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Aos 62, Leilane Neubarth: 'A gente envelhece e as rugas aparecem. E daí?'

A jornalista Leilane Neubarth durante gravação do programa "O Tempo que a Gente Tem", do GNT - Arquivo Pessoal
A jornalista Leilane Neubarth durante gravação do programa "O Tempo que a Gente Tem", do GNT Imagem: Arquivo Pessoal

Júlia Flores

De Universa

17/10/2021 04h00

Quando estava prestes a completar 39 anos de idade, a jornalista Leilane Neubarth decidiu fazer três festas de aniversário para "se despedir da juventude". Na cabeça da apresentadora carioca, aos 40, ela já não teria motivos para comemorar, pois estaria velha.

Agora, aos 62, Leilane se orgulha da velhice. "A longevidade é uma revolução", comenta em entrevista a Universa. Com mais de 40 anos de TV, a jornalista deu um passo significativo em sua carreira: na quinta-feira (14) foi ao ar o primeiro episódio da série "O Tempo que a Gente Tem", programa do canal GNT em que a apresentadora aborda os desafios da maturidade.

Dividida em 4 episódios, a atração busca desmistificar tabus ao redor de temas como trabalho, amor, sexo, consciência, memória e descobertas para pessoas maduras. "Eu hoje não me vejo representada em nenhum programa", desabafa a jornalista que, em 2021, também ganhou um jornal para "chamar de seu", o Conexão GloboNews.

A apresentadora conta que assumir a idade nunca foi um problema, já encarar a velhice, sim. "Antes eu tinha pavor de envelhecer. Hoje não estou preocupada com nada além de ser feliz", comenta a jornalista. "Tenho amigos, meus filhos, meu neto e minha namorada. Só procuro estar cercada por uma rede de afetos", diz Leilane, que se autodenomina "insistentemente otimista".

A seguir, ela fala sobre o novo programa e como enxerga seu processo de envelhecer.

UNIVERSA - Como surgiu a ideia de criar um programa sobre longevidade?

Leilane - 'O tempo que a gente tem' é um projeto meu. A ideia surgiu depois que comecei a receber cartas e mensagens da escola do meu neto com imagens que representavam a avó como uma mulher recatada, batendo um bolo, com um coque no cabelo, fazendo crochê. Eu não sou essa avó. Tenho uma vida, uma namorada [Gaia Maria], ando de moto, mas isso não está representado nem na TV aberta, nem na TV fechada, e muito menos no streaming. No Instagram você até tem algumas pessoas que, de forma isolada, falam sobre o tema. Mas as agências de publicidade, por exemplo, não têm modelos 50+. É um erro porque somos um dos países do mundo em que a população está envelhecendo muito rápido.

Minha maior questão com meu neto (Francisco) é explicar que ele ainda é pequeno pra andar de moto comigo; essa avó não está em lugar nenhum

Quem fala da gente? Este público foi prejudicado durante a pandemia, virou alvo de chacotas, de memes. Somos um país muito preconceituoso com o velho. O que a gente observa é que todos os adjetivos positivos são para os jovens: ele é o produtivo, o bonito, o que tem capacidade. O velho não, o velho é quem tem que ficar em casa, tem que descansar, é o ranzinza, o que atrapalha, o que dá despesas para o governo. Eu quero poder falar com esse público que estamos juntos e temos muita vida pela frente.

"O tempo que a gente tem" estreou na última quinta-feira (14) - GNT - GNT
"O Tempo que a Gente Tem" estreou na última quinta-feira (14)
Imagem: GNT

Como você convenceu as pessoas sobre a importância desse projeto?

Mostrei que existia um público que não estava sendo atendido por nenhum programa de TV. Nossa geração está aprendendo agora a envelhecer. Não posso me basear na experiência da minha mãe ou da minha avó, porque foi outro tipo de velhice. As pessoas se aposentavam e ficavam numa cadeira de balanço. A medicina dizia: 'o velho não pode fazer esforço, tem que ficar em casa'. Hoje já não é mais assim. Começamos a trabalhar a ideia antes da pandemia, mas só tiramos o piloto do papel em julho deste ano.

De que forma a "ditadura da idade" — de estar sempre bonita, de não ter rugas, não envelhecer — impactou a sua vida?

O curioso disso é que a velhice amedronta muito mais quem ainda não chegou nela. Em geral, as pessoas de 39, 45 anos têm muito mais medo da velhice do que eu, que tenho 62. Quando estava prestes a completar 39, fiz três festas de aniversário, porque estava morrendo de medo de ficar velha. Pensava assim: 'vou fazer 40 e ficar deprimida'. Com 50 eu não senti isso, fiz uma grande festa para 300 pessoas (e olha que eu tinha acabado de terminar um casamento de 22 anos), queria celebrar a vida. Quando fiz 60 também comemorei. Sim, é óbvio que existe uma ditadura da idade, mas ela é pior para a mulher mais nova. Vejo amigas com 40, 50 anos, se 'embotocando' inteiras. Por que elas fazem isso?

