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O que acontece com os filhos das mulheres vítimas de feminicídio?

Filhos das vítimas de feminicídio também são vítimas do crime  - iStock
Filhos das vítimas de feminicídio também são vítimas do crime Imagem: iStock

De Universa, em São Paulo

28/07/2022 17h01

Ver crimes de feminicídio com destaque nos sites e jornais já não é surpreendente —infelizmente. E algo que chama ainda mais atenção, além do crime hediondo, é que a maioria dessas mulheres são assassinadas em frente aos filhos. De acordo com o Balanço Anual do Ligue 180, de 2016, 83,8% das crianças presenciam as agressões ou também são vítimas.

Recentemente, Jéssica Mayara Ballock foi morta em Blumenau (SC) com o filho de três meses, pelo companheiro. Em confissão, ele disse que estava sob o efeito de drogas e não se lembra do crime. Sandra Maria de Sousa foi encontrada morta ao lado da filha de oito meses, em São Paulo. Mais uma vez, o suspeito é o companheiro e o crime teria sido incentivado por uma suposta gravidez da vítima.

De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, no ano de 2020 foram registrados 1.283 casos de feminicídio, e, desses, 17,3% foram vítimas de seus companheiros. A imagem fica ainda pior quando focamos na maternidade. Segundo um levantamento exclusivo do órgão para Universa, feito entre 2020 e 2021, 60,2% das vítimas de agressões físicas são mães.

O que acontece com as crianças

Em seu livro, Maria da Penha conta que quando levou o tiro pediu a Deus que ela não morresse para que as filhas não ficassem sem a mãe. Entre os anos de 2015 e 2016, o Instituto Maria da Penha fez uma pesquisa para entender quantas crianças haviam ficado órfãs por causa da violência.

"Nós pesquisamos 11 mil domicílios no nordeste. Queríamos saber o impacto da violência doméstica no mercado de trabalho e uma das questões era se as mulheres conheciam crianças e adolescentes que eram filhos de quem sofreu feminicídio. A contabilidade final é que, para cada mulher assassinada, temos três órfãos", diz a cofundadora e vice-presidente do Instituto Maria da Penha, Regina Célia.

O código civil sofreu uma alteração em 2018 na Lei 3175, que, a partir da mudança, destitui do pai os seus direitos à paternidade após o crime. "A lei não fala em condenação para que isso ocorra, mas sim da prática. Em tese, basta ter cometido o ato. Mas ainda é necessária uma sentença do juiz ", diz o advogado e especialista em direito de família Felipe Ragusa.

Se o pai perde o direito à guarda, a família paterna, por consequência, também. Sendo assim, as crianças costumam ficar com a parte materna da família. "A família paterna perde, por extensão, os direitos. Se elas não têm família, as crianças vão para o abrigo. Os avós paternos poderiam ter a guarda se for comprovado que eles atendem os interesses das crianças", diz Felipe. Mas Regina acredita que, em muitos casos, as crianças ficarem com a família do genitor pode ser prejudicial ao desenvolvimento psicológico.

"Temos que pensar no trauma psicológico. Além da batalha que ela terá que vivenciar entre as famílias, direito de visita, ver aos domingos, na escola. Vai vivenciar esse drama desde muito cedo. Dependendo do litígio, ela pode ouvir a vida inteira que o crime foi culpa da mãe", diz Regina. Para a integrante do Instituto Maria da Penha, esse abalo pode levar a limitações cognitivas, mas não há no Brasil um estudo que faça esse tipo de acompanhamento.

"Infelizmente, não há um estudo detalhado sobre o assunto e ele seria muito importante, pois ajudaria a entender o perfil do jovem que se envolve, por exemplo, na prática de delitos, que tem depressão ou que sofre violação sexual", completa Regina.