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Cabeleireiro de famosas: pós-pandemia terá corrida aos salões de beleza

Marco Antonio de Biaggi está em isolamento social há três meses - Divulgação
Marco Antonio de Biaggi está em isolamento social há três meses Imagem: Divulgação

Nathália Geraldo

De Universa

10/06/2020 04h00

"Eu tive câncer, estampei capa de revista [contando sobre a doença] e não derramei uma lágrima. Há 90 dias trancado, por conta da pandemia, já me peguei chorando umas três vezes."

Com as portas fechadas do salão de beleza que leva suas iniciais no nome, o cabeleireiro Marco Antônio de Biaggi, que atende famosas como Adriane Galisteu, Marina Ruy Barbosa, Taís Araújo e já assinou a beleza de várias capas de revista, conversou com Universa por telefone sobre como têm sido os dias —e os revezes— para um empreendedor da beleza quando ninguém pode marcar um horário para cortar uma franja, fazer uma mecha ou retocar a raiz. A Prefeitura de São Paulo flexibilizou a abertura de comércios de rua e shoppings na cidade, mas ainda não está na fase 4 da retomada, em que os salões de beleza poderão voltar a atender. Um decreto estadual de 14 de maio reforçou a suspensão do funcionamento deles e das academias de ginástica.

"Já coloquei R$ 2,1 milhões no meu salão para não demitir as pessoas, para manter os talentos humanos, que são a maior riqueza que nós, como empreendedores, temos. Há uma facção que pensa: 'Demite, depois recontrata'. Ou fala para renegociar [os salários]. Eu não concordo com isso. Você está lidando com pessoas."

Biaggi garante que os profissionais de seu salão não estão atendendo em domicílio. Afirma, no entanto, que eles estão "desesperados para voltar ao trabalho e para exercer o dom que tem". Pede tranquilidade às clientes. E constata a dificuldade que salões menores estão sofrendo, muito mais do que ele, por conta da interrupção dos serviços. "O que vai quebrar de salão que não tem os recursos que eu tinha... Tirei economia de uma vida inteira e foi escoada para mantê-lo nestes 90 dias."

Biaggi não vê TV e tem lido mais livros

Marco Antonio de Biaggi - Divulgação - Divulgação
"Já coloquei R$ 2,1 milhões no meu salão para não demitir as pessoas", diz Biaggi
Imagem: Divulgação

Para Universa, o cabeleireiro conta que lidar com o isolamento social tem sido uma montanha-russa de sentimentos. "É desespero, alegria, depois você começa a se acostumar com o momento atual. Tem o período de aceitação e o de resiliência", diz.

Por conta da situação atípica, se reinventou e conseguiu retomar hábitos. Voltou a ler mais livros, aos quais atribui o fato de "chegar onde chegou" e já fez mais de 75 lives no Instagram com convidados. Também assiste a algumas, como a do publicitário Nizan Guanaes. Não assiste à TV. "As cenas são tocantes, não me permito dormir com o subconsciente impregnado dessas imagens, de famílias que enterram seus entes queridos sem se despedir."

"Chorei ao passar no Jardins"

O MG Hair Design, salão de Biaggi, fica no Jardim América, um dos bairros que formam a região dos Jardins, em São Paulo, conhecida por reunir lojas, empreendimentos e serviços de luxo. Passando por ali após voltar de exames de rotina, conta o cabeleireiro, a tristeza o invadiu.

"Eu chorei. Vi o restaurante chiquérrimo a que eu ia fechado para sempre. Na mesma rua, a loja enorme de uma amiga com a placa de 'passa-se o ponto'. E o meu salão de vidro, uma coisa linda, esplendorosa, fechado. Ali, onde geramos empregos", pontua. "E eu não posso atender, porque eu levo multa. Os salões pequenos podem atender clandestinos, porque lá não chega a fiscalização."

Profissionais não estão atendendo em domicílio

Apesar de alguns clientes e profissionais de salões, com os devidos cuidados, combinarem atendimento em domicílio, Biaggi afirma que suas clientes não têm sido atendidas em casa por sua equipe. "Eu falo com meus funcionários no Zoom diariamente. As clientes não querem ninguém em casa. Ou, quando têm vontade, o marido não concorda."

O resultado, como pipoca nas redes sociais, são pessoas tentando manter a rotina de beleza com suas próprias habilidades. Nem todo mundo gosta de deixar o branco da raiz do cabelo aparecendo, por exemplo. Biaggi diz que qualquer tentativa de mudar a coloração dos fios, no entanto, requer atenção.

"Se a pessoa tem cabelos escuros, pode até arriscar e pedir para alguém aplicar a tintura na parte da nuca. Mas não dá para fazer mechas... E quem é loira pode escurecer demais a raiz que cresceu durante o isolamento e ela ficar com 'cor de casca de cebola'. Vai gastar mais depois para arrumar." Seguir orientações de cabeleireiros dadas virtualmente para ações mais simples, como cortar a franja sozinha, pode ser aconselhável, diz Biaggi.

"Salão é serviço essencial"

Embora a onda de aceitação do cabelo, e de outras questões estéticas, possa ter pegado fundo para algumas mulheres, Biaggi explica que a situação pós-pandemia será de corrida aos cabeleireiros.

A brasileira ama salão, ele funciona como um divã.

"Sem contar que é a mulher que mais faz escova no mundo. Porque ela é sinônimo de status: é como se ela mostrasse que não precisa de homem, que trabalha e faz escova toda semana no salão", diz. "Ela pode até fazer uma máscara caseira, mas não é igual aos aparelhos japoneses que a gente tem, que potencializam a hidratação. No meu salão, temos lavatórios com aromaterapia", diz, comentando ainda sobre o efeito pós-pandemia nos salões de países europeus que já estão em fase de abertura. "Eles estão lotados, ainda mais com a restrição de quatro horas de funcionamento."

Sem poder atender a clientela, Biaggi conta que segue investindo em seu estabelecimento para tudo estar pronto quando o governo autorizar a abertura. "Vamos voltar dentro do que pode ser, paramentados, seja com quatro, cinco horas de funcionamento."

O MG Hair Design também passou por reorganização dos mobiliários, como cadeiras e lavatórios —para que clientes e profissionais sigam as recomendações de distanciamento. Os móveis da recepção foram trocados por outros feitos de acrílico, que talvez garantam mais facilidade na limpeza.

"Para mim, salão de beleza é um serviço totalmente essencial. As pessoas estão estressadas, e isso se reflete no cabelo. No momento em que as pessoas estão perdendo emprego, como alguém vai a uma entrevista com a raiz branca?", questiona. " E nós movimentamos dinheiro, geramos milhões de empregos.

Movimento Beauty for Lives

A potência do mercado de salões de beleza, aliás, entrou na rota de preocupações de Biaggi. Com o movimento "Beauty for lives" (Beleza pelas vidas), ele tem recolhido doações para ajudar até 15 salões pequenos, na periferia de São Paulo, afetados pela pandemia. "São aqueles que têm até oito funcionários e que estão passando necessidade."

"Meu recado para as pessoas é a minha história. Eu já fiquei em coma 45 dias, e a vida me ensinou a não me desesperar nas adversidades. Para os pequenos e médios cabeleireiros, que não têm uma grana reservada, a dica é tentar segurar os bons funcionários. Que pensem em pedir dinheiro para os bancos, para tentar evitar as demissões. Isso também vai passar. Estamos todos no mesmo barco, não tem diferença."