Próxima parada, Marte: engenheiro da Nasa diz o que falta para pisarmos lá

Pisar em Marte é o próximo passo lógico da nova era da exploração espacial, defende John Connolly, engenheiro da Nasa há 36 anos. Previsões otimistas esperam que humanos cheguem ao planeta vermelho na década de 2030.

"Vai acontecer, é só uma questão de quando", ressalta em entrevista a Tilt. Connolly hoje trabalha no Programa Artemis, iniciativa da agência espacial dos Estados Unidos para levar pessoas novamente à Lua e, depois, até Marte.

"O ser humano sempre se esforçou para ultrapassar novos limites, seja o cume do Monte Everest, o fundo do mar, a Lua ou Marte. Explorar está no nosso DNA", acredita.

O engenheiro é um dos líderes da equipe responsável pelo sistema de pouso humano (HSL, do inglês Human Landing System), que é como um "elevador" para colocar os astronautas na superfície de um corpo celeste. Apesar de essencial para que possamos visitar outros lugares do Universo, a Nasa ainda não domina essa tecnologia.

Esse é apenas um dos desafios que cientistas enfrentarão nos próximos anos para tirar do papel o plano de conquistar Marte.

O que falta para chegarmos lá?

De alguma forma, a humanidade já começou a explorar Marte, com missões robóticas como os rovers Perseverance e Curiosity e o helicóptero Ingenuity. Contudo, futuras missões tripuladas são muito mais complexas. Para que elas aconteçam, ainda precisamos desenvolver:

Trajes especiais e habitats: Marte é um ambiente bem mais inóspito que inóspito que a Lua: seco, empoeirado, gelado, com gases tóxicos. É preciso de proteção e suporte de vida mais eficazes do que qualquer um já desenvolvido pela Nasa para sobreviver ali.

Sistema de propulsão mais eficiente: hoje, as viagens espaciais usam propulsão química, com queima de combustível para gerar energia. A meta é achar um sistema que não dependa de um grande estoque de combustível, e que até forneça mais força e velocidade. As apostas são a propulsão nuclear, por íons ou uso de velas solares.

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Definir o local de pouso: as missões robóticas que estão explorando o planeta vermelho podem nos apontar o local com mais recursos para uma presença humana. Mas isso ainda é incerto.

Lua é o primeiro passo para Marte

"Logo vamos encontrar vida fora da Terra — e seremos nós", brinca Connolly, que já sonhou ser astronauta, mas uma lesão no tornozelo, decorrente de um acidente de hockey quando era criança, o impediu de ser selecionado.

John Connolly em São José dos Campos para o Space Studies Program 2023
John Connolly em São José dos Campos para o Space Studies Program 2023 Imagem: Marcella Duarte/UOL

O programa Artemis tem a ambição de estabelecer uma presença humana constante na Lua, que servirá como um "trampolim" para depois enviar pessoas para outros pontos do Sistema Solar, principalmente Marte.

"A Lua será nossa escola. Um dia vamos minerar, plantar vegetais e coletar energia solar por lá. Desenvolvendo essas novas tecnologias e aprendendo a sobreviver fora do campo magnético da Terra, estaremos prontos para ir mais longe", acredita o engenheiro.

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Mas pousar na Lua com uma tripulação continua sendo um grande desafio, mesmo que no passado 12 pessoas tenham pisado em seu solo — todos homens brancos da Nasa.

Na Terra, que tem uma atmosfera muito densa, uma nave pode simplesmente "cair", sendo freada pelo atrito. Já para o satélite terrestre, e futuramente para Marte, será preciso desenvolver sistema de pouso robusto, com propulsão que ativamente "lute" contra a queda e controle a descida.

Novo lander

Foi assim que a Nasa fez nas missões do histórico programa Apollo, entre 1969 e 1972. Na época, o foguete Saturno V enviava ao espaço uma nave que carregava um módulo lunar (também chamado de "lander"), acoplado em seu nariz.

Ao se aproximar da Lua, esse módulo se desconectava, como uma nave independente, mas com autonomia apenas para ir e voltar uma vez até a superfície com dois astronautas — um terceiro ficava aguardando em órbita, na cápsula. Depois da viagem, o lander era ejetado e descartado ali mesmo.

Rover e módulo lunar da missão Apollo 17, de 1972
Rover e módulo lunar da missão Apollo 17, de 1972 Imagem: Nasa
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A antiga fórmula até poderia ser repetida, mas não faria muito sentido para os novos objetivos da exploração espacial. "Poderíamos reconstruir os landers da Apollo com alguns aprimoramentos, pois eles foram brilhantes na época. A Nasa criou do zero algo que nunca havia sido feito antes. Mas agora estamos trabalhando com a próxima evolução tecnológica, e com a perspectiva futura de também ir a Marte", explica o engenheiro, cuja principal atribuição é chegar a esse novo sistema.

Os antigos módulos lunares levavam apenas dois astronautas a uma região bem específica da Lua, por até três dias. Era o máximo que podiam fazer. Agora queremos levar mais pessoas, pousar em qualquer lugar da superfície, e ficar lá por pelo menos uma semana, talvez chegar a cem dias
John Connolly

Parceria com empresas privadas

A nova era da exploração espacial tem sido acelerada por parcerias da Nasa com empresas privadas — o que não existia na época do programa Apollo —, para desenvolvimento de foguetes, naves e outras tecnologias.

O novo lander é uma delas. A SpaceX, de Elon Musk, e a Blue Origin, de Jeff Bezos, foram selecionadas para fornecer seus melhores projetos à agência espacial. E a Axiom está desenvolvendo os futuros trajes lunares.

O plano A é que a reluzente Starship, da SpaceX, seja a escolhida para o pouso das missões tripuladas do programa Artemis. Porém, ela ainda está em fase de testes — alguns explosivos. Essa, inclusive, é a nave com a qual Musk quer realizar seu plano ambicioso de ter um milhão de pessoas vivendo em Marte até 2050.

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Acredito que vai dar certo. A SpaceX tem histórico de evoluir seus foguetes rapidamente e não tem medo de falhar. Eles destruíram a nave e até a plataforma de lançamento no último teste, mas já estão prontos para tentar de novo. Conseguem fazer em meses o que uma agência levaria anos
John Connoly

A partir deste ano, também já veremos pequenos landers de empresas menores pousando na Lua — em vez de pessoas, eles levarão diversos experimentos científicos que ajudarão a pavimentar nosso caminho até lá. Já estão previstos 12 lançamentos até 2026, dentro do projeto CLPS (Commercial Lunar Payload Services ou serviços de carga lunar comercial) da Nasa.

Mas por que voltar agora?

Quando entrei na Nasa em 1987, acreditava que em uns cinco anos já estaríamos em Marte, pois era o caminho lógico. Acho que deveríamos ter voltado à Lua bem antes, estamos tentando há décadas, mas isso envolve muitos fatores. Boa vontade política, dinheiro do governo, uma pandemia... Agora finalmente temos um momento perfeito, todas as peças estão no lugar
John Connolly

Por enquanto, o programa Artemis conta com a cápsula de passageiros Orion e com o foguete SLS (Space Launch System), que já passaram por um teste bem-sucedido em sua primeira ida até a órbita da Lua, no ano passado, sem tripulação.

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"Selfie" da cápsula Orion com a Lua ao fundo, durante a missão Artemis 1
"Selfie" da cápsula Orion com a Lua ao fundo, durante a missão Artemis 1 Imagem: Nasa

Em 2024, na missão Artemis 2, a viagem até o nosso satélite será repetida com quatro pessoas a bordo, incluindo pela primeira vez uma mulher e uma pessoa negra.

"Eles chegarão o mais longe da Terra que qualquer ser humano já foi. Mas ainda sem pousar", ressalta o engenheiro. O desembarque de pessoas na Lua está previsto apenas para a viagem seguinte, Artemis 3.

A ideia é lançar primeiro a nave Starship, com o foguete Super Heavy da SpaceX: "ela vai chegar antes e esperar na órbita da Lua. Quando confirmarmos que está no lugar certo e com tudo funcionando bem, mandamos a cápsula Orion com a tripulação, usando o SLS", detalha Connolly.

A cápsula irá se acoplar à Starship no espaço, para que os tripulantes entrem — uma manobra parecida com a que acontece nas viagens à Estação Espacial Internacional (ISS). A grande nave, então, vai descer à Lua e funcionar como "casa" durante a missão científica. Depois, subirá com os astronautas de volta para a Orion, que os trará para a Terra.

Ilustração da Starship na Lua, com a Terra ao fundo
Ilustração da Starship na Lua, com a Terra ao fundo Imagem: SpaceX
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A Nasa está contratando literalmente um serviço de elevador. O veículo é da SpaceX, e o que eles fazem com ele depois não é relevante. Podem reabastecer a Starship e mantê-la na órbita para a próxima missão, podem até vender viagens turísticas para a Lua. Ou podem trazer de volta à Terra de alguma maneira.
John Connolly

Quando pisaremos novamente na Lua?

Se tudo ocorrer como o previsto, humanos estarão na Lua até o final de 2025. Mas esse cronograma pode sofrer atrasos.

A ideia é pousar próximo ao polo Sul de nosso satélite, onde há regiões permanentemente escuras, com crateras e depressões que podem guardar recursos importantes — em especial, água congelada.

Água é mais valiosa do que ouro no espaço. Além de beber, você pode fazer combustível e extrair oxigênio para respirar. Achar apenas alguns mls de água na Lua ou em Marte será a maior descoberta da humanidade. Algum dia, pela primeira vez, um astronauta vai beber no espaço um copo de água que não veio da Terra
John Connolly

Nenhum ser humano ou sequer missão robótica já esteve no polo Sul da Lua — o que pode mudar nos próximos dias, quando a Rússia e a Índia tentarão pousar seus novos robôs (Luna-25 e Chandrayaan-3, respectivamente) por lá.

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Isso tudo torna a missão ainda mais desafiadora. "Precisaremos de bastante luzes, por exemplo nos capacetes e nos rovers, pois você pode estar indo por uma colina iluminada mas do outro lado vai estar totalmente preto", explica o engenheiro.

Aliás, os próximos exploradores lunares devem se deparar com um visual bem diferente daquele que vemos nas fotos das missões Apollo. "Temos no nosso imaginário a Lua como um lugar bem iluminado, plano, bonito, branco. Mas no Sul a paisagem é muito escura, com sombras longas, pois o Sol fica bem próximo ao horizonte", ressalta.

Connolly esteve no Brasil para participar do Space Studies Program, um curso anual da International Space University (ISU), que em 2023 aconteceu em São José dos Campos (SP). Há 31 anos ele leciona na instituição, que tem a missão de formar as próximas gerações de líderes da indústria aeroespacial. Por aqui, ele falou sobre o acidente do Ônibus Espacial Columbia, pois foi um dos líderes das investigações na época, e até organizou uma competição de lançamento de minifoguetes entre os participantes.

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