Cris Guterres

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Opinião

Por que o Brasil precisa de uma ministra negra no STF?

No próximo mês de outubro a corte vai a "leilão". A ministra do Supremo Tribunal Federal Rosa Weber se aposenta ao completar 75 anos de idade e a cadeira que ela ocupa nesta instância do poder judiciário ficará vaga. As apostas para a próxima pessoa a ocupar o lugar da magistrada estão sendo lançadas há alguns meses. Entre tantos nomes, uma certeza: o Brasil precisa de uma ministra negra.

Está nas mãos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a possibilidade de dar o seu mais alto passo em direção a uma política diversa e inclusiva, demonstrando ao povo brasileiro que reconhece a importância de ter recebido a sua terceira faixa presidencial das mãos de uma mulher negra. Lula pode puxar a cadeira do Supremo Tribunal Federal para que uma outra mulher negra se sente, se acomode e trabalhe. Não se trata de um gesto de gentileza e educação, mas de um movimento em direção a um futuro inclusivo e um reconhecimento à luta do movimento negro, que há séculos vem atuando para desvendar a Justiça brasileira.

O símbolo de nossa Justiça, uma mulher de venda nos olhos e espada nas mãos é a representação mais fiel de um sistema judiciário seletivo que privilegia poucos e condena quase todos com base na desigualdade. Em 132 anos de existência da mais alta corte do país, 171 pessoas ocuparam o cargo de ministro do STF. Três foram homens negros: Pedro Lessa, o primeiro ministro negro do STF (1907 a 1921), Hermenegildo de Barros (1917 a 1931) e mais recentemente Joaquim Barbosa (2003 a 2014), que foi o primeiro negro a virar presidente da maior instância do poder judiciário.

No país construído sobre fundações racistas, equidade de gênero também não é um critério considerado nas escolhas de cargos de poder. Apenas três mulheres, todas brancas, foram nomeadas ao STF: Ellen Gracie Northfleet, Cármen Lúcia Antunes Rocha e Rosa Maria Pires Weber.

As mulheres negras compõem o maior grupo populacional da sociedade brasileira. Segundo o IBGE, 28% da população do país é composta por mulheres que se autodeclaram pretas ou pardas. Mulheres que trabalharam todos estes séculos de escravas nas lavouras a escravas no quartinho de empregada. Nunca foram rainhas de nada, nem mesmo das escolas de samba que elas mesmas fundaram. Foram as que mais sofreram com a recente pandemia de covid-19, são as que mais sentem a dor da fome, um contingente de mães solo, desempregadas e atingidas pela miséria e pela violência.

Existem inúmeras razões por que o Brasil necessita de uma mulher negra como ministra do STF. Podemos falar em representatividade democrática. O STF é a mais alta instância do sistema judicial do país e é responsável pela tomada de decisões que afetam toda a sociedade. Ter uma composição mais diversa no tribunal é essencial para garantir que as decisões tomadas reflitam as diferentes perspectivas e experiências de todos os cidadãos brasileiros, independentemente do endereço, do tom de pele ou do gênero.

A nomeação de uma ministra negra reforça o compromisso do Brasil com os princípios dos direitos humanos, igualdade e não discriminação, tanto em nível nacional quanto internacional. É um passo importante na luta contra o racismo institucional e uma chance de promover igualdade de oportunidades para todos os brasileiros num país onde branco se tornou metáfora de poder.

Nomear uma ministra negra para o Supremo Tribunal Federal do Brasil não apenas corrige parte de uma falta de representatividade importante, mas também fortalece o sistema de justiça, inspira futuras gerações e promove igualdade e justiça no país. É uma ação necessária para construir um Brasil mais inclusivo e igualitário.

Vou finalizar com Sueli Carneiro, pra mim, uma das mais importantes intelectuais desse país. Durante uma palestra proferida na Conferência Nacional do instituto Ethos em 2002 Sueli afirmou: "Queremos (nós negros) ser corresponsáveis por promover e proteger uma ordem adequada ao desenvolvimento em termos políticos, sociais e econômicos. Queremos conquistar o direito de oferecer ao desenvolvimento deste país nossa inteligência, nosso vigor físico, nossa herança cultural, nossos valores espirituais, nossa criatividade, nossa extraordinária capacidade de resistência."

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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