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'Perdeu 6 latas de banha e continua gorda': insultos que políticas aguentam

De Universa, no Rio de Janeiro

06/09/2022 04h00

Defensora do presidente Jair Bolsonaro (PSL) até ele assumir o atual posto, em 2019, a deputada federal Joice Hasselmann (PSDB-SP) foi a mulher mais atacada no Twitter em 2020, enquanto disputava a prefeitura de São Paulo, segundo levantamento da Revista AzMina junto ao InternetLab. A maioria dos episódios de violência tinha conteúdo gordofóbico.

"Mesmo tendo tirado seis latas de banha, continua sendo uma gorda escrota", dizia uma das mensagens, enviada à deputada depois que ela perdeu peso. Hasselmann ainda recebia, diariamente, imagens suas associadas a uma porca, com insultos relativos ao seu corpo, e foi vítima de fake news —como ter pagado um pedreiro por favores sexuais—, entre outros xingamentos misóginos. Na avaliação dela, o objetivo era desestabilizá-la.

A deputada falou sobre os insultos neste vídeo (acima) que gravou a pedido de Universa. Ao lado de outras mulheres, como as deputadas federais Benedita da Silva (PT-RJ) e Tabata Amaral (PSB-SP), além da deputada estadual Erica Malunguinho (PSOL-SP), mostrou como é a rotina diária de xingamentos a que as mulheres com cargos políticos estão submetidas.

"Fui a mais atacada e, na sequência, vieram Manuela d'Ávila [ex-deputada federal pelo PCdoB] e Benedita da Silva [deputada federal pelo PT], pela questão ideológica e pela cor. Não por corrupção. É pelo fato de sermos mulheres, essa é a única alternativa que eles têm", observa Joice.

Imagem campanha Juntas na Urna - Arte / UOL - Arte / UOL
A deputada federal Joice Hasselmann, a senadora Soraya Thronicke e a deputa federal Sâmia Bomfim são frequentemente atacadas nas redes sociais
Imagem: Arte / UOL

Alteração na lei

Conforme lei sancionada em agosto de 2021 —e que alterou o Código Eleitoral, a Lei dos Partidos Políticos e a Lei das Eleições—, esse tipo de violência é crime e pode dar pena de um a quatro anos de reclusão e multa. Além da violência política contra a mulher ter alterado a lei eleitoral, há ainda o crime de violência política incluído na Lei de Segurança Nacional, que define os crimes contra o Estado democrático de Direito.

Esse crime consiste em restringir, impedir ou dificultar "o exercício de direitos políticos a qualquer pessoa em razão de seu sexo, raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional", com emprego de violência física, sexual ou psicológica. A pena é de três a seis anos de prisão e multa.

Paralelo da minissaia

"Sempre uso paralelo da minissaia. Da mesma forma que, no passado, as pessoas achavam que o uso da minissaia justificava um assédio, sinto que hoje se posicionar com coragem, independentemente se você é de esquerda, centro ou direita, é como se fosse um convite para que te ataquem", afirma Tabata Amaral.

Segundo a ONU (Organização das Nações Unidas), 82% das mulheres em espaços políticos no Brasil já sofreram violência psicológica; 45% foram ameaçadas e 25% sofreram violência física. Além disso, 20% foram assediadas sexualmente e 40% afirmaram que a violência atrapalhou a sua agenda legislativa.

Insultos contra mulheres, violência física contra os homens

Também ex-aliada de Bolsonaro, a senadora e candidata à Presidência pelo partido União Brasil, Soraya Thronicke, ressalta que, apesar de a violência política atingir todos os gêneros, há uma diferença clara daquela sofrida pelas parlamentares. "O mais interessante é que os homens não recebem o mesmo tipo de insulto", ela observa.

A fala dela confirma a última pesquisa sobre o tema divulgada pela organização de direitos humanos Terra de Direitos da Justiça Global. Os dados foram reunidos entre 1º de janeiro de 2016 e 1º de setembro de 2020, e mostram que, proporcionalmente, as mulheres sofreram mais violência do que os homens. Hoje, elas ocupam 13% das vagas nas casas legislativas, mas representam 31% das vítimas de ameaças.

Ao separar por gênero, a pesquisa aponta que a maioria esmagadora de representantes eleitos, candidatos ou pré-candidatos assassinados ou que sofreram atentados é do sexo masculino: foram 116 ocorrências (93%), ante 9 registros entre as mulheres (7%).

