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Pathy Dejesus diz que sofreu preconceito médico por querer ser mãe aos 40

Pathy está no ar como a ambiciosa engenheira Ruth da novela das 9 da TV Globo, Um Lugar ao Sol. - Andre Nunez
Pathy está no ar como a ambiciosa engenheira Ruth da novela das 9 da TV Globo, Um Lugar ao Sol. Imagem: Andre Nunez

Lais Risato

Colaboração para Universa

04/01/2022 04h00

O nascimento do filho Rakim, de 2 anos, e a terapia, processo iniciado pouco antes de tornar-se mãe, colocaram Pathy Dejesus, 44 anos, em um lugar mais consciente e afetuoso consigo mesma para lidar com dilemas pessoais e profissionais, especialmente sendo uma mulher negra. "A minha terapeuta é uma mulher preta de 70 anos e é uma mentora, porque muitas das coisas que eu vou verbalizar para ela, ela já passou, tem esse entendimento e sabe do que estou falando. E isso faz muita diferença", conta, em entrevista a Universa.

Workaholic assumida, a atriz está no ar como a ambiciosa engenheira Ruth da novela das 9 da TV Globo, Um Lugar ao Sol, voltou a trabalhar quando o filho tinha apenas dois meses e meio. Na época, em pleno puerpério, estava gravando a segunda temporada da série "Coisa Mais Linda, da Netflix. "Eu não sabia nem quem eu era, não conseguia ter essa autocompaixão, então, tive crises: chorava sozinha, me culpava no estúdio porque eu estava lá, e me culpava em casa porque eu não sabia se estava sendo uma boa mãe. Não faria isso comigo de novo, jamais", afirma a atriz, que cria o filho sozinha: "Sou uma mãe solo e solteira, Rakim é fruto de um relacionamento curto que tive", explica.

Qualquer que seja o assunto, Pathy sempre coloca à frente da discussão, de forma importante e necessária, questões raciais, como o assédio sofrido pelas mulheres na moda - universo onde começou sua carreira, aos 17 anos - e na arte, a maternidade solo e a criação do filho, e também o etarismo. Leia os principais trechos da entrevista a seguir:

"Terapia me ajudou muito a ser mais generosa comigo", diz atriz - Sergio Baía - Sergio Baía
"Terapia me ajudou muito a ser mais generosa comigo", diz atriz
Imagem: Sergio Baía

UNIVERSA - Você classifica a Ruth como uma vilã?
PATHY DEJESUS - É tão difícil julgar, porque meu exercício como atriz é justamente sair desse lugar de julgamento. Obviamente ela tem um desvio de caráter absurdo; só de usar de caminhos para ter uma coisa que não é dela, já está errado. Mas isso é o que eu penso, tem gente que faz isso de uma forma muito natural e tudo bem, inclusive, é o caso de muitos nesse país. Então, vai do ponto de vista.

A Ruth é insaciável, ela quer ter muito dinheiro, quer sempre mais. Agora, vilania é um lugar tão complexo, porque se você parar para analisar a fundo os personagens dessa novela, todo mundo tem o rabo preso, ninguém é vilão ou mocinho.

Na trama, a personagem Rebeca (vivida por Andréa Beltrão) passa por uma crise de idade e lida com a menopausa. Para você, a idade é ou já foi um problema?
Não, tirando o momento em que eu despertei para a vontade de ser mãe, quase aos 40. Ouvia algumas negativas de profissionais que nem foram tão a fundo para saber da minha saúde, da idade dos meus óvulos, julgaram apenas pelo que está ali no meu RG.

Acredito que a idade é muito isso também, é uma data que você precisa ter; você nasceu naquele dia, mas é tão complexo esse lugar da gente começar a responder, eu tive esse processo nesse momento; esse processo de passar da idade de ser mãe... será?

O relógio biológico das mulheres é mais cruel?
Eu não me sinto velha, sou muito bem resolvida com isso e não é um problema. Quando eu tinha 25 anos, verbalizava que meu ápice seria por volta dos 40, eu sempre tive essa consciência... Sabia que ia ter que percorrer um caminho muito longo para alcançar meus objetivos e que não seria fácil, principalmente quando eu decidi viver de arte.

