'Não é romantizar a doença': diretores explicam documentário sobre Kubrusly

Maurício Kubrusly, 79, sumiu da TV em 2019 sem nenhuma explicação e reapareceu quatro anos depois durante a comemoração de 50 anos do Fantástico (Globo). Sem abrir a boca, o jornalista, dono de estilo irreverente e reportagens icônicas, caminhava à beira-mar numa praia ao sul da Bahia e tornava público que foi forçado a se afastar do trabalho em virtude do diagnóstico de demência frontotemporal.

A informação de que um dos maiores contadores de histórias da TV não se lembrava de nada comoveu o Brasil. A decisão de Beatriz Goulart de externar ao mundo a condição de saúde do marido abriu caminho para Evelyn Kuriki, que foi produtora de Kubrusly no quadro Me Leva Brasil, propusesse a criação do documentário "Kubrusly - Mistério Sempre Há de Pintar por Aí" para o Globoplay.

Começou a se falar muito de demência. Entendi ali que tinha uma demanda de entender um pouquinho mais sobre a doença. Depois, em conversas com a Beatriz, falei que as pessoas também procuram entender não só pela curiosidade, mas porque legitimamente têm interesse e poderíamos ajudar quem também está meio em águas turbulentas com o diagnóstico. Ela topou. Evelyn Kuriki, diretora do documentário, em entrevista para Splash

"História de inspiração"

Evelyn Kuriki trabalhou no time de produção do quadro Me Leva Brasil, ao lado de Maurício Kubrusly, de 2005 a 2017. Tanto é que ela foi procurada pela mulher do jornalista após o seu afastamento pela doença para ajudar a levantar histórias e reportagens do jornalista.

Isso fez com que propusesse a ela juntar essas duas coisas: a ideia de traçar a linha do tempo dele e o legado jornalístico e contar um pouquinho dos desafios do diagnóstico e da vivência com demência. Evelyn Kuriki

Maurício Kubrusly tem vida discreta no sul da Bahia
Maurício Kubrusly tem vida discreta no sul da Bahia Imagem: Reprodução/Globoplay

Primeira reportagem feita pelo jornalista na TV Globo, em 1985, fez Evelyn visualizar o nascimento de um projeto grandioso. "É uma matéria que a gente costuma dizer que dá para publicar até hoje. Dividi com vários colegas: 'olha que incrível o que o Kubrusly fazia nos anos 1980, como isso era bom, como até hoje um monte de repórter tenta fazer esse tipo de reportagem e, às vezes, não tem o talento que o Kubrusly tinha na primeira matéria que ele fez'", conta a diretoria.

Gravação com Beatriz e Kubrusly começou quatro meses após aparição no Fantástico e antes mesmo de 100% de aprovação do Globoplay. Caio Cavechini, que produziu documentários como Marielle e Escola Base, entra na direção ao lado de Evelyn e já começa a filmar quando o casal inicia a mudança de casa na Bahia.

Continua após a publicidade

Eles tinham um depósito com milhares de CDs, que é uma coisa que faz parte do cotidiano do Kubrusly. Ele gosta de colocar no tocador, dar o play, ficar curtindo as capas. Então, na medida em que essas caixas de mudanças iam chegando, o projeto não estava 100% aprovado, mas a gente falou: 'poxa, precisamos estar nesse momento'. Caio Cavechini

"A música é um elemento presente. Todas as que estão ali é um repertório bem bacana. Acho que para quem aprecia a música vai curtir também. É um repertório bacana porque faz parte da playlist da vida dele, que vem acompanhando os dias dele", completa Evelyn.

Objetivo do documentário, segundo Evelyn, é mostrar a história de um dos grandes personagens da TV brasileira e, ao mesmo tempo, um olhar sobre como lidar com demência frontotemporal. "Sempre vi a história do Maurício e da Beatriz com um quê de inspiração mesmo. Não é romantizar nenhuma doença e nenhum desafio que uma doença desse tipo gera no núcleo familiar e nas relações familiares, acho que tem um quê de inspiração. Também ajuda pessoas que possam, eventualmente, estar passando por uma situação minimamente parecida. É dividir um olhar, um jeito de cuidar, um jeito de tocar a vida apesar do momento".

