desde 2003

O governo Bolsonaro também afirma que determinou que os títulos fossem emitidos prioritariamente em nome das mulheres de família. Mas essa prática não foi criada por ele e ocorre desde 2003, por causa de uma normativa do Incra.

Naquele ano, durante o governo Lula (PT), a titulação conjunta, ou seja, em nome da família, passou a ser obrigatória para acesso às políticas públicas de agricultura familiar. Já uma normativa de 2007 priorizou o acesso à terra às mulheres chefes de família. Com isso, em caso de separação familiar ou mudança no núcleo familiar, o lote passa a ficar preferencialmente com as mulheres.

"As mulheres tiveram esse direito, que é o direito do acesso à terra. E isso fez cair os índices de violência doméstica e dos casos de machismo que nós tínhamos contra as companheiras. Foi uma política estruturante, bem importante dos governos Lula e Dilma", diz a nota do MST.

Com a titulação individual, afirmam, em caso de separação ou qualquer mudança no núcleo familiar, a terra deve ser vendida com a separação de bens.

Isso, segundo o setor de gênero do MST, diminui o "empoderamento das mulheres e o próprio direito das crianças e adolescentes, dos jovens". "Essa política de titulação é um ataque aos direitos das mulheres e da juventude, justamente o contrário daquilo que Bolsonaro falou", rebatem as mulheres do movimento.