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Longevidade

Práticas e atitudes para uma vida longa e saudável


Será que é possível aprender a envelhecer? Ficar velho exige planejamento

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Marcia Di Domenico

Colaboração para VivaBem

06/08/2021 04h00

Mesmo com a redução de quase dois anos na expectativa de vida no país por causa da pandemia de covid-19, como apontou estudo em parceria da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) com a Universidade Harvard (EUA), o brasileiro nunca viveu tanto tempo: um adulto com mais de 60 anos hoje —a faixa etária que mais cresce no país— deve se preparar para viver, em média, mais 20 anos, de acordo com estimativas do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Mas, pelo menos por aqui, viver muito está longe de significar viver bem até o fim da vida, o que tem a ver com nosso contexto socioeconômico e cultural. Cerca de 65% das pessoas acima de 60 anos são hipertensas, segundo dados da Socesp (Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo); também são as que mais sofrem com depressão, o que está ligado à perda de relações familiares e sociais e o sentimento de inutilidade, além da deterioração da saúde geral.

Na avaliação dos especialistas, o brasileiro envelhece cedo e mal.

Mudança de mentalidade

Para além dos bons hábitos de saúde preconizados para viver por muito tempo com bem-estar e livre de doenças, envelhecer bem —isto é, com autonomia (física, cognitiva e emocional), satisfação e motivação para se cuidar— é uma questão de mudar a mentalidade em relação ao envelhecimento, buscando vê-lo como um processo que dura toda a existência, e não como uma etapa que começa em determinada idade ou está separada do restante que já vivemos.

"Continuamos sendo nós mesmos por toda a vida, apenas mais velhos", escreve Anne Karpf, socióloga e autora do livro "Como Envelhecer" da The School of Life. "O envelhecimento nos dá a oportunidade de sermos totalmente nós mesmos: mais, e não menos, indivíduos. Envelhecer, em cada estágio da vida, pode ser altamente enriquecedor", completa.

Olhar para a velhice como uma experiência (e não a derrocada da juventude ou "o fim da linha") e a chance de seguir aprendendo e se desenvolvendo, indo assim contra a discriminação pela idade e estigmas de limitação física e cognitiva, também é chave para abraçar a beleza dessa fase.

"A construção do nosso repertório de vida não se dá apenas na primeira metade vivida, como a sociedade faz parecer", fala Candice Pomi, psicóloga, gerontologista e mentora em longevidade. "Quando bem planejada e vivida, a velhice é uma oportunidade de integrar tudo o que se aprendeu ao longo dos anos e chegar cada vez mais perto da própria essência, ser cada vez mais quem somos."

Um estudo da Escola de Medicina de Yale (EUA) demonstrou que cultivar crenças positivas em relação ao envelhecimento, como de ser uma fase de crescimento pessoal e felicidade, ajuda a reduzir o risco de demência em idosos com mais de 60 anos, mesmo aqueles com predisposição genética para a doença.

Diante dos resultados, Becca Levy, psicóloga, pesquisadora do envelhecimento e uma das autoras do trabalho, reforça a importância de se combater a discriminação pela idade, também chamada de idadismo ou ageísmo. O ideal é não esperar chegar à maturidade para começar a se preocupar com ela, embora nunca seja tarde para isso.

Planejando a velhice

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Para Thais Ioshimoto, médica geriatra do Hospital Israelita Albert Einstein (SP), é preciso aprender a envelhecer: assim como passamos a infância e a adolescência nos preparando para nos tornarmos adultos, é importante incluir a velhice no planejamento da vida, a fim de minimizar as perdas naturais que tendem a vir com a idade —funcionais, cognitivas, financeiras e sociais— e criar reservas que vão ajudar a viver uma velhice com sentido e satisfação.

Cuidar da saúde física e mental, manter-se mentalmente ativo, cultivar relações verdadeiras e alguma forma de espiritualidade (não necessariamente ligada a religião), manter em ordem a vida doméstica, financeira e familiar são providências que devem começar a ser tomadas o quanto antes.

O processo de desenvolver essa espécie de inteligência para envelhecer também passa por exercitar:

Curiosidade - ter uma mente aberta para acolher visões diferentes e se manter sempre aprendendo ajuda a se adaptar com menos sofrimento a um mundo em constante mudança. O cérebro continua sendo moldado pelas nossas experiências até o fim da vida, e quanto maior a diversidade de estímulos, mais azeitados se tornam os processos cognitivos.

A curiosidade e a disposição para se manter física e mentalmente ativo, aliás, são consideradas características dos superidosos, como se chama o grupo acima de 80 anos com desempenho em testes de memória comparável ao de pessoas até 20 mais jovens.

Vulnerabilidade - para acolher os próprios erros, medos e limitações naturais do processo de envelhecer, criar conexões verdadeiras, perder o medo das mudanças e seguir crescendo apesar das instabilidades da vida. É importante também para aceitar a finitude como parte da existência e planejar como deseja ser cuidada caso precise de ajuda na velhice.

Aceitação e desapego - do passado, pontos de vista, padrões e escolhas. Não se trata de negar a própria história nem o envelhecimento, mas de se permitir seguir em frente sem ficar achando que o que tinha antes era melhor do que tem hoje.

"É importante recorrer ao passado pelo conjunto de instrumentos que podem ajudar a navegar no presente e no futuro, mas não para tentar reviver o que já foi", fala Valmari Cristina Aranha, psicóloga, professora do Centro Universitário São Camilo (SP) e membro da diretoria da SBGG (Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia).

Mentoria em longevidade

Para muitas pessoas, o reconhecimento do envelhecimento envolve luto —por perdas físicas reais, mudança de papel social, morte de pessoas próximas e consciência da própria finitude— e, por isso, pode ser útil procurar ajuda profissional para atravessá-lo.

O processo de mentoria em longevidade também é uma alternativa para se preparar para chegar bem à maturidade, o que cada vez mais tem sido preocupação dos mais jovens. A psicóloga Candice Pomi conta que sua mentorada mais jovem está na casa dos 30 anos.

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Imagem: FG Trade/iStock

"São pessoas que estão vendo os pais envelhecendo mal e não querem ir pelo mesmo caminho. Já as mais idosas geralmente buscam o processo porque estão cheias de energia e vontade de fazer coisas, mas sentem que não têm com quem conversar para saber como agir", diz.

Uma delas, a empresária Maria Helena Bagueira Leal Coelho, 71, estava se sentindo exatamente assim quando ficou sabendo que existia um processo de mentoria em longevidade e decidiu iniciá-lo, um ano atrás.

"Mesmo estando feliz, realizada e cheia de disposição, tinha muitos questionamentos em relação à idade, do tipo 'o que vai ser daqui para a frente?'", diz. Bastante ativa e interessada em autoconhecimento, meditação e leitura, ela conta que as sessões de mentoria a ajudaram a ver com mais leveza o momento por que estava passando, organizar os pensamentos e construir metas que acabaram trazendo movimento aos dias, autoconfiança e mais vontade de viver.

"Deixei de ver a idade como um peso e passei a focar na força que tenho dentro de mim, ao mesmo tempo em que fiquei mais motivada para me cuidar fisicamente também. Deparar-se com certas limitações da idade desanima às vezes, mas não deixo tomar conta; nessas horas busco olhar a vida de um jeito mais amoroso, me manter em atividade e fazer coisas que alimentem minha alma."