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Delegado de polícia gay e ativista vira referência no combate à homofobia

O delegado de polícia Mário Leony - Divulgação
O delegado de polícia Mário Leony Imagem: Divulgação

Marcelo Testoni

Colaboração para Universa

29/06/2020 04h00

Casos recentes de abusos e assassinatos cometidos pela polícia, nos Estados Unidos e no Brasil, trouxeram à tona mais uma vez a importância da diversidade dentro dessa corporação. E algumas vozes dentro da polícia chamam a atenção para essa necessidade. Uma delas é de Mário de Carvalho Leony.

"Ao mesmo tempo em que lutamos por um efetivo policial mais diverso, com mulheres, negros e LGBTs para representar a pluralidade da nossa população e nos legitimar, vemos a violência contra essas pessoas aumentar e um presidente que vocaliza e encoraja preconceitos", diz Mário, 45, delegado de polícia em Aracaju (SE).

Mário sabe do que fala. Além de exercer a profissão há 19 anos, ele é gay e militante da causa LGBT, fatores que, no passado, acreditava serem incompatíveis com o seu trabalho.

Oprimido pelo estereótipo truculento

Até 13 anos atrás, o delegado mantinha sua sexualidade em sigilo entre os colegas de trabalho e se sentia inseguro com sua imagem pessoal e para conduzir equipes policiais.

"A sensação que eu tinha era a de que precisava matar um leão por dia, além de provar para mim mesmo que era capaz. No começo, achava que não devia expor minha orientação sexual, pois tinha medo de sofrer retaliações", explica. "Eu era muito oprimido pelo estereótipo truculento e isso me fez adoecer. Precisei me tratar de uma depressão. Meus relacionamentos também eram abusivos e não era encorajado para militar."

Mesmo com todas as dificuldades, ele conseguiu conciliar quem era com o que fazia e continuou seu trabalho, mas ainda não era realizado. "Acredito que eu tenha conseguido me blindar um pouco, embora sofresse uma discriminação velada. Cheguei a ser colocado para trabalhar em uma delegacia conhecida por ser problemática. Hoje, percebo que fizeram isso comigo como um castigo, para eu desistir", diz o delegado.

Saída do armário

Depois de muitas provações, em 2007, Mário foi convidado para participar de um seminário de prevenção e combate à LGBTfobia, no Rio de Janeiro, que reuniu delegados e oficiais de segurança pública de todo país. O objetivo do encontro, que não era composto exclusivamente por LGBTs, era discutir a importância e o papel das academias de polícia na formação de profissionais e de se investir em conscientização, sensibilização e capacitação.

"Nesse seminário, discuti sobre a LGBTfobia aqui em Aracaju e parti da premissa de que havia uma subnotificação de casos, que é o nosso maior desafio na segurança pública", diz Mário. Segundo ele, 74% das violências noticiadas sequer viravam boletim de ocorrência. "O medo de registrar uma ocorrência e ser ridiculizado em uma delegacia, por conta do histórico opressor da polícia, decorrente da ditadura militar, existe até hoje", afirma.

Foi nesse contexto e no meio de um auditório lotado que ele teve a coragem de se assumir homossexual. Atitude que depois o motivou a voltar para casa com o compromisso de lutar pelos LGBTs dentro e fora da Polícia Civil. Hoje, além de delegado e militante pelo PSOL, partido pelo qual concorreu a deputado federal em 2018 e estudou a possibilidade de se candidatar a prefeito neste ano, é membro fundador da Renosp (Rede Nacional de Operadores de Segurança Pública LGBTI) e recebe, acompanha e encaminha ocorrências de crimes de LGBTfobia para o DAGV (Departamento de Atendimento a Grupos Vulneráveis), em Aracaju.

E não é só: Mário ainda é membro do Movimento Nacional de Policiais Antifascismo e, com o seu trabalho, busca subsidiar com informações sobre ocorrências em Sergipe a Antra (Articulação Nacional de Travestis e Transexuais) e o GGB (Grupo Gay da Bahia), responsável por emitir anualmente um relatório de estáticas sobre assassinatos de pessoas LGBT no Brasil.

Em 2010, Mário, com outros agentes LGBT, fundou a Renosp. A rede foi criada com o objetivo de enfrentar e combater a LGBTfobia institucional nos órgãos de segurança pública do país e garantir a liberdade de orientação sexual e de identidade de gênero no âmbito da segurança pública.

"No último ano do governo Lula, fui convidado para participar de um grupo de trabalho sobre segurança pública LGBT. Foi então promovido o primeiro encontro nacional de trabalhadores da segurança assumidamente LGBTs. Algo histórico, pois na ocasião foram expostos casos de preconceito, assédio e perseguição sofridos por diversos colegas das carreiras policiais", conta.

"A partir daí, sentimos a necessidade de fundar a nossa rede. De lá para cá, estabelecemos parcerias com ONGs relacionadas à nossa militância, nos comunicamos com a sociedade e acompanhamos denúncias."

Por uma polícia mais cidadã

Com a repercussão do seu trabalho, em grande parte voluntário, Mário aproveita a visibilidade para ajudar LGBTs que se encontram em dificuldade, com atenção especial à periferia.

"Por conta da militância política junto aos movimentos sociais, tive a oportunidade de ser voluntário na ocupação Beatriz Nascimento, do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto). Existe por lá uma rua inteira de LGBTs que sofreram bullying, foram expulsos de casa, explorados sexualmente e impedidos de ingressar no mercado de trabalho", diz.

É nesse contexto que ele expõe como acha que a polícia deveria atuar. "Precisamos ser uma polícia mais cidadã e comunitária. Segurança pública é diferente de Forças Armadas. Nós resolvemos conflitos da sociedade, e essa lógica da guerra não se aplica ou não deveria ser aplicada, pois são os inocentes que acabam como inimigos a serem combatidos", diz Mário.

"Buscamos impor respeito pelo nosso trabalho, não pelo medo."

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