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GKay: "Meus colegas homens são chamados de comediantes. Eu, de blogueira"

GKay nasceu no interior da Paraíba e se inspirou em Whindersson para iniciar a carreira - Reprodução / Instagram
GKay nasceu no interior da Paraíba e se inspirou em Whindersson para iniciar a carreira Imagem: Reprodução / Instagram

Ana Bardella

De Universa

11/08/2020 04h00

Com quase 9 milhões de seguidores no Instagram, Gessica Kayane, a GKay, só tem um conselho para quem deseja seguir o mesmo caminho e produzir conteúdo para a internet: ser autêntico nas redes sociais. "Vão falar mal de qualquer jeito, não importa o quão perfeito você procure ser", ela opina, relembrando que já perdeu milhares de seguidores após postar fotos de biquíni, possivelmente pelas imagens irem contra o estereótipo esperado de uma humorista.

Gessica que até o início da vida adulta vivia em Solânea, município do interior da Paraíba com apenas 27 mil habitantes, viu a vida se transformar quando se mudou para a capital do estado, João Pessoa, para cursar simultaneamente Relações Internacionais e Direito. Foi durante a fase agitada, enquanto tentava conciliar os estudos com diferentes empregos, que encontrou o que considera a verdadeira vocação: produzir conteúdo de humor para a internet.

A seguir GKay relembra sua trajetória e avalia como os preconceitos já interferiram na sua carreira:

Quando você teve o estalo de que deveria trabalhar com redes sociais?

Sempre tive esse meu jeito, exatamente o mesmo que as pessoas veem nos vídeos. Por causa disso muita gente me aconselhava a criar um blog, alguma coisa nesse estilo. Só que eu não tinha condições financeiras para montar looks todos os dias, mostrar um estilo de vida. Até que vi um vídeo do Whindersson no YouTube e pensei: "Cara, isso eu consigo fazer", então lancei a minha primeira gravação no meu canal e, simultaneamente, no Facebook.

Comecei a crescer rapidamente, mas nada foi planejado. Pelo contrário, passei por muita coisa. Eu já fui roubada por empresário, enganada mesmo. Quando já tinha 500 mil seguidores, fazia publicidade por R$ 200. No começo não tinha noção do que ia acontecer, só seguia. Hoje tenho uma consciência maior do que eu faço e de como deve ser meu caminho. Mas jamais pensei que as coisas fossem dar certo da maneira como estão dando agora.

Qual era o seu contexto de vida na época em que começou com as gravações?

Eu nasci no interior da Paraíba, em uma cidade chamada Solânea, mas tinha mudado para João Pessoa para fazer faculdade. Fazia dois cursos ao mesmo tempo, sempre gostei muito de estudar e de ler. Então iniciei Relações Internacionais e Direito. Era aquela vida de estudante: dividia apartamento, tudo era muito apertado. Vivia com R$ 200 no mês, entregava panfleto para ganhar um dinheirinho extra. Passava três horas em pé para ganhar R$ 30. Trabalhava em shopping, com divulgação, vendia chip de internet na esquina. Tudo para conseguir me manter na capital, que tinha um custo de vida bem mais caro.

Então imagina quando eu comecei a ganhar R$ 100 para divulgar uma peça de roupa? Era o auge pra mim! Mas no começo a maior parte das propostas era de permuta. Acabava que eu tinha muito seguidor, mas não tinha dinheiro. Até o momento em que tudo engatou. Foi necessário que eu deixasse os estudos porque não estava conseguindo conciliar as coisas. Apareciam muitas oportunidades de trabalho, de viagem. Eu perdia as semanas de prova, não conseguia fazer as reposições. Lembrei do ditado que diz: "aprendiz de várias artes não é mestre em nenhuma". Então parei tudo o que estava fazendo e foquei na internet.

Sua família te apoiou?

A confirmação de que estava tomando a decisão certa veio de uma conversa que tive com o meu pai. Ele já faleceu, mas quando estava começando na internet e cheia de dúvidas, ele, um homem simples, de fazenda, que não entendia direito o que eu fazia, chegou para mim e disse: "Filha, as oportunidades na vida só aparecem uma vez. Você é muito estudiosa, muito esforçada, pode voltar a fazer faculdade mais tarde. Só que essa outra oportunidade [e referindo às redes sociais] não. Pode ser que ela só apareça agora".

Eu me lembro de ter ficado muito impressionada, porque ele nunca me disse nada do tipo. Quando ele me deu esse conselho, me apoiou, eu pensei: "Se uma pessoa que mal compreende o meu trabalho está me dando um conselho desses, é porque eu realmente tenho que ir".

GKay sente que o machismo limita o tipo de conteúdo que produz - Divulgação - Divulgação
GKay sente que o machismo limita o tipo de conteúdo que produz
Imagem: Divulgação
Você considera difícil fazer humor sendo mulher? É uma área atingida pelo machismo?