Evelyn falou de inspiração e acho que a gente pode falar também de aprendizado. As pessoas podem aprender tanto com informações sobre a carreira de uma figura importante, mas não é só com informação que você aprende também. Às vezes é convivência, é com sensações, a música, o ambiente, o cuidado, isso tudo também gera aprendizado. Acho que todo mundo, em alguma medida, vai passar por uma situação de envelhecimento na família. Caio Cavechini

Beatriz Goular e Maurício Kubrusly na piscina de casa
Beatriz Goular e Maurício Kubrusly na piscina de casa Imagem: Reprodução/Globoplay

"Maurício brincava com as câmeras"

Filmagens da nova rotina de Kubrusly contaram com pessoas conhecidas de seus tempos de Globo, mas em número reduzido para não tirar a sua naturalidade e espaço. "Algumas pessoas da equipe, como a Evelyn e o Wellington Almeida (fotógrafo), já tiveram relação profissional anterior com ele, mas o Maurício não se recordava. Ele se recordava da câmera e, às vezes, fazia alguma gracinha. É claro que tem alguns momentos que a pessoa também já tem uma certa idade e precisa descansar. Então, fomos entendendo e aprendendo ao longo do processo", destaca Caio.

Continua após a publicidade

Kubrusly conversava, brincava e até fazia piadas com a equipe ao longo das gravações. "Às vezes, ele se dirigia para conversar com a gente, para falar alguma coisa, fazer uma piada. Ele mantém esse humor muito afiado dos tempos da TV. Em vários momentos do documentário, você percebe a vontade dele de fazer uma brincadeira com a situação, com a vida", menciona Caio.

Existe um estado de atenção muito presente nele, de onde está, o que está fazendo, quem são as pessoas ali. Ele é muito atento ao entorno dele. Durante as gravações, você percebe que ele observa tudo.
Evelyn Kuriki

"Ele inaugura um jeito de fazer TV"

Carreira de Kubrusly no jornalismo é marcada pela coragem de ousar em frente às câmeras. "Ele contava que na primeira matéria que fez, ele escolheu uma coisa que era a praia dele, a arte. Ele foi gravar com camiseta, manga curta, o que não existia. O repórter ia de barba feita, terno e gravata. Ele imprimiu um jeito dele", recorda Evelyn.

Mauricio Kubrusly em reportagem exibida pelo "Fantástico"
Mauricio Kubrusly em reportagem exibida pelo "Fantástico" Imagem: Reprodução/TV Globo

Ele não manjava muito de TV, mas tinha um repertório de artes e espetáculos gigante. Então, ele trouxe para a TV esse elemento de direção e de linguagem. E em termos de acabamento de linguagem, de repertório, ele sempre foi gigante. Acho que ele, realmente, inaugurou um jeito de fazer TV, que muita gente persegue ainda hoje. É um estilo que ele foi abandonando um pouco ao longo do tempo, porque de alguma forma banalizou, podemos dizer assim. Evelyn Kuriki

Continua após a publicidade

Para exemplificar que Kubrusly era à frente de seu tempo, Caio Cavechini conta que o acervo de reportagens do jornalista na década de 90 continham temas ainda não compreendidos em 2024. "Acabamos nos surpreendendo muito com as produções dele, porque tem várias pérolas que a gente nem imaginava. Ele, por exemplo, fez um trecho de um Globo Repórter sobre o cérebro, em que ele fala de inteligência artificial nos anos 1990. Tem muita coisa que ele fez que surpreende qualquer um que for mergulhar".

"Kubrusly: Mistério Sempre Há de Pintar por Aí" tem direção de Caio Cavechini e Evelyn Kuriki. O documentário estreou nesta quarta-feira (4), no Globoplay —plataforma de streaming da TV Globo.

Deixe seu comentário

O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.