'Futebol está ruim demais': para Selton Mello, cinema orgulha país carente

Selton Mello está em cartaz, ao mesmo tempo, nos dois filmes brasileiros mais vistos dos últimos cinco anos.

"Ainda Estou Aqui" e "O Auto da Compadecida 2" somam mais de 5 milhões de espectadores e despertam um "orgulho patriota bom", ele diz ao UOL.

A imagem mais compartilhada do Selton nos últimos dias, no entanto, não é no papel do deputado Rubens Paiva. Nem na pele do adorável mentiroso Chicó.

A cena viral é a do grito do ator de 52 anos na cerimômina do Globo de Ouro, realizada no último domingo (5), após o anúncio do prêmio de melhor atriz para a colega Fernanda Torres.

"Foi um negócio avassalador. Fiquei louco, levantei da mesa e não consegui mais me sentar", ele lembra.

Selton conta que Fernanda nem tinha pensado no discurso de vitória. Ela era "categórica" na certeza da derrota. "Nessa situação, eu ia pensar um pouquinho", ele aconselhou.

Para ele, o cinema brasileiro supre uma carência de ídolos e de autoestima no Brasil.

"O futebol está ruim demais, né? Vamos falar a verdade. A seleção brasileira está ruim."

No auge do sucesso no cinema, Selton se emociona ao falar de sua mãe, Selva Mello, que morreu em 2024. Como Eunice Paiva, personagem principal de "Ainda Estou Aqui", ela também tinha Alzheimer.

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O ator, diretor e roteirista deu entrevista por vídeo em um hotel de Los Angeles, para onde foi divulgar "Ainda Estou Aqui" —ele falou na terça-feira (7), antes de os incêndios na região piorarem.

Leia os principais trechos abaixo.

O grito no Globo de Ouro

Grito de Selton Mello no momento do anúncio do Globo de Ouro de Fernanda Torres
Grito de Selton Mello no momento do anúncio do Globo de Ouro de Fernanda Torres Imagem: Reprodução

"Aquele foi um grito do Brasil. Porque logo antes a gente tinha perdido o prêmio de filme [estrangeiro]. Parecia que a noite ia ser isso.

[Antes do anúncio] Eu perguntei à Nanda: 'Você preparou um discurso, né?" Ela falou: 'Não'. E eu: 'Nanda, se eu estou nessa situação, acho que ia pensar um pouquinho'.

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Mas ela respondeu: 'Nem? Vai ser a Nicole [Kidman], ela ganhou Veneza. Imagina. Ou a Angelina Jolie. Isso é uma festa deles'. Ela estava categórica.

Então foi um negócio muito comovente. Junto com a Nanda ganhou o Brasil, o cinema brasileiro, todo mundo que faz audiovisual, quem estuda teatro, quem gosta de arte. Os sensíveis foram premiados.

Foi um negócio avassalador. Só de falar já vem a emoção de novo. Eu fiquei louco, levantei da mesa, não consegui mais sentar, fiquei andando no backstage.

Fiz um vídeo falando comigo mesmo, que é uma coisa que nunca faço, sou mais discreto.

Nem sei o que eu estava sentindo, me deu vontade de me expressar. O Brasil devia estar sentindo coisas e eu era representante do Brasil.

Eu amo a Nanda. A mãe dela, a rainha brasileira da cultura, perdeu o mesmo prêmio 25 anos atrás.

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Era um choro e um abraço na minha amiga que representava a cultura brasileira, o Brasil que eu amo."

A volta aos cinemas

"O Walter [Salles, diretor de 'Ainda Estou Aqui'] foi o farol do retorno do público ao cinema brasileiro. Até então não estava engrenando. Era o teatro lotado e o cinema difícil.

Minha querida Ingrid Guimarães foi bem com a Tatá Werneck no início do ano [com 'Minha Irmã e Eu']. Depois tudo derrapou de novo.

Mas parece que pegou um patriotismo pela nossa cultura, pelas coisas boas e pela nossa potência criativa. É a celebração do nosso melhor.

E aí vem 'O Auto da Compadecida 2', que é essa beleza de filme exuberante. O roteiro é uma maravilha, parece psicografado do Ariano Suassuna [1927-2014, autor da peça que baseou os filmes]. É um arrebatamento emocional que a gente merece. É bom sentir isso."

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Chicó (Selton Mello) e João Grilo (Matheus Nachtergaele) em "O Auto da Compadecida 2"
Chicó (Selton Mello) e João Grilo (Matheus Nachtergaele) em "O Auto da Compadecida 2" Imagem: Laura Campanella

Autoestima brasileira na tela

"A gente costumava ter [orgulho nacional] pelo esporte. Vou dar uma cutucada, que agora eu estou podendo: o futebol está ruim demais, né? Vamos falar a verdade.

A seleção brasileira está ruim. Eu gosto de futebol. Mas a seleção parou ali no Ronaldo Fenômeno. E no Ronaldinho Gaúcho — era uma festa vê-lo jogar.

Depois, parece que é tudo o Manchester, o Tottenham, os milhões de dólares, o medo de se machucar usando a camisa amarela, a fortuna que se ganha na Europa.

Digo isso porque parece que estamos em falta de ídolos.

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Eu adorei a série 'Senna' na Netflix. O Gabriel Leone faz um trabalho lindo. Depois do Senna tem o Gustavo Kuerten, depois não tem muito.

Acho que esse negócio encarnou um pouco na Nanda e em mim agora. Na Nanda por ser a figura do filme. E eu porque sou o Rubens Paiva e também o Chicó.

O público está curioso para ver os novos filmes, levantar a moral do cinema e da cultura, e isso é um orgulho danado. Não um orgulho bobo ou vaidoso, mas emocional. Um orgulho patriota bom.

