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Ex-namorada acusa secretário da Pessoa com Deficiência de SP de agressão

O secretário-adjunto da Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência da Prefeitura de São Paulo, Vinicius Schaefer: denúncia de violência doméstica - Arquivo pessoal
O secretário-adjunto da Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência da Prefeitura de São Paulo, Vinicius Schaefer: denúncia de violência doméstica Imagem: Arquivo pessoal

Marina Santa Clara

Colaboração para Universa, de São Paulo

11/07/2022 04h00

Vinicius mandou as primeiras mensagens para Laís em 2013. Só em 2020 passaram a se falar ocasionalmente. Ele vivendo em São Paulo (SP), ela, em Belo Horizonte (MG). Surdos, ambos são atuantes no ativismo em prol de pessoas com deficiência, e o universo em comum foi o motivo dos primeiros contatos. Ainda naquele ano, a conversa passou a ser um flerte pela internet e evoluiu para um primeiro encontro presencial na capital mineira. Teve início ali um namoro que durou um ano e meio.

O começo foi de paixão, gentilezas e declarações de amor mas, hoje, em um caso que corre em segredo de Justiça, Laís Gonçalves da Costa Chaves, 32, acusa Vinicius Schaefer, secretário-adjunto da Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência da Prefeitura de São Paulo, de agressão em contexto de violência doméstica e de perseguição. Também afirma que ele utiliza o cargo que ocupa na administração municipal para boicotá-la e prejudicá-la profissionalmente.

Ele nega os crimes. "As alegações da senhora Laís são infundadas, haja visto nunca ter ocorrido nenhum tipo de agressão física ou verbal", diz a nota enviada por sua advogada, Jessyca Baqueiro (leia mais no final deste texto).

Agredida por não dar boa noite à sogra

Em janeiro deste ano, quando o relacionamento já havia acabado, Laís levou o caso à esfera judicial pela primeira vez: registrou um boletim de ocorrência contra o ex alegando ter sido agredida física e psicologicamente por ele.

As primeiras agressões, conta, eram psicológicas. Segundo o relato de Laís, ele começou a ficar agressivo após seis meses de namoro, quando passou a, primeiro, chutar móveis e bater neles com outros objetos. Em dezembro de 2021, segundo Laís, ele bateu nela pela primeira vez, justificando que ela não havia dado boa noite para a mãe dele. Nessa situação, segundo ela relata, a chacoalhou, empurrou e apertou seus braços. Dois dias depois, diz, estavam no carro e ele, dirigindo, começou uma briga sem motivo. Tentou agredi-la com socos, que acertaram o vidro do carro.

Por morar em Minas Gerais, esse boletim de ocorrência foi feito lá. Desde então, Laís tem medidas protetivas que proíbem Vinícius de manter contato com ela ou com os familiares dela, de mencioná-la em qualquer plataforma digital, como redes sociais, e de se aproximar dela —a ordem é que fique a pelo menos 300 metros de distância.

Universa conseguiu acessar documentos que comprovam os relatos, como boletim de ocorrência e manifestação do Ministério Público de Minas se posicionando de maneira favorável a Laís, reconhecendo a necessidade de medidas protetivas.

Medidas protetivas foram descumpridas, diz vítima

No dia 7 de março, no entanto, os dois estiveram no mesmo espaço. Laís foi à Câmara Municipal de São Paulo convidada para discursar no Lançamento da Frente Parlamentar em defesa da pessoa com deficiência e doenças raras. "Quando cheguei lá, vi o nome dele na mesa-diretora e fiquei apavorada. E ele ainda discursou. Só saiu depois de mais de 50 minutos, mesmo eu avisando à equipe, desde o início do evento, que eu tinha uma medida protetiva. Chegaram a sugerir que a gente só deixasse as cadeiras afastadas", afirma.

Em vídeo postado no canal do YouTube da Câmara Municipal de São Paulo é possível ver os dois no local. No mesmo dia, após o evento, Laís registrou um novo boletim de ocorrência na Delegacia de Polícia da Pessoa com Deficiência.

O secretário-adjunto alega que não sabia que estava descumprindo uma ordem judicial. "Não ocorreu nenhum descumprimento de medida protetiva, pois ele não tinha conhecimento de que ela havia formalizado boletim de ocorrência e que teria medida protetiva, tanto que temos documentação comprobatória de que ele tomou ciência após o evento", diz a nota enviada pela advogada de Vinicius. Ela não detalhou quais seriam os documentos citados.

Novo boletim de ocorrência por perseguição

No evento na Câmara Municipal, Laís apresentou um projeto que começou a desenvolver em 2021: um festival cultural voltado a pessoas com deficiência auditiva, e para o qual ainda hoje busca apoios e patrocínios. "Depois que fiz as denúncias, percebi que as portas foram se fechando. Tanto com pessoas da política quanto com possíveis patrocinadores com quem ele já sabia que eu estava em contato. Passei a ser ignorada, as pessoas não me atendem. Ele manchou a minha imagem. Como ele é uma pessoa influente, ninguém quer se indispor", afirma ela.

