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Urias, cantora e modelo: 'Quase sempre sou a única mulher trans na equipe'

Urias, de 27 anos, lançou seu primeiro álbum em maio - Divulgação
Urias, de 27 anos, lançou seu primeiro álbum em maio Imagem: Divulgação

Mariana Gonzalez

De Universa

11/08/2021 04h00

Viver de moda e de música é um sonho antigo na vida de Urias, cantora mineira, hoje com 27 anos. Mas, quando se tornou modelo e, mais tarde, cantora, se viu sendo a única mulher trans em quase todos os espaços que ocupava.

"Muitas vezes, nas duas áreas [moda e música], eu era a única. No começo era animador estar ali, mas depois você entende que é uma vaga a se preencher. Como se tivesse que ter um número limitado de pessoas como eu nos lugares, ou seja, se eu já estiver ali não estará outra, se tem outra não estarei eu", diz, em entrevista a Universa.

"Quando você não se vê nos espaços, fica difícil imaginar que é possível estar ali, que merece estar ali"

E foi justamente se espelhando em nomes como Linn da Quebrada, Liniker e Pabllo Vittar, — sua amiga há anos e com quem gravou a música "Ouro", além de covers de Britney Spears e Lady Gaga — que Urias deixou Uberlândia para viver de arte, em São Paulo, há dois anos.

A cantora, que começou a cantar interpretando canções de O Rappa e Alcione, desfilou na São Paulo Fashion Week, na Casa de Criadores e é embaixadora da Adidas na América Latina. Hoje, se prepara para lançar no segundo semestre a continuação de seu primeiro álbum, "Fúria", que teve a primeira parte divulgada em maio, com os mesmos produtores que assinam trabalhos de Pabllo Vittar, Anitta, Iza e Ludmilla. E tem esperança nas campanhas de vacinação para conseguir, em breve, sair em sua primeira turnê pelo país.

"Nunca fui de perguntar e nem pedir autorização"

"Nunca achei que eu ia lançar um disco. Às vezes, penso: 'Meu Deus, eu sou cantora? Uau'", diz Urias, quando questionada sobre a infância em Uberlândia, cidade universitária a 540 quilômetros de Belo Horizonte.

Urias - Divulgação - Divulgação
Urias: "Papai e mamãe, me desculpem, mas vocês viveram a vida de vocês e agora é a minha vez"
Imagem: Divulgação

A irmã mais velha de dois filhos diz que era ótima aluna e que seus pais eram rígidos com o boletim — "tirar nota baixa não era uma opção na minha casa". Como resultado, passou no vestibular para estudar Design de Moda na primeira tentativa, mas, quando chegou para fazer a matrícula, descobriu que não poderia cursar sem terminar o Ensino Médio, o que ainda faltava um ano para acontecer.

"Como Uberlândia é uma cidade muito universitária, tudo gira em torno da Universidade Federal, e você cresce acreditando que o Ensino Superior é o único caminho possível. E essa coisa de ser artista? Impossível. Desde criança eu sonhava em ser cantora, mas não era uma possibilidade. Eu pensava: 'preciso ter o ensino superior ou nunca vou ter uma carreira'", lembra. "A carreira artística só aconteceu quando entendi que existiam outros caminhos além de fazer uma faculdade".

"Tive a mesma experiência de toda menina trans: a falta de informação de quem estava em volta, que culmina em preconceito. Mas eu nunca fui de perguntar e nem pedir autorização de ninguém. Eu segui quem eu era. Falei: 'Sou assim. Papai e mamãe, me desculpem, mas vocês viveram a vida de vocês e agora é a minha vez'".

"Pabllo Vittar é grande marco para nós"

Urias e Pabllo Vittar se conheceram em meados de 2015, quando a cantora de "Amor de Quenga" morava em Uberlândia. Nos anos seguintes, continuaram próximas: Urias trabalhou como assessora de Pabllo e, em algumas reportagens, era chamada de "fiel escudeira" da cantora.

"Temos uma relação bastante próxima, nos entendemos muito. A gente dividia os mesmos sonhos e ver as coisas dela dando certo me deu muito gás para seguir meu caminho", conta.

trabalho da Pabllo, os espaços que ela conquistou, tudo isso abre portas para nós. Ela traz o assunto à tona, faz o mercado olhar para a gente. Para mim, Pabllo é um grande marco".

Urias com a amiga Pabllo Vittar: "Dividimos os mesmos sonhos e vê-la dando certo me dá gás" - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Urias com a amiga Pabllo Vittar: "Dividimos os mesmos sonhos e vê-la dando certo me dá gás"
Imagem: Reprodução/Instagram

A cantora também cita Linn da Quebrada e Liniker como referências: "Por muitos anos, quando estava baixo astral, ouvia músicas que não falavam sobre mim, mas procurava uma identificação. Quando você escuta uma letra que você sabe que é sobre você, feita por alguém como você, isso mexe com os sentimentos de outra maneira."

A Universa, Urias diz que a amiga abriu espaço não só para ela, mas para outras pessoas LGBTQIA+: "A excelência do

"E, enquanto artista, isso me fez perceber que era possível conquistar espaços, porque elas estão fazendo do jeito delas e está dando certo", celebra.

"Representatividade precisa ir além das câmeras"

Apesar de a representatividade ter papel essencial na trajetória de Urias, ela faz ressalvas: não basta incluir uma pessoa trans em um elenco ou show e dizer que isso é representatividade. É preciso incluir pessoas trans em todos os espaços e com o intuito de promover mudanças.

"A representatividade é importantíssima para a gente se ver nos lugares, entender que é possível realizar determinados sonhos, mas ela precisa ir além das câmeras e se perguntar: 'Quantas pessoas trans trabalham com você?' ou 'quantas pessoas trans estão no seu círculo de amigos?'", questiona. "Pessoas trans precisam estar em todos os lugares porque não tem como uma de nós — seja eu, a Pabllo ou a Linn da Quebrada — representar uma comunidade inteira. Somos diferentes entre nós."

Além disso, conta, a transfobia a acompanha mesmo quando ocupa lugares de destaque: "Tenho acesso a alguns espaços que a maioria das mulheres como eu não têm [no Brasil, 90% das mulheres transexuais estão fora do mercado de trabalho e recorrem à prostituição para sobreviver], mas quando penso 'uau, cheguei aqui', acontece alguma coisa que mostra que aquele lugar não é para mim", diz, lembrando que, por mais de uma vez, foi impedida de usar o banheiro feminino.

"Por um lado a gente caminhou, sim, temos pessoas na TV, na música e nas Olimpíadas, mas não resolvemos os problemas de base. Avançamos em representatividade, o que é ótimo, mas não em políticas públicas. A gente ainda precisa brigar por direitos básicos, como o acesso à saúde, à educação e à segurança pública", afirma.