Quando falamos a palavra "machismo", parece que as pessoas até têm medo. Então eu sempre dou um exemplo claro, para que todos entendam o que estamos querendo dizer com isso. Uma vez o Tirullipa e o Whindersson tiraram uma foto juntos, os dois pelados dentro de um jatinho. Fez muito sucesso. Mas, se fosse eu fazendo essa mesma foto com qualquer um dos dois, com certeza seria massacrada na internet, xingada de vagabunda para baixo. A gente é limitada dentro da própria profissão. Fora que muita gente nem considera mulher engraçada, humorista.

O preconceito chega até na definição do que eu faço. Amigos homens são chamados de comediantes. Em entrevistas e aparições que eu faço, as pessoas não me citam como humorista, mas sim como blogueira. Mas eu não me considero blogueira. Elas são especialistas em moda. Como é que eu posso me considerar uma?" GKay

Já escutei também que é ridículo uma mulher se jogar no chão para fazer um vídeo, que isso não é a postura certa. Sem falar na cobrança estética. Gosto de aparecer do jeito que sou nos stories. Mas sempre tem alguém para dizer que estou descabelada, que engordei. São muitas as coisas pelas quais temos que passar e quebrar. As pessoas já têm um padrão.

Em algum momento você já tentou se encaixar nesse padrão?

Acho engraçado. Teve uma época em que eu estava muito fitness, treinando. As pessoas diziam assim: "Humorista não precisa ser bonita de corpo". Ou então comentavam: "Está fazendo plástica para quê? Está ficando bonita demais, a sua profissão não precisa disso". Então a sua cabeça se depara com um paradoxo. Se eu faço uma coisa, estou errada. Mas se pego o caminho contrário e faço outra, também sinto que não é o correto a se fazer. Então percebi que na internet você precisa ser o que de fato é. Precisa fazer e falar sobre as coisas que te fazem bem, porque só existe uma certeza: as pessoas vão criticar qualquer uma das suas versões. Se eu fosse seguir o que os outros falam, já estava internada.

Já aconteceu de algum vídeo seu ter uma repercussão muito ruim?

Graças a Deus, na minha trajetória, nunca sofri com haters de forma pesada. Talvez por ser da área do humor, acho que isso ajuda muito. Mas já recebi muitos comentários desagradáveis. Por exemplo: por incrível que pareça, toda foto de biquíni que eu posto, eu perco seguidor. Já teve foto que perdi 10 mil seguidores. Eu não sei exatamente porque isso acontece. Talvez pelas pessoas acharem que a humorista deve cultivar essa persona de descuidada. Mas é instantâneo: sempre que eu posto foto usando roupa de praia, o número começa a cair.

Recentemente o Porta Fundos se retratou após um vídeo considerado gordofóbico. Léo Lins também foi criticado após comentários considerados preconceituosos com pessoas gordas. Como você define o limite que é brincadeira e do que não é?

Acho que todo mundo está suscetível a errar. Não aconteceu comigo ainda, mas não sou imune a isso. Acredito que todo mundo é passível de cometer erros. Não tem como a gente controlar, saber o que vai acontecer ou não. Até porque, às vezes você brinca com uma coisa que, para você não é ofensiva, mas para a outra pessoa pode ser. É bem complicado. A gente está lidando com pessoas. Então se faço algo que magoou alguém, já apago. Se machucou, quer dizer que não é tão legal. É melhor evitar.

Você saiu do interior da Paraíba e veio morar em São Paulo. Já sofreu algum tipo de preconceito pelas suas origens?

Por incrível que pareça, não. Pelo contrário, sempre fui muito elogiada pelo meu sotaque, por defender muito a bandeira do nordeste. Já chego nos lugares com essa postura. "Sou nordestina, sou paraibana. Esse é meu jeito, meu sotaque, estes são os meus costumes". Não sofri xenofobia, sempre fui bem recebida. Só uma vez que ouvi um comentário desagradável quando participei de uma festa, no Rio de Janeiro. Alguém disse: "Você nem parece uma menina da Paraíba" e eu respondi: "Provavelmente porque você não conhece as mulheres de lá". Ainda bem que isso vem sendo desconstruído. Vibro muito sempre que aparece na mídia uma personalidade do nordeste, porque sei que a maioria ainda é somente do sul ou sudeste.

E com relação ao assédio, você sofre com ele nas redes?

Mais uma vez, por estar inserida no contexto do humor, acredito que isso não chegue para mim com tanta força. Mas não posso negar que de vez em quando recebo uns nudes do nada. Eu fico: "Gente, como assim?". Porém esse tipo de coisa é exceção. Na maior parte das vezes recebo mensagens positivas, meu público é muito bom.

Você trabalha com internet há bastante tempo. Existe algo nas redes sociais que ainda te surpreende?

Uma coisa que me incomoda no cenário atual é a cobrança pelo posicionamento por assuntos que nem me dizem respeito. Já aconteceu algumas vezes de casais de amigos meus se separarem e as pessoas virem direto no meu perfil para saber se tomei algum partido, quando aquele é um assunto que só diz respeito a eles. Isso ainda me deixa bem chocada, as pessoas querem que você literalmente opine sobre tudo.