Sempre soube que por ser uma mulher preta e vindo de onde eu vim, não tendo nenhum artista na família e nenhuma referência, que seria muito difícil, era uma estrada longa a trilhar. Partindo desse princípio, se eu começasse a me julgar pela idade, eu nem começava.

Então, isso me ajudou a entender o tempo de uma forma diferente e usá-lo ao meu favor.

Como foi a decisão de ter o Rakim e a opção pela maternidade solo?
O Rakim é fruto de um relacionamento curto, tive uma relação que acabou quando ele tinha seis meses, e essa discussão de maternidade solo é algo ainda muito novo. Ser mãe solo e mãe independente são coisas diferentes. A mãe solo é aquela que é responsável pela tomada de decisões sobre a criação do seu filho, pela questão financeira, e existem várias mulheres casadas que, na prática, são mães solo. A sobrecarga da maternidade é toda dela. Então, é sobre isso que estamos falando, eu sou uma mãe solo e solteira.

Pathy Dejesus e o filho Rakim, de 2 anos: "sou uma mãe solo e solteira" - Babuska.Fotografia - Babuska.Fotografia
Pathy Dejesus e o filho Rakim, de 2 anos: "sou uma mãe solo e solteira"
Imagem: Babuska.Fotografia

Sentiu preconceito dos médicos quando dizia que queria ser mãe após os 40?
Exato, eu lidei com profissionais que não queriam saber como era a vida que eu levava, como eu meu alimentava, se eu me exercitava, e nem pediam para fazer um exame hormonal, porque tudo isso influencia pra caramba. Tanto que eu fui mãe de forma natural e foi muito maravilhoso, não tive problema nenhum na minha gravidez. Mas isso é muito difícil porque não depende só de mim, de eu me sentir bem e confortável com minha idade, se a sociedade, estruturalmente, não aceita isso.

Vivemos em uma sociedade heteronormativa patriarcal, em que a mulher a partir dos 40 já não é mais útil para muita coisa. E aí a gente vê casamentos que acabam e, falando sobre a personagem da Andréa Beltrão, tem esse medo, essa solidão, porque existem os homens que largam as mulheres mais velhas e isso é normalizado, mas o contrário, é ridicularizado.

É uma discussão muito complexa, porque também existe o recorte de raça: a solidão da mulher negra existe sim, e eu vejo muita gente debochar disso. E se você junta essas duas coisas (idade e raça), é algo desesperador.

Você já declarou que sofreu muito na época do puerpério, porque voltou a gravar a segunda temporada de Coisa Mais Linda quando o Rakim tinha apenas dois meses e meio. Hoje, o que teria feito diferente?
A única coisa, talvez, fosse realmente bater um pouco mais de frente com a situação de ter voltado a trabalhar muito cedo. Eu estava vivendo minha primeira e única protagonista numa série que teve uma primeira temporada como um dos maiores sucessos da Netflix... e a produção disse que podia me esperar até tal data para gravar, mas pra mim era impossível, então, falaram que iam dar um jeito.

Na minha cabeça era: "talvez eles deem um jeito de encurtar minha importância na história e será que eu quero isso?". Pensei em tudo o que eu passei pra chegar até ali, em todos os sacrifícios, todos os "nãos", a falta de oportunidades, uma mulher preta nessa carreira, e pensei que se eu não fosse, seria muito simples pros caras me limarem. Isso era como minha cabeça estava funcionando: como as oportunidades iam ser pouquíssimas, tinha que estar pronta para todas elas.

E eu não estava entendendo o puerpério ainda, não sabia nem quem eu era, não conseguia ter essa autocompaixão, então, tive crises: chorava sozinha, me culpava no estúdio porque eu estava lá, e me culpava em casa porque eu não sabia se estava sendo uma boa mãe. Não faria isso comigo de novo, jamais, acho que a maternidade também me trouxe um olhar mais generoso comigo em vários aspectos, até na profissão. Eu me cobrava muito, tinha que ser tudo ao mesmo tempo, e a terapia me mostrou que não.

