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'Dói na alma': quem são as ADMs que filtram ataques a políticas nas redes

De Universa, no Rio de Janeiro

09/09/2022 04h00

"Eu desejo, se a senhora tiver filhos, que a sua família, que todo o mundo morra. Eu desejo que você leve um tiro na cara, que seja estuprada por um menor de 17 anos."

O áudio com essa mensagem foi enviado em agosto de 2021, via Instagram, para a senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP), candidata à vice-Presidência na chapa da senadora Simone Tebet (MDB-MS). Quem primeiro o ouviu foi Adriana Milani, sua coordenadora de comunicação. Geralmente, são as assessoras das parlamentares que monitoram o conteúdo das redes e, portanto, têm aceso direto e sem filtros a esse tipo de violência. Só depois decidem se vão denunciar ou mesmo mostrar para as parlamentares.

"Dói na alma esse tipo de mensagem. Já chorei inúmeras vezes lendo comentários contra a Mara. Ofensas sem fundamento, comentários machistas, misóginos e, sobretudo, capacitistas. Já li frases cruéis, como: 'Não é à toa que está em uma cadeira de rodas'", lamenta Adriana.

Mara sofreu um acidente de carro em 1994 e ficou tetraplégica. "Dá uma raiva, uma vontade de chorar", lamenta a parlamentar.

A senadora falou sobre os insultos que sofre no vídeo (acima), gravado a convite de Universa. Ao lado de outras mulheres, como as deputadas federais Benedita da Silva (PT-RJ) e Tabata Amaral (PSB-SP), além da deputada estadual Erica Malunguinho (PSOL-SP), o vídeo mostra como é a rotina diária de xingamentos a que as mulheres com cargos políticos estão submetidas.

Equipes fecham o cerco para proteger políticas

Trinta e três anos após o país conquistar o direito ao voto direto, passada a ditadura militar, será somente nestas eleições de 2022 que a violência política de gênero será considerada crime.

O que isso significa? Que constranger, humilhar, perseguir ou ameaçar candidata ou detentora de cargo eletivo pela sua condição de mulher ou por causa de sua cor, raça ou etnia pode resultar em até seis anos de prisão, de acordo com a lei sancionada há um ano.

As equipes que cuidam das redes sociais das mulheres estão de olho nisso e já vêm se preparando para fechar ainda mais o cerco contra os agressores.

Adriana, que coordena a comunicação e cuida das redes sociais de Mara com mais duas pessoas, diz que lê a maioria dos posts de conteúdo ofensivo. Outros comentários, a equipe repassa para sua avaliação. "Mas sempre cai no meu colo. Tem pessoas que ofendem e marcam a Mara até em outras redes, então nem precisa ter um alerta. Muitas mensagens a gente filtra", detalha. Os ataques chegam, na maioria das vezes, pelo Twitter.

Mas esse filtro não é um trabalho diário, Adriana observa. Até porque as ofensas chegam de acordo com o que está acontecendo no cenário político e o posicionamento da senadora.

"Os ataques orquestrados seguem o movimento de temas polêmicos que estão rolando nas redes. Por exemplo: críticas ao STF (Supremo Tribunal Federal), questão armamentista, movimento antidemocracia e antiliberdade de imprensa."

"É triste e amedronta. Impacta quem lê"

Primeira mulher transgênera da Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo), eleita em 2018, a deputada estadual Erica Malunguinho (PSOL-SP) coleciona, desde então, ataques racistas e transfóbicos. "O mais grave é atacarem minha identidade, minha existência. Particularmente não me ofende, mas ofende muita gente", afirma Erica.

Quem avalia cada mensagem de ódio que chega, principalmente pelo e-mail institucional da parlamentar, disponível no site da Alesp, é a advogada Luanda Pires, coordenadora do Me Too Brasil. Luanda está à frente do jurídico do gabinete de Erica, atuando na formatação de propostas legislativas até o encaminhamentos de denúncias. Para isso, ela conta com uma equipe de mais duas advogadas e um assessor.

"Sempre faço boletim de ocorrência quando chegam ataques contra a vida da Erica e ameaças de cunho racista e transfóbico. Mas, no geral, não encontramos os autores", diz Luanda.

Apesar disso, a advogada enfatiza a importância de registrar a denúncia para que o estado e a própria Alesp estejam notificados caso algo de mais grave aconteça: "A gente não espera uma reparação, mas, caso aconteça algo, temos um caminho jurídico demarcado".