Fazendo uma reflexão sobre o Brasil, a gente foi longe. Estamos exportando nossa sensibilidade, o nosso melhor.

Isso que está acontecendo com a Fernanda e comigo, de as pessoas estarem enamoradas pela gente, de fazer sucesso falando em português, traz uma autoestima. O público sente junto com a gente."

'O Auto da Compadecida 2'

"A gente presta um tributo ao Ariano Suassuna. É um grande erro ir ao cinema querendo comparar. O primeiro filme é um clássico que não morre. O segundo é uma celebração.

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A gente estende a mão para o público: sobe aqui nesse trem e vem passear com esses dois velhos amigos palhaços brasileiros. Vem se emocionar. Vem ser leve.

É um fenômeno que já caminha a passos largos para 3 milhões de espectadores. E onde faz mais sucesso, lotando as salas diariamente, é no Nordeste.

Estão amando, curtindo, indo com a família, chorando, se divertindo. Quem são as pessoas do Sudeste ou sei lá de onde para falar alguma coisa?"

Dos sucessos ao mesmo tempo

"É emocionante, porque é uma vida dedicada a isso. E são dois filmes completamente diferentes um do outro, cada um à sua maneira, com sua repercussão e sua força.

Quando criança, aprendi que atuar deve ser um ato simples, de brincar. Aqui nos EUA se usa o verbo 'to play' para as duas coisas. No Brasil não, mas deveria.

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Isso é uma coisa bonita que trago até hoje, protejo essa descoberta da minha infância.

Fui fazer novela e depois a dublagem, que foi importantíssima. Tenho uma coisa forte com a voz. Aí fui fazer teatro, o corpo todo em cena. Depois me achei no cinema.

O cinema abraçou tudo: a dublagem, o teatro e o que eu aprendi na televisão elevado à última potência. Em uma tela enorme eu podia ser sutil.

Você sabe disso, porque também é mineiro [refere-se ao repórter]. É dessa sutileza do mineiro que eu estava atrás, e consegui no cinema.

Dei uma volta e falei um monte de coisa só para dizer que sim, estou radiante de felicidade, pois estou comemorando 40 anos de carreira no momento de dois filmes tão importantes."

Imagem de 'Ainda Estou Aqui', filme de Walter Salles com Selton Mello e Fernanda Torres
Imagem de 'Ainda Estou Aqui', filme de Walter Salles com Selton Mello e Fernanda Torres Imagem: Divulgação
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Os mestres

"Trabalhei com grandes atores na televisão, e um deles foi o [Antônio] Fagundes.

O canal Viva está reprisando 'Corpo a Corpo' [1984] pela primeira vez. Eu era um menino de 11 anos e aquele cara já era um monstro que o país parava para ver.

Ele tinha uma atuação simples, não dava tanto valor ao texto, fazia de um jeito muito natural.

E eu me dei conta do quanto fui sendo influenciado pela atuação do Fagundes ao longo da novela.

Eu olhava e falava: 'Nossa, interessante, ele está fazendo um negócio, mas parece que não está'. Aquilo me influenciou, como acho que hoje eu influencio outros.

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Eu disse a ele em uma mensagem super emocionada recentemente, mas é bom falar publicamente: 'Que bonito, cara, sou um ator adulto que trago muito de você'.

Sempre fui atrás dessa sutileza, dessa simplicidade que encontrei também no meu maior mestre, o Paulo José.

O Walter [Salles] também tem isso. É uma atuação que quase não é atuação. Tudo o que foi para o corte final do filme é o mais simples, menos atuado e impostado."

'Estou aqui, vulnerável'

Capa de 'Eu Me Lembro', livro autobiográfico de Selton Mello
Capa de 'Eu Me Lembro', livro autobiográfico de Selton Mello Imagem: Divulgação

"Meu livro ['Eu me lembro'] está sendo muito vendido, o que me deixa contente. Porque é para quem gosta de mim, mas também quem é sensível. Os sensíveis me interessam.

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O livro homenageia a minha mãe. Foi nele que eu falei que ela teve Alzheimer — outra coisa que me liga ao filme.

Aquele final da Fernanda Montenegro com Alzheimer é arrebatador para mim. Foi o que eu vivi com minha mãe, e ela faleceu no ano passado.

Então é um filho guardando as memórias da vida de uma família mineira, que nasceu em Passos [MG], que tem um pai bancário e uma mãe dona de casa.

Um filho sensível, com imaginação, que quis ser artista. E eles falaram: 'Vamos guiando esse menino, dando asa e o ajudando a construir a asa dele'. Nunca me impuseram nada.

Nada é mais importante que pai e mãe. Eles são a base, de onde a gente veio, quem nos amparou quando a gente teve medo. Quem deu força, quem aplaudiu primeiro.

Estou no livro como estou agora aqui, vulnerável. As pessoas estão encantadas porque não é muito comum ser vulnerável. Não nos dias de hoje.

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E também estou emocionado com esse filme. Com tudo. É muita coisa acontecendo. Tem outras que não posso falar ainda. Estou feliz, principalmente, isso é o que importa."

90 comentários

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Bahia Solo

O país está muito carente é de educação, saúde, estradas, empregos, saneamento, moralidade etc., e não de cinema, que não enche a barriga de ninguém. Sabe de nada, inocente!!!

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Odecio Teodoro Sampaio

Eu também estou emocionado com você e a Fernanda, que alegria estar junto de vocês nessa conquista, saber que nós brasileiros temos algum valor, reconhecimento que existimos, parabéns a todos pela exuberante conquista!

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Carlos Sidney de Vasconcelos Lins

Ok parabéns à Fernanda pelo prêmio.  Agora falar q o cinema nacional passa a ser o novo motivo de orgulho para o país é forçar demais. 

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