Tenho rugas sim, e daí? Quando era adolescente tinha espinhas. Não morri por conta disso. Do mesmo jeito que antigamente eu passava creme para espinha, hoje eu passo produto para cuidar da pele

Por ser uma mulher pública, imagino que você enfrente criticas sobre a aparência. Como é o processo de envelhecer na frente da TV?

Brinco que estou envelhecendo em HD e 4K. Quando eu era novinha e não tinha rugas, a imagem da TV era uma merda, mas agora que tenho 62 o telespectador pode ver até meus poros. Mas você sabe que eu nunca enfrentei críticas com relação a isso? Primeiro porque eu nunca escondi minha idade. Já recebi comentários sobre o meu sotaque, dizem que eu faço careta, que não sou imparcial, mas nunca falaram que estou ficando velha.

Se falassem, como você rebateria estas críticas?

Eu ia falar: 'Estou velha? Sim. Tenho rugas? Sim. E daí?'. Tenho por filosofia acreditar que é melhor envelhecer com a minha própria cara e com dignidade do que com outra cara. Claro que eu gostaria de ter nascido com a cara da Julia Roberts, mas isso não aconteceu. Essa é a minha cara e é com essa cara que eu vou morrer. Não gosto da ideia de mudar de aparência. Já apliquei botox, já fiz plástica (nas pálpebras) e já fiz procedimento de fios, mas só isso. No programa, não fizemos um episódio só sobre este assunto. Talvez, pela minha experiência, a beleza não seja a coisa mais importante da vida.

Quando a gente é novinha, somos mais inseguras com a nossa aparência. Hoje em dia estou cagando para o que pensam de mim

Não preciso impressionar ninguém. Atualmente eu só quero que as pessoas me ouçam, quero trocar experiências. O problema é que a nossa cultura é voltada para isso [a aparência], mas esse envelhecer da beleza é o que menos me preocupa.

Um dos assuntos abordados no programa é sexo, tema ainda rodeado de tabus e preconceitos. Dizem que a mulher mais velha não ama, não faz sexo, não goza. Qual sua opinião sobre isso?

É importante desmistificar essa ideia. Uma das nossas personagens, inclusive, fala abertamente sobre o assunto — ela diz que usa sex toy e muito mais. Ainda existe o conceito de que a mulher, depois que entra na menopausa, não serve para nada. É só uma mudança hormonal séria que, para algumas pessoas causa mudanças severas, para outras não. Acham que após esse período a gente não transa mais, só que, olha só: o prazer é o mesmo de antes, não muda em nada.

Você foi casada com um homem por 22 anos e, depois que se separou, aos 50, começou a namorar uma mulher. Como foi esse processo? Chegaram a falar que você estava velha demais para amar de novo?

As pessoas me perguntam se eu sempre fui gay — ou se era uma gay frustrada — e eu respondo que não. Eu era feliz pra caramba no meu casamento, mas acabou. Quando me separei, descobri que eu podia viver uma nova forma de amor, que nunca tinha passado na minha cabeça. Não enfrentei preconceito. Claro que meu ex-marido (meu segundo, porque me casei pela primeira vez aos 20) não ficou feliz, mas não foi nada demais. Se fosse para me encaixar em uma caixinha, diria que sou bissexual.

Você planeja envelhecer ao lado dela?

Eu achava que ia envelhecer com meu ex-marido. Quando as crises no casamento surgiram, fui para a terapia. Disse para a psicóloga: 'Sonhei a vida inteira em envelhecer com esse homem, e agora?'. Ela respondeu: 'Então talvez seja a hora de você sonhar com outras coisas'. Hoje a única certeza que tenho é que não serei uma velha abandonada. Tenho muitos amigos, tenho família, namorada, além disso, eu cultivo o amor. A gente ouve muito 'coitado daquele velhinho, foi colocado em um asilo e a família não visita'. É triste, sim, mas a gente não sabe como ele tratava a família quando era adulto. Você não pode plantar alho e colher rosa. É fundamental olhar para como você vive hoje porque envelhecer não é um assunto só para velhos. Minha intenção com o programa é fazer cócegas nas pessoas e avisar: 'Presta atenção, você ainda vai viver muito'.

Quanto ao trabalho na TV, você ficou com medo de que te "descartassem" por causa da idade?

Tenho esse medo o tempo todo [risos]. Essa é uma questão constante, principalmente para quem trabalha com vídeo. "Ah, vão me trocar por duas de vinte". Só que não é assim, principalmente para o jornalista, porque trazemos com a idade o patrimônio da experiência. Confesso que não achava que ia voltar a trabalhar depois da pandemia. Mas não só voltei, como me deram um jornal novo [o Conexão GloboNews]. O Ali [Ali Kamel, diretor-geral de Jornalismo da Globo] disse que conta comigo por muito tempo ainda.

Como você enfrentou a pandemia e o fato de ter que se afastar do trabalho presencial por conta da idade?

Passei por várias fases. Num primeiro momento, chorei. Não achava justo, porque era uma pessoa super saudável e tinha que ficar trancada em casa só por ter mais de 60 anos. Mas tudo bem, né, tinham que definir um critério e esse foi o escolhido. Mas depois eu dei a volta cima. Estudei para o novo programa e me preparei. Não sou de ficar em casa chorando: sou insistentemente otimista.