Mas, quando o assunto é ofensa, elas são o maior alvo: em 76% das situações as mulheres foram vítimas de xingamentos. "As pessoas precisam entender, de uma vez por todas, que a liberdade de expressão termina onde começa o Código Penal. Você pode falar o que você quiser, mas vai responder caso cometa alguma injúria, calúnia, difamação ou ameaça. Isso é muito sério. Imagina um familiar seu passando por isso", completa Soraya.

Os dados ainda mostram que 2020 foi o ano mais violento contra candidatos. E a expectativa para estas eleições não está distante desse cenário —principalmente pelo fato de as mulheres terem aumentado sua participação na política. O número de candidatas neste ano é o maior das últimas três eleições gerais, com um crescimento de 33%.

A avaliação é da cientista social e cofundadora da Justiça Global Sandra Carvalho:

"São várias as formas de violência, mas aquelas direcionadas às mulheres vão no sentido de desqualificação, humilhação, do não-reconhecimento do papel político delas. E observamos que as mulheres raramente são quem promove os ataques".

Universa reuniu parlamentares de diferentes cargos e espectros políticos na campanha #juntasnaurna, contra a violência política de gênero. Elas leram mensagens ofensivas e ameaçadoras que recebem frequentemente por meio de suas redes sociais e reagem a esses comentários.

Os depoimentos comprovam o que mostram as pesquisas: os principais alvos de ataques são grupos historicamente discriminados, como negros, mulheres, pessoas com religiões de matriz africana e população LGBTQIA+, entre outros.

Família de parlamentar também sofre

As agressões que as mulheres sofrem geralmente se estendem à família também. Líder da bancada do PSOL na Câmara dos Deputados, Sâmia Bomfim (SP) recebeu recentemente no seu e-mail institucional ameaça de estupro e assassinato, afirmando que a violência seria cometida na frente de seu filho, Hugo, de 1 ano. "Envolver meu filho é de uma perversidade misógina, mas faz parte do expediente deles, infelizmente."

Em 2020, quando concorreu à prefeitura de Porto Alegre, Manuela D´Avila registrou queixa na polícia de ameaças à filha, que na época tinha 5 anos. E, há algumas semanas, ela contou em sua página no Instagram sobre novas ameaças contra si mesma e contra a menina. Em maio deste ano, Manuela desistiu de tentar disputar qualquer cargo em 2022, mas afirma que segue nos bastidores, apoiando outras mulheres.

Numa tentativa de garantir a maior participação e a proteção das mulheres na política, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) instituiu um Grupo de Trabalho destinado a elaborar e a sugerir diretrizes voltadas ao tema.

O GT é uma parceria entre várias instituições, como os ministérios públicos estaduais e a ONU Mulheres, criado não só para avaliar denúncias de violência política de gênero, mas para fomentar a inclusão das mulheres nos ambientes de diálogo e discussão partidária. O MPF também tem um aplicativo para receber denúncias.

A procuradora Raquel Branquinho, coordenadora do Grupo de Trabalho de Violência Política de Gênero da Procuradoria-Geral Eleitoral, observa que, apesar da demora por uma resposta efetiva aos ataques contra as parlamentares, a iniciativa é um avanço.

"Hoje, a gente tem um cenário de menos de 15% de participação feminina na política e, por isso, existe a dificuldade de haver uma legislação avançada. Isso sem falar na dificuldade incrível de interpretação desses crimes. Mas é o começo e estamos trabalhando muito."

Apurações e denúncias

Desde que a lei de violência política de gênero foi sancionada, o MPF instaurou 31 procedimentos para apuração. Além desses, outros três casos foram encaminhados diretamente às promotorias eleitorais (MP Estadual). Nesses dados estão incluídas as 16 representações lançadas pelo GT Prevenção e Combate à Violência Política de Gênero da PGE.

Houve três casos com apresentação de denúncia do Ministério Público à Justiça. Um deles é contra o deputado estadual Rodrigo Amorim (PTB-RJ). Em maio último, durante discurso no plenário da Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro), o deputado atacou verbalmente a vereadora Benny Briolly (PSOL), primeira travesti eleita em Niterói, região metropolitana do Rio, usando termos como "aberração" e "belzebu".

Em decisão tomada de forma unânime pelos desembargadores do TRE (Tribunal Regional Eleitoral) do Rio de Janeiro, ele virou réu por violência política de gênero. Ao TRE, o advogado Rodrigo Barroso, que defende Amorim, afirmou que "em nenhum momento, o denunciado se referiu à vereadora Benny Briolly" e que "estava havendo apenas um embate ideológico".

O vereador também alegou que o vídeo foi editado, o que teria alterado a compreensão da situação. Diz ainda que a verdade será esclarecida ao longo do processo. Essa foi a primeira ação penal no país pelo crime.