Dependendo do teor dos ataques, Erica não fica nem sabendo que aconteceram. Salvo quando são muito graves, como ameaça de morte, porque, nesses casos, ela precisa prestar depoimento na polícia. Foi o que aconteceu em junho último, por exemplo, quando a parlamentar precisou ir à delegacia pois recebeu mensagem dizendo que ela seria atacada durante a 26ª Parada LGBTQIA+ de São Paulo.

"É triste e amedronta. Antes da parada, foram 15 dias de tensão e de muito estresse", afirma Luanda. "Tento filtrar o que vem e centralizo em mim as mensagens. É muita violência gratuita e impacta quem lê."

Bloqueio é a melhor solução

A equipe de gabinete que acompanhava a senadora Simone Tebet até ela se tornar candidata à presidência fazia diferente: bloqueava as mensagens de ódio.

"Fico muito chateada e triste, mas não costumamos denunciar, porque ela nunca chegou a ser ameaçada seriamente. O que fazíamos era bloquear as pessoas que xingam e usam palavras ofensivas e de baixo calão", explica uma de suas assessoras, Raquel Madeira.

Tebet endossa e afirma não se preocupar com pessoas misóginas. "Aliás, é contra a misoginia que hoje eu faço política, para que as nossas filhas não passem pelo que a minha geração de mulheres passa."

Carro blindado e escolta armada para reforçar segurança

Quem recebe uma grande quantidade de graves ameaças acaba lançando mão de um aparato que muda sua rotina. Caso de Duda Salabert (PDT-MG). Desde que se tornou a primeira vereadora trans e a mais votada da história de Belo Horizonte, ela já recebeu pelo menos três ameaças de morte, todas de cunho transfóbico. Os comentários a levaram a reforçar a segurança, por medo de que as ameaças saíssem do mundo online.

"Começamos a andar, eu e minha família, com uma escolta policial que me acompanha 24 horas por dia. Também fica uma viatura na porta da minha casa e tenho que andar com colete à prova de balas e carro blindado quando saio publicamente", detalha ela antes de complementar que todas as decisões são tomadas por sua equipe de segurança.

A deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP) adotou um esquema de segurança ainda mais forte do que já tinha para sua campanha à reeleição neste ano.

"Com as ameaças e o clima de violência política, todos os meus deslocamentos são feitos com a supervisão de uma equipe de segurança. E depois que eu tive filho, isso se reforçou. Se eu pudesse escolher, não gostaria disso, mas é necessário diante de um contexto tão ruim para as mulheres no Brasil."

A deputada federal Tabata Amaral (PSB-SP) também passou a usar carro blindado em sua campanha pela reeleição, o que não costuma fazer durante o mandato. E contrata seguranças quando sabe que encontrará multidões, para sua proteção e a de sua equipe.

"O custo alto para mim é o fato de a minha família e as pessoas mais próximas não se sentirem seguras. Eles têm medo por mim. Às vezes, reflito sobre se vale a pena continuar, mas sempre concluo que devemos aguentar firme até para que outras mulheres possam chegar."

Universa lança campanha contra violência política de gênero

Universa reuniu parlamentares de diferentes cargos e espectros políticos na campanha #juntasnaurna, contra a violência política de gênero. Elas leram mensagens ofensivas e ameaçadoras que recebem frequentemente por meio de suas redes sociais e reagem a esses comentários.

Os depoimentos comprovam o que mostram as pesquisas: os principais alvos de ataques são grupos historicamente discriminados, como negros, mulheres, pessoas com religiões de matriz africana e população LGBTQIA+, entre outros.

O caminho da denúncia

As parlamentares que receberem ameaças e ofensas podem fazer denúncia na ouvidoria parlamentar da casa legislativa, pela secretaria da mulher ou pela procuradoria parlamentar. Também podem procurar a polícia legislativa.

Havendo indícios de crime, um inquérito policial é instaurado. O prazo é de 30 dias para finalizar a investigação e enviar o resultado para as justiças estadual ou federal.

As denúncias também podem ser feitas ao Grupo de Trabalho do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), criado no ano passado após a aprovação da lei. O MPF (Ministério Público Federal) também disponibiliza aplicativo de denúncias.

No recém-lançado "Guia Prático para Mulheres na Política", a Raps (Rede de Ação Política pela Sustentabilidade) ensina desde a reconhecer a violência nesse meio até o caminho para denunciar.