Você já fazia terapia antes de se tornar mãe?
Ela veio um pouquinho antes da maternidade, e acho que deveria ser um direito de todos, esse é um lugar que ainda precisa ser desmistificado.

Eu mesma já fui uma pessoa que achava terapia frescura, ou uma coisa de quem não dá conta, tá surtando... e eu falo que as mulheres pretas deveriam ter um crachá de terapia gratuita vitalícia, porque não é desse mundo o que a gente atravessa! A minha terapeuta é uma mulher preta de 70 anos e é uma mentora, porque muitas das coisas que eu vou verbalizar para ela, ela já passou, tem esse entendimento e sabe do que estou falando.

E isso faz muita diferença na minha terapia, me ajudou muito a ser mais generosa comigo, a não ter que ser uma super-heroína ou buscar esse lugar de perfeição.

O racismo impacta na forma como você cria seu filho?
Óbvio! Você já deve ter ouvido muita mãe preta falar sobre isso, a gente tem que lidar desde quando a criança está na barriga, pensando em possíveis situações que ela possa passar. E olha que o meu filho, mesmo sendo um negro de pele clara, eu já penso em como muni-lo de coisas para que ele primeiro identifique o racismo e, depois, o combata. Penso em como vou fazer para alimentar a autoestima dele, para que ele cresça com orgulho de quem é e da sua ancestralidade.

Ao mesmo tempo, trabalho muito na terapia para não trazer ou antecipar dores que são minhas. Não no sentido de dividir minhas dores, mas de processos de como eu lidei com as coisas. Eu não quero uma mini Pathy, porque ele é um indivíduo, um ser humano que veio de mim, mas que tem livre-arbítrio. Tenho que levar em consideração o que ele é e como ele vai pensar, como ele vai gerenciar essas questões, e eu respeito muito a individualidade dele.

Na segunda temporada da série Coisa Mais Linda, existe a diferença gritante entre sua personagem, Adélia, que trabalha desde nova, e a Malu (Maria Casadevall), uma mulher branca, lutando pelo direito de trabalhar. Acha que as pessoas entenderam essa diferença, de que essas duas lutas feministas não são iguais?
Sinceramente? Muita gente não, mas é louco porque muita gente sim. A série tem algo mágico que é: ela não veio para levantar bandeiras, mas foi inevitável porque eram quatro mulheres muito conscientes de tudo, desse lugar, das diferenças principalmente, e a gente se escutou muito, foi maravilhoso esse processo criativo.

Pathy Dejesus - Karine Basilio - Karine Basilio
Pathy começou a carreira como modelo, aos 17 anos.
Imagem: Karine Basilio

Como buscamos referências e situações para construir as personagens, vimos um abismo de diferenças e foi muito bonito, eu e a Maria (Casadevall) choramos em vários momentos; eu, de ter que voltar em situações que as minhas ancestrais passaram e, como mulher empoderada que sou, falava: "a Patricia não vai passar por isso". E eu tive que passar para dar vida a uma personagem, e foi um lugar muito desconfortável e difícil.

A empatia que as pessoas criaram pela Adélia talvez tenha feito com que elas tivessem um coração mais aberto para a situação de vulnerabilidade dela com aquela patroa escrota, por exemplo, que a fez subir de escada ao invés de usar o elevador, assim como os moradores do prédio onde ela trabalhava.

Nos últimos anos tem se falado muito sobre racismo na moda, uma área na qual você começou sua carreira, mas também sobre assédio. Você já sofreu assédio trabalhando, como modelo ou atriz?
Toda mulher, em algum momento, já passou por isso. Ao longo da minha carreira, me deparei com situações que me fizeram questionar meu lugar no mundo, bem como as mulheres são vistas.

Quando vamos para um recorte de raça, essa situação é ainda mais calamitosa. O sistema nos oprime, nos assedia, nos sexualiza, nos invalida.

Mas hoje a gente tem caminhado para processos em que as mulheres têm suas vozes aumentadas, escutadas, legisladas. Contudo, estamos falando de uma questão estrutural e sistêmica, então, o desafio é enorme. É uma luta diária para que a lei seja mais rígida, eficaz.