A reportagem teve acesso a uma conversa via WhatsApp do secretário-adjunto com uma assessora de Laís em que ele afirma, via mensagem de texto, que "se [Laís] realmente me processar, sem chances de ajudar".

Logo após o episódio na Câmara, Andréa Augé, advogada de Laís, recebeu mensagens de Vinicius, que dizia querer "fazer amizade", sem mencionar o processo judicial. "Ele me encontrou em um perfil do Instagram que é fechado para amigos e familiares. Não sei qual a intenção dele, se era me ameaçar ou se era mais uma tentativa de isolar a vítima. Trabalhei em diversos casos de violência contra a mulher e essa é a primeira vez que o acusado me procura dessa forma", diz Andréa.

Laís registrou, então, um boletim de ocorrência denunciando o ex por perseguição. "As provas de perseguição têm a ver com ele falar abertamente que, caso ela o denunciasse, as portas seriam fechadas. O crime de 'stalking' demora para ser compreendido, pois é a perseguição reiterada", afirma a advogada.

"A partir do momento em que esses comportamentos se tornam persistentes e perigosos, é possível identificar o ciclo de violência que começa a ser estabelecido. Em algumas situações, essa violação se inicia de forma sutil. Algumas vezes, o agressor adiciona ou entra em contato com amigos, familiares, vizinhos e colegas de trabalho do seu alvo, com o intuito de ter informações sobre o que a pessoa faz. Tudo isso faz a mulher não se sentir segura e em paz, pois está sendo perseguida."

A advogada de Vinicius afirma que "não há no que se falar em perseguição por parte do senhor Vinicius, pois não tem contato com a senhora Laís há muitos meses".

No último dia 14 de junho, Laís fez um novo pedido à Justiça: para que as medidas protetivas referentes à denúncia de perseguição sejam cumpridas e para que um ofício seja enviado tanto à Prefeitura de São Paulo quanto à Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência. A prefeitura foi procurada pela reportagem por e-mail para responder se já recebeu o ofício e o que pode ser feito em relação à denúncia. Não houve resposta até a publicação deste texto, que será atualizado caso haja manifestação.

A investigação sobre as denúncias de violência física e psicológica iniciaram em Minas Geraise e, agora, estão em São Paulo, onde o caso deverá ser julgado por ser o lugar em que os fatos relatados teriam acontecido. As medidas protetivas de Laís seguem valendo.

Outro lado

A reportagem entrou em contato com o secretário Vinicius Schaefer via WhatsApp pedindo que ele expusesse seu posicionamento em relação às denúncias. Ele solicitou que as perguntas fossem enviadas pelo aplicativo de mensagens.

Foram enviados questionamentos a respeito das acusações de agressão física, psicológica, do descumprimento da medida protetiva, do suposto boicote ao projeto social, do contexto da mensagem trocada entre ele a assessora de Laís à qual a reportagem teve acesso, da perseguição profissional e do contato com a advogada da ex. Também pelo WhatsApp, alguns minutos depois, sua advogada, Jessyca Baqueiro, retornou, com a resposta abaixo, reproduzida na íntegra:

"Por oportuno informo que as alegações da senhora Lais são infundadas, haja vista nunca ter ocorrido nenhum tipo de agressão física ou verbal, de fato também não ocorreu nenhum descumprimento de medida protetiva, pois ele não tinha conhecimento que ela havia formalizado boletim de ocorrência e que teria medida protetiva, tanto que temos documentação comprobatória de que ele tomou ciência após o evento. Não há no que se falar em perseguição por parte do senhor Vinicius, pois não tem contato com a senhora Lais há muitos meses. Por fim informo que o senhor Vinicius não autoriza nenhum tipo de reportagem que tenha vínculo com sua imagem, seu nome e vida pessoal. Saliento que caso tal reportagem, caluniosa, difamatória e tendenciosa seja veiculada tomaremos as medidas cabíveis em face dos responsáveis."

Como denunciar violência doméstica

Se você está sofrendo violência doméstica, seja física, psicológica ou sexual, ou conhece alguém que esteja passando por isso, pode ligar para o número 180, a Central de Atendimento à Mulher. Funciona em todo o país e no exterior, 24 horas por dia. A ligação é gratuita. O serviço recebe denúncias, dá orientação de especialistas e faz encaminhamento para serviços de proteção e auxílio psicológico. O contato também pode ser feito pelo Whatsapp no número (61) 99656-5008.

Para denunciar formalmente, procure uma delegacia próxima de sua casa, de preferência especializada em atendimento a mulheres. Outra possibilidade é fazer um boletim de ocorrência eletrônico, pela internet.

Caso tenha receio em procurar as autoridades policiais, é possível procurar ajuda em um Cras (Centro de Referência de Assistência Social) ou Creas (Centro de Referência Especializado de Assistência Social) da sua cidade. Em alguns deles, há núcleos específicos para identificar que tipo de ajuda a mulher agredida pelo marido precisa, se é psicológica ou financeira, por exemplo, e dar o encaminhamento necessário.

Também é possível realizar denúncias de violência contra a mulher pelo aplicativo Direitos Humanos Brasil e na página da Ouvidoria Nacional de Diretos Humanos, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos.