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Afinal, Albert Einstein detonou mesmo o Brasil quando visitou o país?

Julia Moióli*

Colaboração para Tilt, em São Paulo

06/08/2023 04h00Atualizada em 07/08/2023 10h03

Com a repercussão do filme "Oppenheimer", que aborda aspectos da vida do cientista conhecido como "pai da bomba atômica", o nome do físico e matemático alemão Albert Einstein voltou a ficar em destaque. Os dois aparecem juntos em algumas cenas do longa.

Histórias sobre a visita "polêmica" de Einstein ao Brasil, em maio de 1925, também foram retiradas do fundo do baú. Ao mesmo tempo em que o Nobel da Física ajudou a estimular a atividade científica por aqui, ele também reclamou dos políticos, do barulho e do calor, como fica claro no volume 14 da coletânea de correspondências e diários do físico The Berlin Years: Writings & Correspondence.

Como foi a visita ao Brasil

Albert Einstein chegou ao Brasil com 46 anos e já como um cientista consagrado em 21 de março de 1925. A viagem ocorreu dez anos depois de ele ter formulado a Teoria Geral da Relatividade e quatro após receber o Prêmio Nobel de Física.

O Brasil foi uma das paradas de uma longa passagem por países da América do Sul. Ele passou um mês na Argentina e pouco mais de uma semana no Uruguai. Ele pisou em solo brasileiro duas vezes nesse período: ficou algumas horas no Rio de Janeiro, foi para outro país e voltou dias depois para ficar por uma semana na cidade carioca.

Os relatos podem ser acessados gratuitamente no site The Digital Einstein Papers, iniciativa da Princeton University Press dedicada à publicação contínua de mais de 30 mil correspondências, diários e documentos do cientista.

Na abertura do livro, fica claro alguns dos principais desconfortos de Einstein:

  • Alarde feito por políticos e militares diante de sua presença

Ele se sentiu "como uma espécie de elefante branco", expressão popular usada para um objeto de curiosidade e/ou de valor financeiro grande e que, ao mesmo tempo, não serve para nada na prática. "E eles [políticos] eram macacos [tolos] para mim", descreveu.

  • Longos discursos

Considerados uma bobagem e irrelevantes, diz a introdução.

  • Clima chamou a atenção

O físico explorou a cidade do Rio de Janeiro e instalações de pesquisa da cidade, conhecida por suas temperaturas elevadas.

"Ele temia 'subir no trapézio' de novo como um macaco de circo, no Rio, onde chegou três dias depois. Foi recebido pelo rabino e pelo presidente da comunidade judaica, Isaiah Raffalovich e Isidoro Kohn, e por uma comissão científica de boas-vindas. Einstein hospedou-se no luxuoso Hotel Glória, sentindo-se agora 'um viajante na relatividade' entre pessoas que 'deixavam uma impressão tropicalmente encharcada'", descreve um dos documentos da época.

O cientista percorreu o Rio de carro e chegou até a pegar o teleférico para o Pão de Açúcar. "Uma grande recepção foi organizada pelas associações judaicas locais, e ele teve audiências com o presidente brasileiro Artur Bernardes, o ministro da educação e o prefeito da cidade, Alaor Prata Soares."

  • Barulho demais na rua

"Sua primeira palestra pública sobre a relatividade foi proferida no Clube de Engenharia e contou com a presença de embaixadores, militares de alta patente, ministros, prefeito, engenheiros proeminentes e médicos. Aparentemente, as janelas foram deixadas aberto e o barulho da rua era ensurdecedor. Portanto, a palestra fez 'pouco sentido científico'", destaca o documento.

Duzentas pessoas lotaram o espaço. "Foram 75 minutos de silêncio e reverência, com aplausos no final", escreveu uma reportagem da Folha de S. Paulo de 1995.

Parte desse combo fez Einstein demonstrar seu "desejo irresistível de sossego longe de tantas pessoas desconhecidas", segundo os relatos, e contar os dias para retornar à Europa.

Mais curiosidades

Ele provou goiaba no café da manhã e gostou.

Gostou tanto de pinga que repetiu alguns copos.

Rejeitou experimentar a feijoada brasileira, pois contém carne de porco — alimento que não é consumido por judeus.

Um dia antes de partir, Einstein visitou o Hospital Nacional dos Alienados e a Associação Brasileira de Imprensa, além de assistir a um filme sobre o trabalho de Cândido Rondon com população indígenas. Para finalizar a noite, jantou com o Embaixador alemão da época. Sobre o general, escreveu:

"Permitam-me chamar a atenção para as atividades do General Rondon porque minha visita ao Brasil me deu a impressão de que este homem é altamente merecedor do Prêmio Nobel da Paz", afirmou.

Fim da jornada

A entrada final em seu diário de viagem foi: "Finalmente livre, mas mais morto do que vivo" - viajar por meses seguidos há um século não deve ter sido fácil para o pesquisador, muito menos passar um longo tempo longe de casa e aguentar falação de políticos.

O físico deixou o Brasil em 11 de maio, a bordo do navio SS Cap Norte, desembarcando no porto de Hamburgo, na Alemanha, 20 dias mais tarde.

Einstein também elogiou o Brasil

Apesar dos"perrengues", a cidade do Rio de Janeiro e os brasileiros chamaram positivamente a atenção de Einstein. Ele escreveu que teve uma "impressão majestosa das bizarras rochas gigantes."

Também afirmou que "o jardim botânico e a vida vegetal em geral superam os sonhos de 1001 noites" e que "a mistura de povos nas ruas é deliciosa".

Resumindo, teve "uma riqueza indescritível de impressões em apenas algumas horas" em sua primeira passagem pelo Rio de Janeiro.

*Com informações de Princeton University Press, Folha de S. Paulo e Aventuras na História

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